TCC- A Importância Da Comunicação
Monografias: TCC- A Importância Da Comunicação. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 8/9/2013 • 10.147 Palavras (41 Páginas) • 1.042 Visualizações
INTRODUÇÃO
Meus brinquedos
De repente Ao lembrar dos brinquedos queridos Que ficaram esquecidos Dentro do armário Me bate uma saudade Me bate uma vontade De voltar no tempo De voltar ao passado Mas nada acontece Nada parece acontecer E eu choro Choro como o bebê que fui E a criança que quero voltar a ser Não quero crescer! Clarice Pacheco
Os brinquedos e jogos eletrônicos são veiculados na mídia transformando a
cada dia os objetos lúdicos infantis, mas o que as crianças conhecem dos
brinquedos e jogos tradicionais atualmente? Qual a importância e o espaço dado
pelos professores a esse tipo de brincadeiras? Quais são os jogos e brinquedos
tradicionais conhecidos pelas crianças?
Nossa pesquisa é decorrente de experiências vividas no contato com crianças
de 1º ciclo. As observações das atividades escolares nos mostraram um universo
distante do ideal para as crianças, pois criança é sinônimo de brincar / jogar, e isso
não foi visto em situação real escolar.
A partir daí nos inquietamos e preocupamos em buscar quais os objetos
lúdicos tradicionais ainda conhecidos por eles? Assim como, qual a importância e o
espaço destinado a esses objetos lúdicos pelos professores de 1ª. série de uma
Escola Estadual de Bauru?
Assim como os conteúdos escolares, a atividade lúdica é um fator muito
importante para o desenvolvimento da criança. Por meio dela podemos tornar a
aprendizagem mais prazerosa e, portanto mais significativa.
É possível mediante o brincar, formar indivíduos com autonomia, motivados
para muitos interesses e capazes de aprender rapidamente.
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Através da atividade lúdica a criança desenvolve suas capacidades físicas e
intelectuais. O brinquedo também proporciona o desenvolvimento da linguagem, do
pensamento e da concentração. Através do brincar a criança cresce, aprende a usar
os músculos, coordena o que vê com o que faz e adquire o domínio sobre seu
corpo, descobre o mundo e como ele é. Brincando a criança aprende novos
conceitos, adquire informações e tem um crescimento saudável.
A criança que brinca cria um universo só dela. Envolve-se num imaginário no
qual o impossível se torna possível e vice-versa. Reúne personagens da cultura,
elementos da realidade, criando novos significados para elas graças à sua
capacidade de criação. Enfim, nas relações interpessoais há construção de
conhecimento.
A criança não só repete as coisas vividas ou ouvidas, mas tem a capacidade
de combinar o antigo com o novo através de sua capacidade criativa.
Quando a criança brinca, ela está vivenciando momentos alegres, prazerosos,
portanto a criança que brinca vive uma infância feliz, além de se tornar um adulto
mais equilibrado física e emocionalmente, conseguirá superar com mais facilidades,
problemas que possam surgir no seu dia-a-dia. A criança privada dessa atividade
poderá ficar com traumas dessa falta de vivência.
Por meio das brincadeiras tradicionais, as crianças ampliam sua área de
contatos humanos, aprendem de modo mais simples as vantagens e o significado
das atividades organizadas grupalmente, experimentam os diferentes papéis sociais,
percebem as relações de subordinação e de dominação entre as pessoas e se
identificam com alguns interesses ou valores de sua sociedade.
A pesquisa estruturou-se em quatro etapas: a primeira, um levantamento do
referencial teórico referente ao tema, realizado em biblioteca, acervo pessoal e da
orientadora dando base à nossa pesquisa;
Na segunda etapa, foi realizada a coleta de dados, desenvolvida mediante um
estudo de caso. Os dados foram coletados em duas turmas de primeira série do
Ensino Fundamental de uma escola pública estadual na cidade de Bauru, situada
num bairro de classe média-baixa, que atende crianças de primeira a quarta série,
residentes no próprio bairro ou em bairros vizinhos.
Trata-se também de uma pesquisa qualitativa, pois se preocupa em
compreender, interpretar os fatos. A pesquisa qualitativa, segundo Lüdk e André
(1986), tem ambiente natural como fonte de coleta de dados e o pesquisador é o
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instrumento principal. Deve ter um contato direto e prolongado do pesquisador com o
ambiente e a situação investigada mediante o trabalho de campo.
Desta forma, nossa pesquisa, se desenvolveu ao longo de um mês, com
visitas freqüentes à escola durante cinco dias da semana no período vespertino.
Os alunos possuíam idade entre seis e sete anos. Ao total eram 59 crianças,
28 da turma “D” e 31 da turma “E”.
A terceira etapa consistiu na tabulação e análise dos dados coletados durante
a pesquisa na instituição escolar.
Finalmente, na quarta etapa ocorreu a organização e estruturação do material
coletado durante a pesquisa resultando na redação final do Trabalho de Conclusão
de Curso.
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CAPÍTULO 1 – INFÂNCIA, CRIANÇAS E BRINQUEDOS
Conhecer a criança é pensá-la não apenas numa perspectiva evolutiva e etária. Conhecer a criança é pensá-la num tempo e num espaço, interagindo dinamicamente, influenciando e sendo influenciado.
Elza Dias Pacheco
Fala-se muito da liberdade e do direito das crianças, principalmente de sua
ações mais características – o brincar, que seu cotidiano é cercado de risos,
alegrias, brincadeiras. Mas, se analisarmos cuidadosamente a realidade da maioria
das crianças como se propaga, e como os documentos oficiais apresentam,
historicamente, no Brasil e em todo o mundo, há uma discrepância entre o que é
proposto pelas organizações responsáveis pela infância e legislação vigente.
O mundo que a ”criança deveria ser” ou “ter” é diferente daquele onde ela vive, ou no mais das vezes, sobrevive. O primeiro é feito de expressões como “a criança precisa”, “ela deve”, “seria oportuno que”, “vamos nos engajar em que”, até o irônico “vamos torcer para”. No segundo as crianças são enfaticamente orientadas para o trabalho, para o ensino, para o adestramento físico e moral, sobrando-lhes pouco tempo, para a imagem que normalmente a ela está relacionada: do riso e da brincadeira. (DEL PRIORE, 2004, p. 8)
O mundo passa por intensas e significativas mudanças ao longo dos tempos,
contudo nas últimas décadas esse fenômeno vem se intensificando cada vez mais.
São transformações tecnológicas, sociológicas entre tantas outras. É nesse contexto
que a criança inserida e fazendo parte dele, vem sofrendo com suas conseqüências,
sejam elas boas ou ruins.
[...] a crescente fragilização dos laços conjugais, a exploração urbana com todos os problemas decorrentes de viver em grandes cidades, a globalização cultural, a crise do ensino antes os avanços cibernéticos, tudo isso tem modificado, de forma radical, as relações entre pais e filhos e entre crianças e adultos. (DEL PRIORE, 2004, p. 9)
Desta forma, em meio as transformações, e principalmente a partir da
modernidade, as crianças são preparadas para o futuro. As escolas não estão
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trabalhando com as particularidades infantis e suas necessidades, e sim, vendo as
crianças como futuros adultos, que deverão ser produtivos para desempenharem
funções em resposta às necessidades atuais da sociedade tecnológica.
Ao retroagirmos Às mudanças que ocorreram até chegarmos à sociedade
atual compreenderemos as mudanças decorrentes em relação à infância e a criança.
Para tanto, faremos uma breve passagem pela história, utilizando os autores
como Ariès (2006), Heywood (2004), Stearns (2006), Freitas e Kuhlmann (2002), Del
Priori (2004) entre outros que trouxeram grandes contribuições para entendermos
como a infância se modificou de acordo com cada sociedade.
Inicialmente faremos uma pequena diferenciação entre infância e criança,
esclarecendo os termos para um melhor entendimento dos conceitos.
Segundo Freitas e Kuhlmann (2002) a infância é “[...] a concepção ou a
representação que os adultos fazem sobre o período inicial da vida, ou como o
próprio período vivido pela criança”. Já a criança “[...] o sujeito real que vive essa
fase da vida”. Desta forma, segundo os autores, “A história da infância seria então a
história da relação da sociedade, da cultura, dos adultos, com essa classe de idade
e a história da criança seria a história da relação das crianças entre si e com os
adultos, com a cultura e a sociedade”.
É difícil falar sobre a criança ao longo da história, pois pouco registro direto se
tem sobre ela. O que há são relatos de adultos sobre quando eram crianças, são
recordações dos seus dias de meninice. Contudo, mesmo não havendo aspectos da
experiência da infância pela falta de informações direta, falaremos um pouco sobre a
história da infância que é estudada por adultos e instituições adultas.
É difícil elaborar histórias bem-feitas sobre crianças. Crianças deixam relativamente poucos registros diretos. As pessoas rememoram suas infâncias, adultos escrevem sobre crianças e há objetos – berços, brinquedos etc., mas isso também é trazido à baila por intermediários adultos. Justamente por isso, é mais fácil tratar historicamente da infância do que das crianças em si, porque a infância é em parte definida pelos adultos e por instituições adultas. (STEARNS, 2006, p. 13)
Por meio da história da infância podemos analisar as condições infantis do
passado e as mudanças na natureza da infância, desta forma, analisamos as
mudanças que a infância tem sofrido no decorrer dos anos.
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[...] é possível verificar como muitos aspectos da infância contemporânea decorrem do passado, o que por seu turno permite entender bem melhor a infância contemporânea, inclusive alguns novos problemas que ocupam a nossa atenção. (STEARNS, 2006, p. 14)
A história da infância também nos auxilia a entender como a criança foi vista e
tratada ao longo dos séculos pelas sociedades e como tem sido a participação dos
jogos e brincadeiras em suas vidas.
O lugar que a criança ocupa num contexto social específico, a educação a que está submetida e o conjunto de relações sociais que mantém com personagens do seu mundo, tudo isto permite compreender melhor o cotidiano infantil – é nesse cotidiano que se forma a imagem da criança e do seu brincar. Cada tempo histórico possui uma hierarquia de valores que oferece uma organicidade a essas heterogeneidades. São esses valores que orientam a elaboração de um banco de imagens culturais que se refletem nas concepções de criança e seu brincar. (KISHIMOTO, 1993, p. 7-8)
Acompanhando as mudanças relativas à infncia por meio da história atual,
segundo Stearns (2006) “[...] a importância do conhecimento da infância no curso da
história é entender o passado de maneira mais ampla e proporcionar perspectivas
históricas ao presente”.
Em seu livro “História Social da Criança e da Família”, Ariès (2006)discorre
sobre o olhar adulto acerca da infância, tomando por base a sociedade européia. Ele
inicia pelo final da Idade Média e chega até o século XIX. Assim, como ele analisa,
inicialmente a criança era vista como um ser incompleto e com o passar dos tempos
passa a ser alvo de uma melhor observação, tornando-a paparicada, mimada e
então amada.
Ariès (1973) postulava que o no passado, até ao início da época moderna, não existia o conceito de infância. Baseando-se na iconografia, considerou Ariès que as crianças só começaram a ser representadas com a sua especificidade a partir dos finais da Idade Média mas, ainda assim, apenas como figuras ornamentais e pitorescas que serviam para dar vida a um quadro. Só a partir do século XVII a criança parecia ter valor suficiente para ser representada sozinha. No entanto, segundo Ariès, tal não coincidia com uma visão mais otimista da infância, mas apenas com a idéia, transmitida pelos moralistas, de uma criatura de Deus, fraca e inocente que era preciso simultaneamente preservar e modificar, um ser cujo comportamento devia ser treinado e corrigido. (BOTTO, 2002, p. 169)
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Notamos que a forma como a criança era vista sofrem influências dos
acontecimentos econômicos religiosos, sociais, enfim de uma época. Quando
analisamos o fenômeno Infância devemos relevar a classe social em que está
inserida, pois essa possui uma forte influência sobre ela, uma vez que sempre
existiram aqueles que possuem grandes benefícios e aqueles que vivem numa
realidade precária e miserável.
A evolução da família medieval para a família do século XVII e para a família moderna durante muito tempo se limitou aos nobres, aos burgueses, aos artesãos, aos lavradores ricos. Ainda no início do século XIX, uma grande parte da população, a mais pobre e mais numerosa, viviam como as famílias medievais, com as crianças afastadas da casa dos pais. (ARIÈS, 2006, P. 189)
Numa sociedade dividida em classes sociais opostas, não temos apenas uma
Infância única, mas sim Infâncias que oscilam entre a luxúria e suas regalias e a pobreza com toda a sua miséria e ingratidão .
Pelo que podemos deduzir a partir das fontes disponíveis, o interesse pelos
anos da infância é um fenômeno relativamente recente. Os camponeses ou artesãos
geralmente não registravam suas histórias durante a Idade Média até mesmo os
nobres de nascimento ou os devotos não costumavam demonstrar muito interesse
pelos primeiros anos de vida. A criança era, no máximo, uma figura marginal em um
mundo adulto. A esse respeito Heywood escreveu:
[...] Ottokar von Steiermark, escrevendo em médio alto-alemão, deixou bem clara sua posição “ao saudar o nascimento de um rei com a seguinte frase: ‘não quero escrever mais a seu respeito agora; ele terá de esperar até crescer.” (HEYWOOD, 2004, p. 10)
Essa frase deixa nítida o quão excluído do interesse adulto era a infância. As
crianças eram apenas adultos imperfeitos, “deficientes”, totalmente subordinadas
aos adultos. Durante muito tempo poucos têm sido os historiadores dedicados à
infância. Ainda na década de 1950, seu território podia ser considerado “um campo
quase virgem”. Quase que a totalidade dos autores medievais, preferia escrever
sobre a idade adulta, especialmente a dos homens, ao invés de se dedicar à infância
e à adolescência.
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Grande parte dos primeiros trabalhos era de caráter profundamente
institucional, descrevendo o surgimento dos sistemas escolares, a legislação sobre o
trabalho infantil, as agências especializadas em delinqüentes juvenis, os servidores
de bem-estar social infantil e assim por diante. Pouco se tratava das próprias idéias
sobre a infância e das crianças. Os historiadores contribuíram, contudo, para um
reconhecimento da construção social da infância no qual as comparações no
decorrer do tempo foram tão instrutivas quanto as de caráter intelectual.
A arte medieval também nos mostra que a infância era um tema pouco ou até
mesmo nem abordado, nota-se o distanciamento da criança no mundo adulto e sua
pouca valorização, nos séculos XI e início do XII,
É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo. Uma miniatura otoniana do século XI nos dá uma idéia impressionante da deformação que o artista impunha então aos corpos das crianças, num sentido que nos parece muito distante de nossa visão. (ARIÈS, 2006, p. 17)
Até o fim do século XIII, a criança não era vista como um ser único, individual,
possuidor de limites, e também de potencialidades. Ela era vista, acima de tudo,
como um ser desprovido de características particulares. Na verdade se tratava de
um adulto em miniatura, um homem de tamanho reduzido.
Nessa fase, a indiferença pelas características próprias da infância esteve
presente não só no mundo das imagens, como também no modo de vestir das
crianças daquela época. “[...] Assim que a criança deixava os cueiros, ou seja, a
faixa de tecido que era enrolada em torno de seu corpo, ela era vestida como os
outros homens e mulheres de sua condição.” (ARIÈS, 2006, p. 32)
Quanto à vida lúdica, a partir do século XII, certos jogos já eram reservados
aos cavaleiros, e, mais precisamente, aos adultos. Assim, segundo relata Ariès
(2006), enquanto a luta era uma brincadeira comum, o torneio e a argolinha eram
jogos de cavalaria. Os plebeus, e as crianças, mesmo nobres, eram proibidos de
participar dos torneios, eles não tinham o direito de participar. Logo as crianças
começaram a imitar esses torneios proibidos. Ainda segundo Ariès (2006), o
calendário do breviário de Grimani mostra-nos torneios grotescos de crianças, entre
as quais alguns pensaram conhecer o futuro Carlos V: as crianças cavalgavam
barris em vez de cavalos.
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Importa explicitar que, apesar de não existir o sentimento de infância na
sociedade medieval, não significa dizer que as crianças eram negligenciadas,
abandonadas ou desprezadas.
Era uma sobrevivência persistente, porém ameaçada. Já desde o século XIV,
procuravam exprimir na arte, na iconografia e na religião a personalidade que se
admitia existir nas crianças, e o sentido poético e familiar que se atribuía à sua
particularidade.
Desde a Antiguidade até o século XVIII, as crianças, no Ocidente, eram vistas
como meros adultos imperfeitos, “deficientes”, e subordinadas aos adultos.
Portadores dessa visão, os escritores medievais tinham pouco interesse nessa etapa
da vida. Recentemente, é que surgiu um sentimento de que as crianças são
especiais e diferentes, e, portanto, dignas de ser estudadas por si sós.
As crianças medievais desde novas eram inseridas no mundo adulto.
Inicialmente ajudavam os pais trabalhando como servas ou desenvolvendo algum
ofício.
Contudo, as pessoas nesse tipo de sociedade “primitiva” estavam cientes das
diferentes etapas de desenvolvimento entre os mais novos. Havia um óbvio
nivelamento de responsabilidade que as de menos idade podiam assumir: desde
trabalhos menores da casa até o pastoreio e, eventualmente, um aprendizado de
ofício ou um trabalho formal no campo. Elas também tinham seus jogos, ao invés de
participar das competições adultas. Contudo a infância e a adolescência pareciam
distintas e especiais naquele período.
A educação dessas crianças era garantida pela aprendizagem junto aos
adultos, pois a partir dos sete anos, elas viviam com uma outra família que não a
sua.
A criança saía de casa indo morar com outras famílias, mesmo que depois de
adulta voltasse, porém nem sempre isso acontecia. Elas eram enviadas à outras
famílias pelos pais para que com elas morassem e começassem sua vida, ou para
aprenderem as maneiras de um cavaleiro ou um ofício, até mesmo para que
freqüentassem uma escola e aprendessem as letras latinas.
Imergida nesse contexto, a família não poderia nutrir um grande sentimento
entre pais e filhos. Contudo, não significa que os pais não amassem os filhos
Doris Desclais Berkvam utilizava textos da França dos séculos XII e XIII para
mostrar que os moralistas desse período só consideravam eficaz a criação de uma
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criança se estivesse em harmonia com a natureza, sendo que esta era determinada
pela classe e pelo gênero, e não por circunstâncias individuais.
[...] Para a mente Medieval, segundo Berkvam, a natureza com a qual se nasce é a influência mais importante na vida, a matéria-prima sem a qual a criação mais refinada será desperdiçada. Promover esse tipo de linhagem servia muito bem a aristocracia hereditária, que estava até mesmo disposta a acreditar que um jovem responderia quase que instantaneamente à instrução sobre sua verdadeira vocação. Mesmo assim, essa é a fase em que a ação na natureza não passou completamente incontestada. A Baixa Idade Média estava ao menos familiarizada com a noção da criança como uma cera mole, que poderia ser moldada de várias formas, ou como o ramo tenro, que precisa ser posto na direção correta. Os educadores identificavam a infância como o período da vida em que as pessoas eram mais receptivas ao ensinamento, e assim enfatizavam a importância de se proporcionarem bons exemplos para que os jovens seguissem. (HEYWOOD, 2004, p. 52)
Algumas pesquisas dizem que a criança nunca foi tão celebrada como na
Idade Média, porém a maioria dos comentadores entre a elite instruída da época
preferia mostrar a criança como uma criatura pecadora, “[...] um pobre animal
suspirante”. Segundo Heywood (2004) Um levantamento de histórias e crônicas da
Alta Idade Média concluiu que elas eram “bastantes vazias” nessa área. A infância
durante a Idade Média não passou tão ignorada, e sim foi definida de forma
imprecisa, e, por vezes, desdenhada.
Pierre Riché, escrevendo na década de 1960, afirmou que, entre os séculos
VI e VIII, o sistema monástico “redescobriu a natureza da criança e toda a sua
riqueza.
O historiador Jacques Lê Goff asseverou que a “Idade Média utilitária” não tinha tempo para compaixão ou admiração pelas crianças, de forma que mal as notava. Os monastérios, todavia, para os quais Riché chama nossa atenção, conseguiam destacar-se como uma vela acesa na escuridão geral, tendo também experiências diretas na criação e na educação de crianças. O costume dos pais de entregar um filho para a Igreja fazia com que a maioria dos recrutados em monastérios fosse de oblatos jovens. Tornou-se possível para o diferenciado professor dessas instituições, em varias partes da Europa, questionar a opinião geralmente rebaixada sobre a infância, herdada dos romanos e dos primeiros pais da Igreja. (HEYWOOD, 2004, p. 34-35).
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A Baixa Idade Média estava ao menos familiarizada com a noção da criança
como uma cera mole, que poderia ser moldada de várias formas, ou como o ramo
tenro, que precisa ser posto na direção correta. Os educadores identificavam a
infância como o período da vida em que as pessoas eram mais receptivas ao
ensinamento, e assim enfatizavam a importância de se proporcionarem bons
exemplos para que os jovens seguissem. Heywood (2004, p. 35) diz que: “[...] Beda,
um monge ilustre da época, afirmava ser a criança boa de educar, absorvendo com
fidelidade aquilo que se lhe ensinava”.
Durante a Idade Média, quando se utilizava a palavra criança, muitas vezes
se parecia ter em mente um menino. As meninas eram “praticamente invisíveis” na
literatura. Alguns textos lhes davam alguma atenção, mas geralmente as vidas
masculinas eram mais variadas e interessantes.
O conceito aristotélico via o menino como sendo “importante não por si
mesmo, mas por seu potencial”. Por outro lado, os românticos idealizavam a criança
como criatura abençoada por Deus, e a infância como uma fonte de inspiração que
duraria a vida toda.
No século XVI, com a vinda dos portugueses para o Brasil, analisando a
história, descobrimos uma infância não muito doce nem sagrada. Por meio dela,
percebemos o sofrimento que as crianças lusas passaram nas embarcações
portuguesas.
Segundo Ramos (2004, p. 30) “[...] A história do cotidiano infantil a bordo das
embarcações portuguesas quinhentistas foi, uma história de tragédias pessoais e
coletivas”. As crianças vinham para o Brasil nos navios como grumetes ou pagens,
como órfãs do Rei (para aqui se casarem) ou como passageiros embarcados junto
com seus pais eu parentes.
Os grumetes eram os que mais sofriam nas naus. Suas condições de vida
eram as mais precárias, possuíam as piores acomodações, sua alimentação era
restrita e de péssima qualidade.
Os grumetes, tal como os marinheiros, recebiam chicotadas e eram postos a
ferro (acorrentados ao porão) caso desobedecessem às ordens dos oficiais, sendo
ainda por vezes ameaçados de morte.
Já os pagens, realizavam tarefas mais leves e menos arriscadas, sua
alimentação também era mais rica que a dos grumetes.
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[...] Os pagens eram raramente castigados com severidade e possuíam menor chance de perecer ao longo da viagem, pois tanto oficiais como elementos da nobreza eram os únicos que tinham permissão para trazer a bordo laranjas, galinhas e outros alimentos, sob pretexto de se servirem em caso de doença. (RAMOS, 2004, p. 30)
Grumetes e pagens eram de famílias portuguesas pobres que mandavam
seus filhos para o Brasil acreditando ser uma forma melhor de ascensão social.
A falta de mão-de-obra de adultos, ocupados em servir nos navios e nas possesões ultramarinas, fazia com que os recrutados se achassem entre órfãos desabrigados e famílias de pedintes. Nesse meio, recrutavam meninos entre nove e 16 anos, e não raras vezes, com menor idade, para servir como grumetes nas embarcações lusitanas. (RAMOS, 2004, p. 22)
Segundo o autor, para os pais, esse era um meio de aumentar a renda da
família. Assim como os desafortunados grumetes, muitos dos pagens eram
recrutados, entre famílias portuguesas pobres. A maioria, contudo, eram de setores
médios urbanos, de famílias protegidas pela nobreza ou de famílias da baixa
nobreza; essas acreditavam que inserindo seu filho no contexto da expansão
ultramarina como pagem conquistariam uma ascensão social. Os filhos de capitães
e pilotos que também embarcavam viviam uma condição melhor, intermediária entre
os passageiros e os grumetes. Iam como acompanhantes dos pais ou parentes para
aprender seu ofício.
Enquanto os meninos pobres menores de 16 anos eram embarcados como grumetes e pagens nas naus portuguesas do século XVI, e alguns dos filhos dos oficiais, mesmo não sendo pagens, embarcavam simplesmente como acompanhantes de seus pais a fim de aprender seu ofício, as meninas órfãs de pai e pobres eram arrancadas à força de sua família e embarcadas a categoria de “órfãs do Rei”. (RAMOS, 2004, p. 32)
Essas meninas “órfãs do Rei” passavam pelas mesmas dificuldades que os
meninos. Com privações alimentares e entregues a ambientes insalubres das naus,
muitas faleciam no meio do caminho. Eram, assim como os garotos violentadas
pelos tripulantes.
[...] As meninas embarcadas como órfãs poderiam ser violadas por grupos de marinheiros mal intencionados que ficavam dias à espreita
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em busca dessa oportunidade. Por medo de serem depreciadas no mercado matrimonial para o qual estavam direcionadas, ou por vergonha, terminavam ocultando o fato, de modo que os relatos a respeito são praticamente inexistentes. (RAMOS, 2004, p. 34)
As crianças em geral, eram igualmente sujeitas, em qualquer idade, mas
sobretudo quando pertencentes às classes subalternas, a estupros coletivos
praticados pelos marinheiros ou soldados.
As condições de vida precárias nos navios faziam com que muitas crianças
viessem a falecer durante a viagem, entre outros motivos, por doenças ou naufrágio.
Contudo, as que venciam os diversos problemas lá enfrentados não estavam
garantidos de uma vida boa e próspera em terra.
As dores do naufrágio eram apenas o princípio de um sofrimento muito mais intenso, marcado pela fome, pelo medo e por inúmeras dificuldades. Em condições como estas, as poucas crianças que sobreviviam, já intensamente castigadas pelo cansaço físico e o trauma psicológico, dificilmente conseguiam ter sorte diferente em terra. (RAMOS, 2004, p. 44)
Vencida as dificuldades enfrentadas nas naus como naufrágios, maus tratos,
violências morais e físicas, chegando aqui no Brasil as crianças passariam por
outros tipos de dificuldades. Muitas aqui sofriam com doenças, e também com
violações de seus direitos. Vemos então, que a infância nessa época não era vista
como sagrada, a criança não era diferenciada do adulto, antes realizavam quase
que as mesmas tarefas que eles. Desta forma, já em terra continuariam a sofrer
igualmente nas embarcações.
O Renascimento projeta na criança a argamassa do modelo a ser produzido
na maturidade. Contudo, visivelmente, havia alguma dificuldade em retratar a
criança. Para Montaigne, por exemplo, melhor era formar cabeças bem-feitas do que
cabeças cheias.
Nesta época, nem tudo deveria ser permitido às crianças. Elas deveriam
obedecer as regras, reconhecer as prescrições, imposições limites interdições e,
maiormente, identificar o valor da obediência.
Segundo Boto (2002), havia uma insuficiência ou um caráter incompleto da
condição infantil em relação a seu almejado ponto de chegada: o ser adulto.
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A criança é percebida pelo que lhe falta, pelas carências que apenas a maturação da idade e da educação poderia suprir. Frágil na constituição física, na conduta pública e na moralidade, a criança é um ser que deverá se regulado, adestrado, normalizado para o convívio social. Daí a necessidade de se dar a ela, de um lado a liberdade; e outro, o freio – de modo que o adulto pudesse surgir pelo equilíbrio. (BOTO, 2002, p. 17)
O século XVII foi extremamente importante na evolução dos temas da
primeira infância. Nessa época a imagem da criança se tornou muito freqüente nas
pinturas anedóticas. Segundo Ariès (2006, p. 28), “[...] Era freqüente a imagem da
criança com sua família, seus amigos de jogos, em suas brincadeiras, no meio da
multidão, mas no colo da mãe, entre outros momentos da vida cotidiana.”
Ainda segundo o autor, no século XVII, a criança da família nobre ou
burguesa, não era mais vestida como os adultos, as roupas usadas por elas agora
se distinguiam das usadas por eles. Já que agora era reconhecida como entidade
separada, teria que possuir um traje particular.
Contudo, isso aconteceu apenas nas famílias burguesas ou nobres. As
crianças das classes desprivilegiadas continuaram no mesmo costume de se vestir
conforme os adultos.
As crianças do povo, os filhos dos camponeses e dos artesãos, as crianças que brincavam nas praças das aldeias, nas ruas das cidades ou nas cozinhas das casas continuaram a usar o mesmo traje dos adultos. Elas conservaram o antigo modo de vida que não separava as crianças dos adultos, nem através do traje, nem através do trabalho, nem através dos jogos e brincadeiras. (ARIÈS, 2006, p. 41)
Com a redescoberta da Infância no século XVII, principalmente entre as mães
e as amas, surgiu um novo sentimento da infância: o de “paparicar”. Isso porque a
criança, com sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração
e de relaxamento para o adulto.
A maneira de ser das crianças deve ter sempre parecido encantadora Às mães e às amas, mas esse sentimento pertencia ao vasto domínio dos sentimentos não expressos. De agora em diante, porém, as pessoas não hesitam mais em admitir o prazer provocado pelas maneiras das crianças pequenas, o prazer que sentiam em “paparicá-las.” (ARIÈS, 2006, p. 101)
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Entretanto, no fim do século XVI e principalmente no século XVII, esse
sentimento da infância sofreu críticas. Algumas pessoas julgavam desnecessária a
atenção dispensada às crianças, por meio da “paparicação”.
É entre os moralistas do século XVII que vemos forma-se esse outro sentimento da infância e que inspirou toda a educação até o século XX, tanto na cidade como no campo, na burguesia como no povo. O apego à infância e à sua particularidade não se exprimia mais através da distração e da brincadeira, mas através do interesse psicológico e da preocupação moral. A criança não era nem divertida nem agradável. (ARIÈS, 2006, p. 104)
Sneyders diz que no século XVII existem duas visões de infância, uma
idealizada, tendo por base a inocência, atribuía à puerilidade; e, ao mesmo tempo,
uma de desagrado da criança de carne e osso.
A entrada no mundo adulto era precoce, o que fazia com que – nos termos de
Sneyders – as crianças não pudessem sentir sua infância por muito tempo.
Acompanhando o difícil amor pelas crianças, as gerações adultas passavam progressivamente a cuidar delas com atenção acrescida, a devotar mais tempo para educá-las, com procedimentos ancorados no binômio desconfiança/vigilância . (BOTTO, 2002. p. 24)
Apesar da Infância ainda não receber o devido valor e reconhecimento da
sociedade, a criança, nessa época, passa a ser um elemento indispensável na vida
cotidiana, o que leva os adultos a cuidar mais de sua educação, carreira e futuro.
Assim como nos mostra Ariès (2006, p. 189), ela não era pivô de todo o sistema,
mas tornara-se uma personagem muito mais consistente.
Dessa época em diante, a educação passou a ser fornecida cada vez mais
pela escola, que deixou de ser privilégio dos clérigos para se tornar um instrumento
de iniciação social, da passagem da infância para a vida adulta.
Essa evolução correspondeu a uma necessidade nova de rigor moral da parte dos educadores, a uma preocupação de isolar a juventude do mundo sujo dos adultos para mantê-la na inocência primitiva, a um desejo de treiná-la para melhor resistir às tentações dos adultos. (ARIÈS, 2006, p. 159)
Embora o interesse pelas crianças na Inglaterra começa pelos puritanos,
sendo eles os primeiros a se questionar sobre sua natureza e seu lugar na
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sociedade, Heywood (2004) revela em seu livro que “Os puritanos não tinham
necessariamente uma opinião elevada sobre as crianças, e os irmãos mais
fervorosos afirmavam que elas nasciam como “fardos sujos do pecado original”, ou
“pequenas víboras”.
Os reformadores católicos da França igualmente inferiorizavam as crianças,
ao denunciá-las como fracas e culpadas de pecado original. Mesmo assim,
jansenistas do século XVII, em Port-Royal, e outros educadores, afirmavam que as
crianças valiam a atenção; que se deveria dedicar a vida à sua instrução e que cada
indivíduo precisa ser compreendido e auxiliado.
Okenfuss afirma de forma inequívoca que “a infância foi descoberta na Rússia na década de 1690”, tomando como evidência a série de cartilhas eslavas produzidas por Karion Istomin (c. 1640-1717) em Moscou. Com seu amplo uso de ilustrações para ensinar gramática e religião, essas cartilhas revelavam uma consciência de que as percepções de uma criança eram diferentes das dos adultos. (HEYWOOD, 2004, p. 36)
Segundo Heywood (2004) Okenfuss segue Ariès ao atribuir sua “descoberta”
a um interesse recém-surgido na educação, com a escola servindo para diferenciar a
infância de etapas posteriores da vida.
Os pensadores do século XVIII chegaram mais próximos a nossas noções
contemporâneas de infância do que qualquer de seus precedentes. Eles afirmaram
seguramente que as crianças não são meros adultos imperfeitos e sim seres
importantes em si.
[...] John Locke em sua obra Some thoughts concerning education (Algumas reflexões sobre educação) de 1963, foi muito importante para projetar a imagem da criança como tábula rasa, [...] um papel em branco, ou uma cera a ser moldada e formatada como bem se entender. (HEYWOOD, 2004, p. 37)
Analisando as obras de arte do século XVIII, verificamos que foi nesse
período que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e comuns.
Segundo Ariès (2006, p. 28) “[...] foi também nesse século que os retratos de família,
muito mais antigos, tenderam a se organizar em torno da criança, que se tornou o
centro da composição”. Os meninos e meninas eram diferenciados por fitas chatas
postas nas costas.
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A figura de destaque na reconstrução da infância durante o século XVIII é o
suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Acreditando que a sociedade de seu
tempo possuía falsa idéia da infância por não conhecê-la devidamente, propõe em
Emílio a descoberta da condição essencial da criança. Rousseau foi, nas palavras
de Peter Coverney, quem se opôs mais intensamente à tradição cristã do pecado
original, com o culto da inocência original das crianças.
Segundo Rousseau, em Emílio, [...] a criança nasce inocente, mas corre o risco de ser sufocada por “preconceitos, autoridade, necessidades, exemplo, todas as instituições sociais em que estamos submersos. Para ele [...] a natureza deseja que as crianças sejam crianças antes de ser adultos. A infância “tem formas próprias de ver, pensar, sentir” e, particularmente sua própria forma de raciocínio, “sensível”, “pueril”, diferente da razão “intelectual” ou “humana” do adulto. [...] “Respeitai a infância”, exortava ele, e “deixai a natureza agir bastante tempo antes de resolver agir em seu lugar.” (HEYWOOD, 2004. p. 38)
Rousseau pregava que a criança deveria receber mais que uma simples
instrução. Deveria ser ofertado a ela valores e códigos de conduta através do
exemplo, de palavras e práticas. Segundo ele a natureza fez as crianças para serem
amadas e socorridas, mas também questiona se a fez para serem obedecidas e
temidas. Por meio dessa fala notamos que Rousseau era absolutamente contrário a
aqueles adultos que satisfazem todas as vontades das crianças.
Tal postura teórica recorreria inclusive à dimensão política, explicitando a dificuldade posterior quanto a possibilidade de convívio comum e civilizado entre os seres que, durante e infância, não aprenderam a resistir a qualquer frustração, acostumados a, através de outros, realizarem todos os seus desejos, suas pequeninas e grandes vontades. (BOTTO, 2002, p. 48)
Segundo Rousseau (1973, p.72) “[...] Acostumadas a verem tudo dobrar-se
diante de sua vontade, que surpresa não terão ao entrarem na sociedade e sentirem
que tudo lhes resiste, e se acharem esmagadas pelo peso de um universo que
pensam movimentar à vontade!”
A concepção romântica de infância, que surgiu pela primeira vez durante o
final do século XVIII e início do século XIX, trouxe uma mudança sutil na noção
rousseauniana de inocência nessa etapa da vida. Rousseau não previa que as
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crianças se tornassem virtuosas durante os primeiros 12 anos de suas vidas,
simplesmente que uma “educação negativa” as protegeria do vício.
Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos desprovidos de tudo, temos necessidade de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos adultos, é-nos dado pela educação. Essa educação nos vem da natureza, ou dos homens, ou das coisas. O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens; e o ganho de nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas. (ROUSSEAU, 1973, p. 10-11)
Os românticos, ao contrário, acreditavam que as crianças possuíam profunda
sabedoria, sensibilidade estética mais apurada e uma consciência mais profunda
das verdades morais duradouras.
A visão iluminista da infância como um tempo para a educação –
particularmente, a educação dos meninos – gerou a noção de infância como domínio
perdido, mas não obstante, fundamental para a criação do self adulto.
O resultado foi uma redefinição do relacionamento entre adultos e crianças: agora, era a criança que podia educar o educador. Broson Alcott (1799-188) inovador educacional e pai da escritora Louisa May, proclamou, após passar tempo com suas filhas: “a infância me salvara ” (HEYWOOD, 2004, p. 39)
Os românticos alemães produziram igualmente uma visão que enaltecia a
criança. Jean-Paul Richter sugeriu, em seu Levana (1807), um tratado sobre
educação, que as crianças eram “mensageiros do paraíso”, e que “uma única
criança na Terra nos parecia uma criatura estranha, angelical, sobrenatural”
A visão romântica da infância estava longe de ser predominante. Em primeiro
lugar, a tradição mais antiga de manchar as crianças com o pecado original custou a
desaparecer, recebendo até mesmo um estímulo na Inglaterra a partir do final do
século XVIII, com o surgimento do movimento Evangélico.
[...] Além disso, a ênfase na inocência da infância tinha pouca relevância para as vidas da maioria dos jovens, que ainda estavam sendo inseridos no mundo dos adultos muito cedo. As novas idéias tinham mais ressonância nos círculos da classe media, onde o
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interesse na domesticidade e na educação era particularmente desenvolvido. (HEYWOOD, 2004, p. 42)
A criança dita pela razão moderna foi desmistificada. Foi secularizada e
institucionalizada. Os teóricos da educação passaram a falar dela. Ao separar a
criança do universo adulto, a modernidade cria a infância como uma mônada –
unidade substancial ativa a individual; presente, no limite, em todos os seres infantis
da espécie humana: sempre a mesma; sempre igual, inquebrantável, inamovível,
irredutível – um mínimo denominador comum. Não se fala das crianças, e sim da
infância.
Os moralistas do século XVIII, preocupados com a disciplina e a racionalidade
dos costumes, recusavam-se considerar as crianças como brinquedos encantados,
pois as enxergavam como frágeis criaturas de Deus, necessitadas de preservação e
disciplina. Com o tempo a família passou a adquirir esse sentimento, e, além desses
dois elementos antigos, apropriou-se de um novo elemento: a preocupação com a
higiene e a saúde física.
Havia uma grande preocupação com a saúde a até mesmo sua higiene. Tudo o que se referia às crianças e à família tornara-se um assunto sério e digno de atenção. Não apenas o futuro da criança, mas também sua simples presença e existência eram dignas de preocupação – a criança havia assumido um lugar central dentro da família. (ARIÈS, 2006, p. 105)
Contudo, não significa dizer que os moralistas e os educadores do século
XVII desconsideravam os cuidados com o corpo. Os doentes eram tratados com
dedicação, porém segundo Ariès (2006, p. 105), não havia interesse pelo corpo dos
que gozavam de boa saúde, a não ser com um objetivo moral: um corpo mal
enrijecido inclinava à moleza, à preguiça, à concupiscência, a todos os vícios.
No Brasil, na segunda metade do século XVIII, o marquês de Pombal instalou
o ensino público, porém, deficiente. Notamos então, que já no início da colonização
as escolas jesuíticas eram poucas e para poucos. Apenas uma pequena parte das
crianças freqüentava as escolas. Enquanto professores particulares ensinavam os
filhos da elite, os filhos dos pobres aprendiam a ser um cidadão útil e produtivo para
a sociedade e a família. Os pais acreditavam que as crianças necessitavam
trabalhar desde cedo para complementar a renda familiar, que, não dava conta de
sanar suas necessidades. Assim, a educação escolar, para essas pessoas, não tem
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tanta importância como o trabalho. Pois estando na escola deixam de colaborar com
o aumento da renda familiar.
No final do século XIX, o trabalho infantil continua sendo visto pelas camadas subalternas como “a melhor escola”. “O trabalho (explica uma mãe pobre) é uma distração para a criança. Se não estiver trabalhando, vão inventar moda, fazer o que não presta. A criança deve trabalhar cedo”. E pior, afogados hoje pelo trabalho. [...] O trabalho, como forma de complementação salarial para famílias pobres ou miseráveis, sempre foi priorizado em detrimento da formação escolar. (DEL PRIORE, 2004, p. 10-11)
O trabalho infantil, existente desde a época da escravidão, no qual crianças
desde muito pequenos eram separados de suas mães e vendidos aos senhores
para servirem até mesmo de motivo de distração. Segundo Del Priori (2004, p. 12)
“[...] A partir dos quatro anos, muitas delas já trabalhavam com os pais ou sozinhas,
pois perder-se de seus genitores era coisa comum.” Assim, ainda segundo a autora,
a partir dos 12 anos seu valor dobrava pois eram considerados aptos para qualquer
trabalho e “[...] nas listas dos inventários já apareciam com sua designação
estabelecida: Chico “roça”, João “pastor”, Ana “mucama”, transformados em
pequenas e precoces máquinas de trabalho”.
[...] A ação de fatores econômicos a interferir na situação da criança e a ausência de uma política de Estado voltada para a formação escolar da criança pobre e desvalida só acentuou seu miserabilismo. Ora, ao longo de todo esse período, a República seguiu empurrando a criança para fora da escola na direção do trabalho na lavoura, alegando que ela era “o melhor imigrante”. (DEL PRIORE, 2004, p. 13)
Com o fim do escravismo, os jovens, frutos da escravidão vieram para São
Paulo, que estava em crescimento urbano. Como moradores das ruas, passaram a
ser chamados de “vagabundos” e, segundo Del Priori (2004) “[...] recrutados pelos
portos de Portugal, para trabalhar como intermediários entre jesuítas e as crianças
indígenas ou como grumetes nas embarcações que cruzavam o Atlântico.
No século XVIII, terminada a euforia da mineração, crianças vindas de lares mantidos por mulheres livres e forras, perambulavam pelas ruas vivendo de expedientes muitas vezes escusos, - os nossos atuais “bicos” – e de esmolas. As primeiras estatísticas criminais elaboradas em 1990 já revelam que esses filhos da rua, chamados
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“pivettes”, eram responsáveis por furtos, “gatunagem”, vadiagem e ferimentos, tendo malícia e na esperteza as principais armas de sua sobrevivência. Hoje, quando interrogamos pelo serviço social do Estado, dizem com suas palavras o que já sabemos desde o início do século: a rua é um meio de vida! (DEL PRIORE, 2004, p. 13)
A vinda dos imigrantes para o Brasil aumentou a industrialização do final do
século XVIII e incluiu a criança no trabalho fabril. Novamente a miséria e a falta de
interesse do Estado em oferecer educação às crianças, levaram esses pequenos
inocentes a ficar horas em frente as maquinas de tecelagem, com poucos minutos
de descanso. Tornando-se mera substituição mais barata do trabalho escravo.
No Brasil, foi entre pais, mestres, senhores e patrões, que pequenos corpos tanto dobraram-se à violência, às humilhações, à força, quanto foram amparados pela ternura dos sentimentos familiares mais afetuosos. Instituições como as escolas, a Igreja, os asilos e as posteriores Febens e Funabens, a legislação ou o próprio sistema econômico, fizeram com que milhares de crianças se transformassem precocemente em dente grande (DEL PRIORE, 2004, p. 14)
A correspondência que de Lisboa ou mesmo da Bahia e Rio de Janeiro, partiu
para a região das minas no século XVIII, pouco relatava da vida cotidiana e não
comentava da vida dos escravos e dos pobres, menos ainda das crianças, tanto os
filhos de pessoas importantes, como e principalmente das crianças negras. A eles
interessavam apenas os assuntos políticos e econômicos.
As autoridades locais, quando escreviam para o centro do poder do momento, não estavam interessadas em modos de viver, só se preocupavam com a situação dos “povos” quando havia perigo de revoltas e outros problemas, sem se interessarem pela população infantil. (SCARANO, 2004, p. 107)
Na documentação oficial, quando a criança é mencionada, aparece de forma
marginal. Os assuntos referentes a elas são o físico, os problemas e tudo aquilo que
parecia afetar diretamente os governantes.
Contudo, essa falta de informação nos documentos oficiais não significa que a
criança era desvalorizada. Ela era amada pela família, participava dos
acontecimentos e das festas.
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[...] Naquelas regiões, muito mais crianças tomavam parte na vida local e se misturavam nas brincadeiras e nos jogos, participando da vida das casas grandes e exercendo eventualmente um pequeno trabalho no âmbito familiar. Sua presença se fazia sentir mais intensamente. (SCARANO, 2004, p. 110)
As crianças não viviam separadas das pessoas, antes perambulavam pelas
ruas. Esse espaço coletivo fazia parte do mundo das crianças mineiras e de outros
lugares. As crianças que viviam nas senzalas andavam por todos os lugares
inclusive, as casas de seus donos, principalmente quando suas mães ali
trabalhavam.
[...] As pequenas crianças negras eram consideradas graciosas e serviam de distração para as mulheres brancas que viviam reclusas, em uma vida monótona. Eram como que brinquedos, elas as agradavam, riam de suas cambalhotas e brincadeiras, lhes davam doces e biscoitos, deixavam que enquanto pequenos, participassem da vida de seus filhos. (SCARANO, 2004, p. 111)
Nesse fragmento notamos que a criança escrava era vista apenas como um
objeto que trazia alegria e distração, reforçando a idéia de que as crianças negras
pouco eram valorizadas. Tanto que, assim como vimos anteriormente, muito pouco,
ou praticamente nada, é relatado sobre elas nos documentos da época.
Mesmo fazendo parte do cotidiano dos adultos, que as amavam e as viam
como (indevidamente) uma fonte de distração, sua morte não era vista como uma
tragédia. O sentimento da época era que outras crianças nasceriam e substituiriam
as que se foram. Não eram consideradas seres que faziam falta para a sociedade.
Com o tráfico negreiro, veio para o Brasil, apesar de não ser o interesse,
várias crianças. A maioria com estado de saúde muito grave. Algumas vieram por
acaso juntamente com os pais, outras, um pouco mais velhas vieram para serem
vendidas separadas, pois serviam para fazer alguns afazeres pequenos nas casas.
Assim, a maioria das crianças eram nascidas aqui no Brasil, eram as chamadas
crioulos.
As crianças que chegavam em navios negreiros pareciam esqueletos, cheias de sarna, problemas de pele e outras moléstias e ficavam sujeitas a tratamentos horríveis para poder enfrentar e bem impressionar seus companheiros. Não eram consideradas um bom investimento para o futuro, o presente era o que importava e os
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pequenos apareciam apensa como mais uma boca a ser alimentada. (SCARANO, 2004, p. 114)
Os donos dos escravos preferiam as crianças nascidas aqui, pois haveria no
lugar uma ama-de-leite para alimentar seus filhos. Ela era importante e o aleitamento
era muito valioso, porém não estavam interessados na sobrevivência do filho da
escrava. Tanto a Igreja como os conceitos médicos vigentes sustentavam essa idéia.
Julita Scarano (2004) relata que,
[...] as mulheres escravas que davam à luz, eram empregadas como fornecedoras de alimento para crianças de outras categorias. [...] Chegavam a ser mesmo alugadas por bom preço para esta finalidade. Isso devidamente prejudicava seus próprios filhos que muitas vezes sofriam grandemente com a escassez do leite materno. (SCARANO, 2004, p. 114)
No fim do período setecentista, com a decadência da mineração, muitos
colonos acharam melhor libertar do que sustentar um escravo. Velhos, adultos, além
de crianças, foram alforriados, passando a buscar seu próprio sustento. Assim,
passaram a viver na miséria, pois não possuíam condições de se sustentarem.
Algumas crianças participavam da vida do trabalho como músicos e atores,
auxiliares de construção, pintores e arquitetos, que geralmente, aprendiam quando
eram muito pequeninos. A maioria era escrava dos próprios artesãos ou de outros
proprietários e também participavam dessas funções e desse aprendizado informal.
Muitos cresceram nesse meio e puderam se tornar artistas de valor. Outras exerciam
pequenas funções domésticas, como a de levar recados.
Em relação à criança livre no Brasil entre a colônia e o império há registros de
que ela nascia entre mitos e crendices. A mãe passava por vários rituais, utilizava
vários materiais para que o parto ocorresse bem e a criança viesse ao mundo com
saúde. Assim, durante os primeiros anos de vida ainda um mundo ritualístico fazia
parte da vida da criança.
Preces endereçadas a são Mamede, são Francisco e santa Margarida eram murmuradas, baixinho, a fim de afugentar qualquer perigo que pusesse em risco a vida do nascituro. Mastigar cebola ou atar na coxa direita o fígado cru de galinha recém-abatida, eram gestos recomendados para combater a dor do parto. Os gritos de “puxa, fulana, puxa”, acompanhados de vigorosa massagem abdominal, incentivava a expulsão. A criança vinha ao mundo entre preces, gritos de dor e júbilo. [...] Os primeiros cuidados com o
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recém-nascido eram ancilares. Seu corpinho molengo era banhado em líquidos espirituosos, como vinho ou cachaça, limpo com manteiga e outras substancias oleaginosas e firmemente enfaixado. A cabeça era modelada e o umbigo recebia óleo de rícino misturado à pimenta com fins de cicatrização. (DEL PRIORI, 2004, p. 86)
Aos poucos os manuais de medicina ensinavam as mães a cuidar de seus
filhos. Envolvê-los em “mantilhas suaves e folgadas” no lugar de apertá-las em
faixas; substituir as limpezas com óleo por água e sabão. Era controlado também o
cardápio da pequena infância. O leite era o mais recomendável, por ser mais
saudável e importante remédio contra doenças.
Contudo, além do leite era comum acrescentar ao cardápio das crianças
“alimentos engrossados com farinha”, mesmo quando muito pequenos ainda, pois as
mães temiam que seus filhos viessem a óbito por fraqueza ou por estar desprotegido
contra as doenças. Contudo, a medicina abominava esse costume, alegando que,
ao contrário do que acreditavam, a papinha faria mal às crianças.
[...] As crianças eram cevadas desde cedo com toda a sorte de papinhas, por uma única razão: as mães queriam fortificar logo seus pequenos, evitando o risco de perdê-los nos primeiros meses. A preferência pela superalimentação, aliás, revanche simbólica sobre a malnutrição crônica, explica o recurso às papas nos meios populares e no seio da medicina tradicional, contrariando a tradição da medicina ibérica que associada alimentos grosseiros ao desenvolvimento de crianças pouco inteligentes e a fineza de espírito das crianças de elite, à ingestão de pratos delicados. (DEL PRIORI, 2004, p. 88)
As mães também se preocupavam muito em resguardar suas crianças
pequenas contra o assédio das bruxas. Temiam perder seus filhos, por doenças ou
feitiços realizados com excrementos das crianças, assim, seguiam a risca vários
conselhos. Segundo Del Priori (2004, p. 91), [...] Para combater quebrantos e
bruxedos, a criança era benzida, em jejum, durante três dias com raminhos de
arruda, guiné ou jurumeira.
Porém, não eram as bruxas as responsáveis pela mortalidade infantil. Nos
primeiros tempos, ainda habituados aos costumes lusos, se agasalhavam demais,
não tomavam banhos ao ar livre, utilizaram remédios ineficientes contra as doenças.
Tais fatores colaboravam para o elevado numero de mortes infantis.
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José Maria Teixeira em 1887 com o estudo “Causas da mortalidade das crianças do Rio de Janeiro”, na sessão da Academia de Medicina de 18 de junho de 1846 levantou várias hipóteses. [...] As mesmas, aliás, que perseguiam os manuais de medicina do século XVIII: o abuso de comidas fortes, o vestuário impróprio, o aleitamento mercenário com amas de leite atingidas por sífilis, boubas e escrófulas, a falta de tratamento médico quando das moléstias, os vermes, a “umidade das casas”, o mau tratamento do cordão umbilical, ente outras coisas que estão presentes até hoje. (DEL PRIORI, 2004, p. 92)
Os acalantos, de canto e melodia simples que eram entoados pelas mães
enquanto faziam seus filhos dormirem vieram de Portugal. Mas, segundo Del Priori,
[...] nossos índios tinham também acalantos de extrema doçura, como um, de origem
tupi, no qual se pede emprestado ao Acutipuru, o sono ausente ao curumim.
[...] as “mães negras”, amas-de-leite, contavam por sua vez, aos pequenos tinhosos e chorões, histórias de negros velhos, papa-figos, boitatá e cabras-cabriolas. A cultura africana fecundou o imaginário infantil com assombrações como o mão-de-cabelo, o quibungo, o xibamba, criaturas que, segundo Gilberto Freyre, rondavam casas grandes e sensalas aterrorizando os meninos malcriados. (DEL PRIORI, 2004, p. 93-94)
A criança, assim como recebia os cuidados materiais também recebia os
espirituais. Depois de poucos dias de nascida, segundo a Igreja, teria que ser
batizada, pois se morresse iria direto para o céu.
O batismo consistia não somente num rito de purificação e de promessa de
fidelidade ao credo católico, mas uma forma de dar solenidade à entrada da criança
nas estruturas familiares e sociais.
As pequenas crianças escravas ou forras também recebiam mimos de suas
senhoras, porém assim como relara Del Priori (2004, p. 96) “[...] Brincava-se com
crianças pequenas como se brincava com animaizinhos de estimação”
Já no século XIX, no Ocidente, a maioria das crianças era estimulada a
começar a se sustentar muito cedo. O momento informal da virada era aos sete
anos, época em que geralmente os filhos dos camponeses e artesãos começassem
a ajudar os pais com pequenas tarefas na casa, na fazenda ou no ateliê. No início
da adolescência, eles provavelmente estariam trabalhando ao lado dos adultos ou
haviam se estabelecido no aprendizado de um ofício. Poderiam muito bem ter saído
de casa nessa etapa, para se tornarem algum tipo de empregado ou aprendiz. Isso
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não significa dizer que fossem tratados como adultos em miniatura, mas esperava-
se que crescesse rápido.
[...] Os puritanos da América colonial também esperavam muito das crianças. Temendo que pudessem morrer a qualquer momento, ensinavam-nas a ler o mais cedo possível, para que pudessem ler a Bíblia. (HEYWOOD, 2004, p. 54)
Vários avanços científicos durante o final do século XIX e início do século XX
geraram uma reação formidável, os cientistas negaram que a criança viesse ao
mundo como uma folha em branco e começaram a questionar o que havia em seus
genes.
[...] psicólogos norte-americano por meio de estudos concluíram que todas as crianças poderiam se classificadas em uma única escala, por meio de um teste de QI, educadas segundo aquilo que herdassem e, mais tarde direcionadas a trabalhos adequados à sua biologia. Esses pioneiros norte-americanos supunham ainda que houvesse diferenças significativas na inteligência geral entre as várias raças. (HEYWOOD, 2004, p. 53)
Na Inglaterra, Cyril Burt pensava segundo os mesmos parâmetros, embora
sua preocupação estivesse concentrada nas supostas diferenças de inteligência
media entre classes sociais, ao invés de raças.
Ao descobrir que os meninos oriundos de famílias de classe alta em Oxford tinham um desempenho melhor em seus exames do que aqueles com uma origem de classe baixa e média, ele concluiu, em 1909, que a inteligência dos pais pode ser herdada. Em um momento posterior de sua carreira, argumentou que uma educação mais elaborada seria desperdiçada na maioria da população, já que esse grupo jamais poderia desenvolver muito em termos de inteligência. Sua principal prioridade era identificar e estimular no sistema educacional aquele “pequeno punhado de indivíduos que são dotados pela natureza de dons superiores em termos de capacidade e caráter” (HEYWOOD, 2004, p. 53-54)
Segundo Stearns (2006) mesmo havendo uma mudança na concepção da
infância moderna, em que a criança passa a ser o centro da família e a escola o
universo infantil por excelência de amor e cuidados, com a revolução industrial as
crianças, em grande quantidade, trabalham nos teares e nas minas de carvão.
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[...] em pleno século XXI ainda não estamos livres do turismo sexual, dos fornos de carvão e dos trabalhos forçados que frequentemente são manchetes presentes na mídia, e infelizmente, a realidade do cotidiano de milhares de crianças no mundo todo. (KOBAYASHI, 2008, p. 15)
No Brasil, século XIX, meninos e meninas eram tratados de forma diferente,
tanto em relação à educação como à instrução, Os meninos, segundo Mauad (2004,
p. 155) “eram educados para o desenvolvimento de uma postura viril e poderosa,
aliada a uma instrução, civil ou militar, levando-os adquirir conhecimentos amplos e
variados, favorecendo o desenvolvimento pleno da capacidade intelectual”.
Já a educação das meninas, ainda segundo Mauad (2004, p. 155), “ao
mesmo tempo em que restringiam-nas no universo doméstico, incentivando-lhes a
maternidade e estabelecendo o lar como seu domínio, as habilitava para a vida
mundana, fornecendo-lhes elementos para brilhar na sociedade”.
Caberia à famílias, educar e a escola instruir, garantindo a manutenção e
reprodução dos ideais propostos pelo mundo adulto. Assim, a criança era uma
potencialidade, que deveria ser responsavelmente desenvolvida.
No século XIX, a criança passa a ser considerada, tanto pela perenização da
linhagem quanto pelo reconhecimento de uma certa especialidade dessa etapa da
vida. Por tudo isso ela inspira carinho e cuidados. Desde o momento em que a
mulher se descobre grávida até os sete anos, quando se considera que a criança
superou as crises das diferentes doenças, ditas “da infância”, tudo é incerteza e
expectativa. (p. 156)
No período do final do século XIX e início do XX surgiram vários estudiosos
para a construção da infância contemporânea. Viviana Zelizer afirmou que, entre as
décadas de 1870 e 1930, surgia na América a criança economicamente “sem valor”,
mas emocionalmente “inestimável”. Em meados do século XIX, ela sugere, que a
noção de uma criança economicamente sem valor já havia sido adotada pelas
classes médias urbanas.
Contudo as famílias de classe trabalhadora continuam a contar com os
salários de seus filhos até a legislação sobre trabalho infantil e a educação
compulsória “acabassem com a defasagem de classe”.
Para estimularem a retirada das crianças dos locais de trabalho, os reformadores norte-americanos promoveram uma “sacralização” da
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infância. [...] A conseqüência foi um aumento muito grande no valor sentimental das crianças, tanto nos círculos de classe trabalhadora quanto de classe média. (HEYWWOD, 2004, p. 42)
Apesar da história cultural da infância possuir grandes marcos, ela também se
move por linhas sinuosas com o passar dos séculos. A criança poderia ser
considerada impura no início do século XX tanto quanto na Alta Idade Média.
Dessa forma, por um lado a mudança de longo prazo rumo a uma sociedade urbana pluralista favoreceu o surgimento gradual de uma versão prolongada de infância e adolescência. As classes médias, seja na Itália do século XII ou na Inglaterra da Revolução Industrial, aceitaram a necessidade de uma educação ampla e determinada segregação dos jovens em relação ao mundo dos adultos. (HEYWOOD, 2004, p. 45)
Por outro lado, influências culturais como o Cristianismo e o Iluminismo
geraram séries de debates que assumiram uma forma cíclica, em vez de linear.
As crianças vinham ao mundo inocentes ou traziam em si a mancha do pecado original? Eram elas como folhas brancas no momento do nascimento ou traziam consigo uma série de características inata? Deviam experimentar uma infância “curta” ou “longa”? Em outras palavras deviam ser protegidas em suas famílias ou lançadas ao mundo dos adultos? E, em um aspecto um tanto diferenciado, o principal foco se localizava nas relações de idade ou de gênero; em crianças ou em meninas e meninos? Podem-se identificar prontamente as posturas extremistas com relação a períodos da história. Ainda assim, muitos estudiosos têm opiniões localizadas em algum ponto intermediário. É fácil oscilar entre considerar as crianças como anjinhos e como pequenos demônios, ou entre sentir-se obrigado a proteger uma criança e temer ser consumido por ela. (HEYWOOD, 2004, p. 49)
Estamos no séc
...