UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM AO PROBLEMA DE FLÁVIO JOSEFO APLICADA AO ENSINO MÉDIO
Artigo: UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM AO PROBLEMA DE FLÁVIO JOSEFO APLICADA AO ENSINO MÉDIO. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 27/9/2013 • 8.418 Palavras (34 Páginas) • 1.116 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA
MESTRADO PROFISSIONAL EM MATEMÁTICA EM REDE
NACIONAL - PROFMAT
UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM AO PROBLEMA
DE FLÁVIO JOSEFO APLICADA AO ENSINO MÉDIO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Márcia Erondina Dias de Souza
SANTA MARIA, RS, BRASIL
2013
UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM AO PROBLEMA DE
FLÁVIO JOSEFO APLICADA AO ENSINO MÉDIO
Márcia Erondina Dias de Souza
Dissertação apresentada ao curso de
Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional – PROFMAT,
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito
parcial para obtenção do grau de
Mestre em Matemática
Orientadora: Prof.ª Drª Luciane Gobbi Tonet
SANTA MARIA, RS, BRASIL
2013
Ficha catalográfica elaborada através do Programa de Geração Automática
da Biblioteca Central da UFSM, com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Dias de Souza, Márcia Erondina
Uma proposta de abordagem ao problema de Flávio
Josefo aplicada ao Ensino Médio / Márcia Erondina Dias
de Souza.-2013.
61 p.; 30cm
Orientadora: Luciane Gobbi Tonet
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa
Maria, Centro de Ciências Naturais e Exatas, Programa de
Pós-Graduação em Matemática, RS, 2013
1. Problema de Flávio Josefo 2. Relações de
recorrência 3. Indução Matemática I. Gobbi Tonet, Luciane
II. Título.
4
Dedico ao meu amor,
José Otávio Silveira da Silva,
pelo companheirismo e carinho.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus e ao meu Mestre, por todo amparo e proteção durante a
minha vida.
À Universidade Federal de Santa Maria e à Sociedade Brasileira de
Matemática, pela oportunidade de realização deste curso.
Aos professores pelos ensinamentos e por contribuírem para a minha
formação profissional. Em especial à Professora Carmen Mathias, pela sua
incansável dedicação ao curso.
À professora Luciane Gobbi Tonet, minha orientadora, pelo empenho,
dedicação na elaboração deste trabalho e pelas constantes palavras de incentivo.
A todos os colegas de curso, pela amizade e companheirismo nestes dois
anos de curso, em especial as colegas e amigas Ana Luiza Kessler e Renata
Magarinus.
À equipe diretiva e alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Professora
Margot Terezinha Noal Giacomazzi, pela oportunidade que me deram de aprender
com todos vocês. E ao Professor Marcos Roberto Fonseca por organizar o grupo de
alunos para a realização da prática pedagógica tornar uma realidade.
À Escola Municipal de Ensino Fundamental Deputado Victor Issler, pela
parceria e incentivo para a conclusão deste curso.
Aos amigos que compreenderam as minhas ausências e por todo o carinho
demonstrado, em especial a minha amiga Jamile Forneck.
Aos meus irmãos Cecília, Lúcia, Letícia, João e Paulo, aos meus afilhados
Ana Júlia e Júlio César e ao Rodrigo por tornarem os meus dias mais felizes. Torço
pelo sucesso de todos vocês.
Aos meus professores da vida, meus pais, Jomar e Cândida, por terem
ensinado a importância dos estudos, e o verdadeiro significado da vida mas, acima
de tudo, por respeitarem as minhas escolhas.
E ao meu amor, Otávio, grande incentivador deste trabalho, pelo
companheirismo, apoio e por toda compreensão a mim dispensada.
6
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Departamento de Matemática
Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional - PROFMAT
Universidade Federal de Santa Maria
UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM AO PROBLEMA
DE FLÁVIO JOSEFO APLICADA AO ENSINO MÉDIO
Autora: Márcia Erondina Dias de Souza
Orientadora: Drª Luciane Gobbi Tonet
Santa Maria, 15 de abril de 2013.
Neste trabalho, apresentamos uma sequência didática de atividades
elaboradas para um grupo de alunos do ensino médio, na faixa etária de 15 a 18
anos, tendo como principal objetivo estudar o problema proposto pelo matemático
Flávio Josefo, nos meados do ano 64. Conta a lenda que um grupo de rebeldes,
dentre eles Flávio Josefo, foi encurralado numa caverna pelo exército inimigo.
Preferindo o suicídio à captura, os rebeldes decidiram formar um círculo e, contando
ao longo deste, matar cada terceira pessoa restante do grupo. Josefo era contrário a
este pacto suicida e, por isso, juntamente com um amigo, calculou muito
rapidamente as posições adequadas que ambos deveriam tomar nesse círculo de
modo a saírem ilesos desta terrível situação. Para o entendimento desta solução
propomos, inicialmente, uma revisão sobre sequências numéricas, incluindo os
casos especiais de progressão aritmética e geométrica. Em seguida, introduzimos
algumas noções a respeito de relações de recorrência e do Princípio da Indução
Matemática, permitindo uma generalização dos conceitos e resultados já conhecidos
intuitivamente pelo grupo de alunos.
Palavras – chave: Problema de Flávio Josefo. Relações de Recorrência.
Princípio de Indução Matemática.
7
ABSTRACT
Dissertação de Mestrado
Departamento de Matemática
Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional - PROFMAT
Universidade Federal de Santa Maria
AN APPROACH PROPOSAL OF FLAVIO JOSE`S
PROBLEM APPLIED TO HIGH SCHOOL
Authoress: Márcia Erondina Dias de Souza
Leader: Drª Luciane Gobbi Tonet
Santa Maria, April 15, 2013.
In this paper, we presents a didactic sequence of activities designed for a
group of students of high school, their age were about 15 and 18 years old, with the
main objective to study the problem proposed by the mathematician Flávio Josefo, in
mid-year 64. The legend tells that a group of rebels, including Flávio Josefo, was
trapped in a cave by the enemy army. Preferring the suicide to capture, the rebels
decided to form a circle and, counting over this, to kill each third person of the rest of
the group. Josefo was contrary of this suicide pact therefore, together with a friend,
calculated very quickly the appropriated positions that both should take in this circle
in order to get out of this terrible situation. To understand this solution, we propose, at
the first moment, a review about the numerical sequences, including the special
cases of arithmetic and geometric. Then, we introduce some notions about the de
recurrence relations and the Principle of Mathematical Induction, allowing a
generalization of concepts and results already known intuitively by the student group.
Key words: Josefo’s Problem. Recurrence relations. Principle of Mathematical
Induction.
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Resolução do problema I …............................................................... 21
Tabela 2 – Resolução do problema II ….............................................................. 21
Tabela 3 – Temperaturas máximas em Canoas …............................................... 24
Tabela 4 – Solução do problema de Flávio Josefo para valores pequenos …..... 42
Tabela 5 – Solução do problema de Josefo em blocos ….................................... 43
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Ilustração do caso n=3 …................................................................ 18
Figura 2 – Ilustração do caso n=4 …............................................................... 19
Figura 3 – Disposição dos soldados em fila…....................................................... 20
Figura 4 - Esquema para o problema das bactérias ............................................ 28
Figura 5 – Regiões no plano I …........................................................................... 40
Figura 6 – Regiões no plano II ….......................................................................... 40
10
LISTA DE ANEXOS
Anexo A – Primeiro encontro…....................................................................... 50
Anexo B – Segundo encontro …..................................................................... 51
Anexo C – Terceiro e quarto encontros …...................................................... 54
Anexo D – Quinto encontro …..................................................................….... 57
Anexo E – Sexto encontro …............................................................................ 58
Anexo F – Sétimo encontro …......................................................................... 59
Anexo G – Oitavo encontro …......................................................................... 60
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO …............................................................................. 12
2 O PROBLEMA DE FLÁVIO JOSEFO .............................................14
2.1 Contextualização histórica ….....................................................14
2.2 Entendendo o problema de Flávio Josefo …............................ 16
3 ABORDAGEM TEÓRICA …............................................................ 22
3.1 Segundo encontro ….................................................................. 23
3.1.1 Sequências …............................................................................ 24
3.1.2 Progressão Aritmética …............................................................ 25
3.2 Terceiro e quarto encontros …...................................................26
3.2.1 Progressão Geométrica …......................................................... 27
3.3 Quinto e sexto encontros …....................................................... 32
3.3.1 Relação de recorrência ….......................................................... 33
3.4 Sétimo e oitavo encontros …..................................................... 35
3.4.1 Indução Matemática …............................................................... 36
4 RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DE FLÁVIO JOSEFO …...............42
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ….........................................................47
REFERÊNCIAS ….............................................................................. 48
ANEXOS ............................................................................................ 49
12
1. INTRODUÇÃO
Neste trabalho de pesquisa elaboramos, aplicamos e analisamos uma
abordagem de conteúdos com alunos do segundo ano do Ensino Médio, dentre os
quais ousamos apresentar assuntos complexos como Relações de Recorrências e o
Princípio de Indução Matemática. Estes, por se tratarem de conteúdos matemáticos
abstratos e de difícil compreensão para os alunos, nos exigiu maior atenção e
cuidados em sua abordagem.
Para amenizar este problema, utilizamos o problema proposto por Flávio
Josefo como o enfoque motivador para elaborar a proposta didática
“Conta a lenda que Flávio Josefo, estava encurralado pelos romanos em
uma caverna, juntamente com 11 rebeldes judeus, durante uma guerra entre
judeus e romanos. O grupo de rebeldes, preferindo o suicídio à captura,
decidiu formar o círculo e, contando ao longo deste, matar cada terceira
pessoa restante até não sobrar ninguém. Contudo Josefo, junto com um
amigo, não queria participar do pacto suicida, e calculou rapidamente onde
ele o amigo deveriam ficar nesse círculo.” (Jesus, 2006, p.7)
Realizamos a prática pedagógica na Escola Estadual de Ensino Médio
Professora Margot Terezinha Noal Giacomazzi, situada em uma zona periférica no
município de Canoas, RS, com dez alunos com idades entre 15 a 18 anos. A escola
possui recursos de multimídia, salas de aulas amplas e conta com uma equipe
pedagógica completa e 57 professores.
A sequência didática desenvolvida com os alunos foi composta por nove
encontros, no primeiro apresentamos o problema a ser estudado e realizamos
diversas atividades práticas com o intuito de entender melhor o problema. No
capítulo 1, além de relatar as atividades desenvolvidas nesta primeira aula,
apresentamos brevemente a história de Flávio Josefo e algumas variações do
problema.
Do segundo ao oitavo encontro realizamos a abordagem teórica, ou seja,
13
estudamos os conteúdos necessários para a resolução do problema de Flávio
Josefo. Descrevemos detalhadamente cada encontro no capítulo 2 e, nos anexos,
disponibilizamos todo o material apresentado aos alunos. No segundo encontro
estudamos sequências e progressão aritmética. Nas duas aulas seguintes
abordamos progressão geométrica, com o objetivo de abordar a soma dos termos
de uma PG. Como os alunos dominavam o assunto, aproveitamos para demonstrar
as fórmulas que eles assumiam como verdade.
Já no quinto e no sexto encontro estudamos Relações de recorrência, para
abordar esse assunto utilizamos uma vídeo aula do professor Morgado1, com
explicação e exemplos de como resolver uma relação de recorrência. E para
encerrar a abordagem de conteúdos estudamos Indução Infinita, apresentamos um
exemplo lúdico e utilizamos como exemplo as fórmulas da soma dos termos de uma
PA e dos termos de uma PG. Os assuntos dos quatro últimos encontros é novidade
para os alunos, e pelo fato de serem conteúdos que exigem um grau de abstração
foi necessário muita cautela ao apresentá-los aos alunos.
No capítulo 3, apresentamos a solução do problema do Josefo, juntamente
com uma descrição da vivência dos alunos na nona aula. Finalizamos o trabalho,
com a análise da prática pedagógica, apontando a possibilidade de uma abordagem
no ensino médio que envolva Relações de recorrência e Indução Infinita.
1 Disponível em: http://video.impa.br/index.php?page=janeiro-de-2003
14
2. O PROBLEMA DE FLÁVIO JOSEFO
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Flávio Josefo2 nasceu em Jerusalém, por volta do ano 37 d.C., e viveu até
100 d.C. Sua descendência de família real por parte de mãe e sacerdotal por parte
de pai oportunizou acesso a uma excelente educação enraizada nas culturas judaica
e grega, sendo considerado um dos maiores historiadores judeus de seu tempo. Na
sua grande maioria, suas obras foram escritas em grego e são de extrema
importância para o estudo das relações entre judeus e romanos durante o século I.
Em alguns momentos da história, seus escritos só perderam em popularidade para a
bíblia, pois traziam informações detalhadas da época em que o cristianismo dava
seus primeiros passos como cultura religiosa no mundo.
Desde muito cedo, Flávio Josefo se envolveu em questões religiosas da sua
época, dedicando boa parte de sua vida aos estudos sobre algumas seitas judaicas.
Com o passar do tempo Flávio tornou-se fariseu, participando ativamente de
questões de ordem política com ideais mais próximos do entendimento com Roma, o
que o colocava numa linha não tão extremista aos romanos. Isso acarretou-lhe
muitos embates com os zelotas3, grupo este que detinha maior poder de mobilização
junto aos líderes judeus. Desta forma, deu-se inicio a vários conflitos que, mais
tarde, trariam muitas consequências trágicas, dentre elas a própria destruição da
cidade de Jerusalém.
2 Em latim, ele era conhecido como Flavius Josephus. Após ser reconhecido como cidadão romano,
passou a ser chamado de Tito Flávio Josefo. Originalmente, seu nome judaico era Yosef ben
Matityahu, que significa José, filho de Matias.
3 Seita estabelecida por Judas que liderou uma revolta contra o domínio romano no ano 6 d.C., ao
rejeitar o pagamento de tributo pelos israelitas a um imperador pagão, sob a alegação de que tal ato
era uma traição contra Deus, o verdadeiro rei de Israel. A seita dos zelotas é referida por Flávio
Josefo como extremista e responsável pela incitação da revolta que conduziu à destruição de
Jerusalém.
15
Neste âmbito, convém ressaltar a participação de Flávio Josefo em uma
grande revolução defendendo militarmente a Judeia, muito embora fosse contrário
ao confronto direto com Roma. Seu notável desempenho lhe rendeu a nomeação de
chefe militar da região da Galileia, mesmo com a oposição ferrenha de alguns
líderes importantes da época. Em decorrência a uma destas batalhas vividas por
Josefo e seu grupo, surgiu um famoso episódio de sua biografia o qual, por não
constar em nenhuma literatura confiável, é considerado por muitos como lenda.
Este episódio retrata os acontecimentos ocorridos numa das batalhas travada
contra os romanos. Nesta ocasião, Josefo e mais quarenta companheiros ficaram
encurralados numa caverna. Muitos não admitiam a possibilidade de rendição por
significar uma grande desonra a seus ideais filosóficos e religiosos. Foi então que
Josefo incitou seus companheiros a um suicídio coletivo, no qual ninguém precisaria
efetivamente se matar. Ele propôs que todos se organizassem em círculo, de modo
que a vida de cada um dos rebeldes seria tirada pelo companheiro ao lado por
esganadura. Usando o seu rápido raciocínio matemático, Josefo se posicionou no
círculo de maneira estratégica para que não morresse. Como resultado, apenas
Josefo, juntamente com um colega, sobreviveram e ambos se entregaram aos
romanos. Obviamente, esse episódio da vida de Josefo fez com que os judeus o
considerassem um grande traidor.
Ao ser aprisionado pelos romanos, Josefo conquista a simpatia do
comandante das tropas romanas da época, chamado Vespasiano, ao prever que ele
seria o próximo imperador de Roma. Nesta época, Josefo tentou novamente
dissuadir seus antigos companheiros de enfrentarem o exército romano.
Fracassando em seu intento, ele assistiu, ao lado dos romanos, a mais uma derrota
humilhante dos judeus e a total destruição da cidade de Jerusalém. Em seguida,
Josefo ganha a proteção do exército romano tornando-se, inclusive, cidadão
romano.
Com o auxílio e assistência dados pelos Flavianos4, Flávio Josefo se torna um
homem muito rico. Ele comprou terras confiscadas na Judeia durante a guerra e
4 A dinastia flaviana ou dinastia dos Flávios, foi a segunda dinastia de imperadores do Império
Romano chegando ao poder com Vespasiano após uma grave crise que se estabeleceu no fim da
dinastia Julio-Claudiana com a morte do imperador Nero.
16
teve toda a tranquilidade para escrever alguns livros até hoje reconhecidos como
importantes fontes de informações históricas da época. Dentre suas principais obras,
citamos quatro livros:
• A Guerra Judaica – escrito em aramaico e, posteriormente em grego,
contendo mais detalhes sobre o cerco e tomada de Jerusalém;
• Antiguidades Judaicas – relato da história do povo judeu até a
derrocada na guerra contra os romanos;
• Contra Ápion – resposta às críticas antissemitas de Ápion, um erudito
grego que disseminava ideias contrárias a visão histórica dos judeus;
• Vida de Flávio Josefo – autobiografia contendo detalhes de sua vida
desconhecidas por outras fontes de informação da época.
2.2 ENTENDENDO O PROBLEMA DE FLÁVIO JOSEFO
Como já mencionamos no início deste capítulo, a sobrevivência de Josefo
dentre os quarenta companheiros originou um curioso problema muito conhecido e
difundido principalmente entre os matemáticos, o qual pode ser enunciado da
seguinte forma5:
“Flávio Josefo estava encurralado pelos romanos em uma caverna,
juntamente com 40 rebeldes judeus, durante uma guerra entre judeus e romanos. O
grupo de rebeldes, preferindo o suicídio à captura, decidiu formar um círculo e,
contando ao longo deste, matar cada terceira pessoa restante até não sobrar
ninguém. Contudo Josefo, junto com um amigo, não queria participar do pacto
suicida, e calculou rapidamente onde ele o amigo deveriam ficar nesse círculo.”
Outras variações deste problema são comuns na literatura, sendo que a
5 Na literatura disponível sobre o assunto, podemos encontrar diversos enunciados para este
problema, todos eles equivalentes matematicamente. Em especial, o que citamos neste trabalho pode
ser encontrado em http://www.calendario.cnt.br/Paginas/Josefo.htm – acesso em 12/02/2013.
17
principal diferença entre elas se encontra basicamente no número de pessoas
encurraladas na caverna. A seguir, apresentamos uma interessante variação deste
problema aplicado à ciência da computação, onde programadores resolvem o dilema
através de algoritmos criados em uma linguagem de programação adequada6:
“Um grupo de soldados está cercado por uma força inimiga esmagadora. Não
há esperança de vitória sem a chegada de reforços. No entanto, existe somente um
cavalo disponível para escapar e buscar reforço, e os soldados precisam entrar num
acordo para determinar qual deles deverá escapar e trazer ajuda. Eles formaram um
círculo e um número N é sorteado num chapéu. Um de seus nomes também é
sorteado, e é pelo nome deste soldado sorteado que eles começam a contar ao
longo do círculo em sentido horário. Quando a contagem alcança o número sorteado
N, esse soldado é retirado do círculo, e a contagem reinicia com o soldado seguinte.
O processo continua de maneira que, toda a vez que N é atingido, outro soldado sai
do círculo. Todo soldado retirado não entra mais no círculo. Irá buscar ajuda o
soldado que sobrar no círculo.”
Não é difícil perceber a equivalência entre os enunciados acima destacados
para o problema de Josefo. Mais geralmente, este problema pode ser enunciado da
seguinte maneira:
“Decide-se eliminar n−1 pessoas de um grupo de n
pessoas da seguinte forma:
(i) as pessoas são colocadas em um círculo com lugares marcados
em ordem crescente no sentido horário, (1, 2, 3, …, n),
(ii) este círculo é percorrido no sentido horário tantas vezes quanto
necessário, começando com a pessoa no lugar 1, e toda segunda pessoa
viva nesta visitação é eliminada até que só uma sobreviva.
Qual a posição que a sobrevivente ocupa?” (Santos, 2007, p.234)
6 Maiores informações acerca desta variação ao problema de Flávio Josefo podem ser acessadas no
site: http://forum.clubedohardware.com.br/problema-josephus/593331?
s=89d541fd50d85d0e414fc79faf9085ba&s=8bef7c5a9083dc6ea8f2a28fd79b44bd& -
acesso em 06/03/2013.
18
Para nossa prática pedagógica, iniciamos o estudo deste problema dispondo
os alunos em um círculo, conforme a situação proposta por Josefo. Analisamos, em
grupo, a posição do soldado sobrevivente para diferentes números de soldados no
círculo. Consideramos o caso m=2 , isto é, cada segunda pessoa a partir do
ponto inicial da contagem deverá sair do círculo, sempre em sentido horário.
Claramente, se tivermos apenas um soldado encurralado, este será o único
sobrevivente.
Consideremos o caso n=2 , no qual o círculo contém os soldados S1 e
S 2 . Começando a contagem por S1 , em sentido horário, podemos perceber
que o soldado S 2 será eliminado do círculo. Neste caso, o sobrevivente será o
próprio soldado S 1 .
Para n=3 , será necessário percorrer o círculo duas vezes. Na primeira
rodada será eliminado o soldado S 2 . Começando novamente a contagem em
S3 , observamos que será eliminado o soldado S 1 . Neste caso, sobreviverá o
soldado S3 . Abaixo, apresentamos uma figura que ilustra a situação exposta
neste caso.
S1 S2
S3
Início da contagem Primeira pessoa a
ser eliminada
Recomeço da contagem e consequente
eliminação do soldado S1
Figura 1: Ilustração do caso n = 3
19
Para n=4 , ao percorrer o círculo pela primeira vez, eliminamos os
soldados S 2 e S 4 , conforme ilustra a figura abaixo. Na segunda rodada,
reiniciamos a contagem no soldado S 1 , com a consequente eliminação do
soldado S3 . Para este caso, temos que S 1 será o soldado sobrevivente.
Repetimos este procedimento para os casos em que o círculo contém cinco e
seis soldados, nos quais sobrevivem S 1 e S 5 , respectivamente. Neste
momento, constatamos que, para m=2 , na primeira rodada serão eliminados os
soldados nas posições pares, denotados por S 2k , o que nos levou a concluir que a
posição do soldado sobrevivente será ímpar. Além disso, se o número n de
soldados no círculo é par, então a segunda rodada inicia no soldado S 1 , sendo
que essa rodada conterá exatamente a metade dos soldados da formação inicial.
Caso contrário, se n for um número ímpar, os alunos conjecturaram que a
segunda rodada inicia no soldado S n . Neste caso, a quantidade de soldados
restantes para a segunda rodada é a metade dos soldados da formação inicial mais
um. Podemos sintetizar isso da seguinte forma:
S1
S2
Início da contagem
S3 Recomeço da contagem
S4
Primeira pessoa a
ser eliminada
Segunda pessoa a
ser eliminada
Figura 2: Ilustração do caso n = 4
20
• para n=2k , na segunda rodada restam k soldados;
• para n=2k+1 , na segunda rodada restam k+1 soldados.
Baseados neste estudo, os alunos perceberam que, para a segunda rodada,
nós recaímos no mesmo problema inicial, apenas com um número reduzido de
soldados. Além disso, após uma breve familiarização com o problema, alguns alunos
preferiram organizar os soldados em uma fila, conforme mostra na figura abaixo.
Isso ilustra o entendimento do problema e nos dá segurança para avançarmos na
sua solução.
Figura 3: Disposição dos soldados em fila.
Neste exemplo, o aluno resolveu o problema com 12 soldados, dentre os
quais sobrevive o soldado na posição nove. A seguir, apresentamos uma tabela
elaborada por uma dupla de alunos, onde foram marcados os soldados eliminados
em cada rodada. Nestas tabelas, analisamos também o caso m=3 , isto é, a
terceira pessoa a partir do ponto inicial da contagem deverá sair do círculo, sempre
em sentido horário.
21
m=2
1ª
volta
2ª
volta
3ª
volta
4ª
volta
1 X
2 X
3 X
4 X
5 X
6 X
7 X
8 X
9
10 X
11 X
12 X
Tabela1: Resolução do problema I
m=3
1ª
volta
2ª
volta
3ª
volta
4ª
volta
1 X
2 X
3 X
4 X
5
6 X
7 X
8 X
9 X
10
11 X
12 X
Tabela 2: Resolução do problema II
Assim, no caso em que m=3 e o círculo contém 12 soldados, para garantir
sua sobrevivência, Josefo deveria se posicionar como soldado S 5 ou S 10 . De
fato, observamos que, para a quinta rodada, iniciando a contagem em S 5 , este
deveria cometer suicídio, o que era contra o pacto.
Todas estas atividades permitiram aos alunos uma grande familiarização com
o problema e a elaboração de muitas conjecturas úteis para sua futura resolução.
Além disso, nossa intenção com esta prática pedagógica é proporcionar a
abordagem de conceitos matemáticos mais abstratos como relações de
recorrências e indução matemática, dando aos alunos uma visão mais ampla da
matemática básica estudada na escola. Em função disso, estudar uma versão mais
geral deste problema poderia se tornar um empecilho. Para facilitar a retomada e
entendimento dos conceitos necessários para a resolução do problema proposto por
Flávio Josefo, optamos pelo estudo do caso m=2 e n=12 .
22
3. ABORDAGEM TEÓRICA
Neste capítulo, abordaremos o estudo dos conceitos matemáticos
necessários para a resolução do problema proposto por Flávio Josefo. Com este
propósito, elaboramos uma sequência didática de atividades destinadas para um
grupo de dez alunos voluntários, com idades entre 15 e 18 anos, da Escola Estadual
de Ensino Médio Professora Margot Terezinha Noal Giacomazzi, no município de
Canoas, RS.
Nosso principal objetivo, para cada encontro proposto, é fornecer meios para
que os alunos se apropriem de um formalismo matemático adequado, mesmo que
ainda de maneira muito primitiva. Isso vem de acordo com as ideias de (Giraldo,
2013, p. 4) que afirma “que a escola tem um papel tão importante quanto a
academia na própria produção do conhecimento: criar condições para que o novo
conhecimento superior seja estabelecido”.
Ao todo, realizamos nove encontros presenciais nos quais abordamos o
estudo de Sequências, em especial das Progressões Aritmética e Geométrica, além
das Relações de Recorrências e, finalmente, o Princípio de Indução Matemática.
Em cada um destes tópicos, procuramos fazer com que os alunos
compreendessem a ideia de infinito e que, intuitivamente, capturassem a essência
do Princípio da Indução Matemática. Compreender o processo de Indução
Matemática no Ensino Médio se torna necessário na medida em que introduz na
vida do aluno problemas acerca do infinito. Conforme afirma o Professor Abramo
“é com o conceito de indução que se estabelece o primeiro contato com a
noção de infinito em Matemática, e por isso ele é muito importante; porém, é
ao mesmo tempo, sutil e delicado.” (Abramo, 2009, p. iii)
23
A recursividade também nos permite trabalhar com este tipo de problema,
muito embora seja outro tema pouco comum nos currículos de matemática do
Ensino Médio. Segundo Morgado,
“É necessário valorizar os raciocínios recursivos pois hoje, com a revolução
da tecnologia, é extremamente importante saber raciocinar recursivamente.
Mas este é um assunto que exige dos alunos um raciocínio mais elaborado,
sendo um tanto abstrato.” (Morgado, 2003)
Em função das dificuldades resultantes da abordagem destes conteúdos um
tanto abstratos, fez-se importante a elaboração de uma prática pedagógica
adequada, capaz de tornar o aluno apto a compreender todos os conceitos e
propriedades envolvidas no processo. A partir deste momento, passaremos a
destacar todas as atividades desenvolvidas, bem como as dúvidas elencadas pelos
discentes em todo o processo.
No primeiro encontro, formalizamos uma parceria entre alunos e professor na
qual combinamos como seria o desenvolvimento desta pesquisa. Além disso,
estudamos alguns casos particulares do problema de Josefo conforme já relatado na
seção 1.2.
3.1 SEGUNDO ENCONTRO
Este segundo encontro foi dedicado ao estudo das Sequências Numéricas e,
em particular, da Progressão Aritmética. Introduzimos a definição de sequências
para, posteriormente, estudar seus casos especiais na forma das progressões
aritmética e geométrica.
24
Para o estudo das Progressões Aritméticas, damos uma atenção especial à
fórmula da soma de n termos de uma PA, já introduzindo a demonstração das
fórmulas previamente estudadas em aula.
3.1.1 Sequências
Começamos nosso segundo encontro com o estudo das sequências
numéricas. Iniciamos as atividades com algo mais simples, para nos próximos
assuntos evoluirmos o grau de complexidade e, posteriormente, realizarmos
demonstrações matemáticas.
Nesta oportunidade, definimos sequência como uma sucessão de elementos,
ou seja, um encadeamento de fatos que se sucedem. Nesse sentido, citamos
exemplos que permitissem observar como as sequências são comuns em nosso dia
a dia, conforme podemos notar a seguir:
Exemplo Inicial: Imagine que uma pessoa da cidade de Canoas tenha anotado as
temperaturas máximas em um período do mês de novembro de 2011. O resultado
pode ser visto na seguinte tabela:
Dia 4 5 6 7 8 9 10 11 12
ºC 29 30 31 33 34 34 34 25 23
Tabela 3: Temperaturas máximas em Canoas – (dados hipotéticos)
Estes dados coletados quanto à temperatura em Canoas formam um conjunto
com os elementos dispostos numa determinada ordem, o qual denominamos
sequência. Matematicamente, quando temos uma sequência numérica qualquer,
representamos o seu primeiro termo por a1 , seu segundo termo por a2 e
25
assim sucessivamente, sendo o n-ésimo termo representado por an . No exemplo
proposto inicialmente, identificamos a1=29 , a2=30 e a9=23 . Neste caso,
concluímos que n=9 representa o número total de elementos presentes na
sequência.
3.1.2 Progressão Aritmética
Neste mesmo encontro, abordamos o conceito de progressão aritmética (PA).
Salientamos que uma progressão aritmética é, na verdade, uma sequência numérica
que obedece a algumas propriedades específicas. Isso não se tornou uma tarefa
muito difícil na medida em que os alunos já haviam estudado este assunto em sala
de aula. Em função disso, trabalhamos este conceito sob um novo ponto de vista, de
maneira que os alunos pudessem deduzir algumas propriedades interessantes
inerentes a este tipo de progressão.
Inicialmente, definimos uma progressão aritmética como uma sequência na
qual, dado um termo, obtemos o termo seguinte acrescentando uma quantidade fixa.
A partir da definição, percebemos que an=an−1+r e, com isso, concluímos que
a2=a1+r
a3=a2+r=a1+r+r=a1+2r
a4=a3+r=a1+2r+r=a1+3r
Desta forma, foi possível conjecturar que o termo geral de uma progressão
satisfaz
an=a1+(n−1)r.
Em seguida, estudamos a soma dos termos de uma progressão aritmética
finita. Para tal, abordamos o mesmo raciocínio desenvolvido por Carl Friedrich
Gauss no ano de 1787, aos 10 anos de idade7. Na oportunidade, Gauss frequentava
o terceiro ano do ensino fundamental quando, na aula de Aritmética, o professor
7 Maiores detalhes acerca deste assunto podem ser acessados no endereço:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/EnsMed/expensmat3_1_1.pdf (último acesso: 06/02/2013)
26
pediu aos alunos que calculassem o valor da soma
S=1+2+3+....+98+99+100.
Gauss, muito prontamente, escreveu o número 5050, impressionando a todos
pela rapidez e inteligência.
Neste momento, explicamos aos alunos o que Gauss havia observado.
Basicamente, como
S=1+2+3+....+98+99+100
S=100+99+98+....+3+2+1
representam a mesma soma então,
2S=101+101+101+…+101+101+101
é uma soma com 100 parcelas. Ou seja, 2S=101 x 100 , donde segue que
S=5050 .
Com base no raciocínio desenvolvido por Gauss, pedimos que os alunos
determinassem a soma de sete termos em progressão aritmética. Neste caso,
obtivemos que S=
(a1+a7)7
2
. Isso permitiu com que os alunos conjecturassem
que a soma dos n termos de uma progressão aritmética satisfaz
S=
(a1+an)n
2
.
Neste momento de nossa prática, apenas aceitamos esta conjectura,
deixando a demonstração de sua validade para a aula sobre o Princípio de Indução
Matemática.
3.2 TERCEIRO E QUARTO ENCONTROS
Para estes encontros, abordamos a definição de progressão geométrica, com
os principais objetivos de
27
– entender o processo de construção de uma progressão geométrica;
– diferenciar progressões geométricas das progressões aritméticas;
– estabelecer a fórmula da soma dos termos de uma progressão
geométrica finita;
– ressaltar sob que condições podemos obter a soma de uma
progressão geométrica infinita.
Os alunos já haviam estudado esse assunto com o professor em sala de aula,
o que nos possibilitou dar um enfoque de revisão para certas definições. Em
contrapartida, esta familiaridade com o assunto nos permitiu abordar certos
resultados de uma maneira mais formal.
3.2.1 Progressão geométrica
Iniciamos este encontro com uma breve revisão do conceito de Progressão
Geométrica (PG). Ressaltamos que uma PG é uma sequência numérica em que
cada termo tem uma relação especial com o anterior, exatamente como ocorre com
os termos de uma PA. Neste caso, qualquer termo posterior é igual ao termo anterior
multiplicado por um valor fixo q . Com base na definição, os alunos concluíram
que os termos de uma progressão geométrica satisfazem
a2=a1q
a3=a2q
a4=a3 q
a5=a4 q
.
Ou seja, an=qan−1 .
Através da observação do comportamento destes termos, questionamos os
alunos sobre a possibilidade de determinar a5 sem conhecermos os termos
anteriores. De fato, para determinar a5 , precisamos conhecer a4,a3,a2 . Isso se
torna um problema para a determinação de termos muito grandes numa PG. Por um
28
raciocínio semelhante ao desenvolvido no estudo das PA, concluímos que
a3=a2 q=a1 qq=a1 q2
Analogamente, substituindo a3=a1 q2 na equação que determina o valor de
a4 , obtemos
a4=a3 q=a1 q2 q=a1q3 .
Isso nos permitiu generalizar este comportamento, conjecturando que o termo
geral de uma progressão geométrica satisfaz
an=a1qn−1 .
Neste momento de nossa prática, apenas aceitamos esta conjectura,
deixando a demonstração de sua validade para a aula sobre o Princípio de Indução
Matemática. Uma vez de posse desta fórmula, partimos para o estudo de um
exemplo de aplicação. Apresentamos uma situação problema sobre reprodução de
bactérias, que para os alunos foi um desafio.
Exemplo: Existem bactérias que se reproduzem de forma extremamente rápida. Um
exemplo é a bactéria que causa a sífilis (chamada treponema pallidum) cada uma
delas se transforma em 8 iguais no período de 1 hora. Se uma bactéria desse tipo
começa a se reproduzir, quantas elas serão 12 horas depois, supondo que nenhuma
delas tenha morrido?
Iniciamos a resolução deste problema elaborando um pequeno esquema no
qual os alunos pudessem identificar a1 e a razão q .
Figura 4: Esquema para o problema das bactérias
29
A partir deste esquema concluímos que o primeiro termo desta PG é a1=1
e a razão é q=8 . Com isso, podemos calcular a quantidade de bactérias após 12
horas utilizando an=a1qn−1 .
Fazendo os cálculos, obtemos que a12=1 x811=8589934592 .
Esse tipo de exercício desestabilizou os alunos na medida em que saiu do
padrão dos exercícios estudados normalmente, exigindo inclusive uma leitura
minuciosa para que fosse possível identificar a1 e a razão q .
Num segundo momento, abordamos o estudo da soma dos termos de uma
progressão geométrica. Iniciamos este tópico com o seguinte exemplo:
Exemplo: Qual é a soma dos 12 primeiros termos da PG (7, 14, 28, 56,112, 224,
448, 896, 1792, 3584, 7168, 14336)?
Naturalmente, os alunos somaram todas as parcelas e obtiveram o resultado
correto. Neste momento, nos questionamos sobre o que deveria ser feito se a
progressão geométrica tivesse 30 termos ou mais. Ou seja, existe alguma maneira
simples para determinar a soma dos termos de uma progressão geométrica?
Para responder a esta pergunta, consideramos uma progressão geométrica
(an) qualquer. Observamos que
S n=a1+a2+a3+...+an (1)
representa a soma dos n primeiros termos desta progressão. Neste momento, foi
conveniente conversamos sobre o significado dos três pontos que escrevemos em
(1), ressaltando que essa soma tem n parcelas.
Multiplicando ambos os membros da igualdade em (1) por q obtemos:
qSn=qa1+qa2+qa3+...+qan
Como an=an−1 q , então
qS n=a2+a3+a4+...+an+an+1 (2)
30
Comparamos as igualdades (1) e (2), termo a termo. Isso nos permitiu
concluir que a subtração destas igualdades satisfaz
S n−qS n=a1−an+1 (3)
Colocando o fator S n em evidência na igualdade (3), obtemos
S n(1−q)=a1−an+1 .
Como an+1=a1 qn , então
S n(1−q)=a1−a1 qn
e, com isso, S n(1−q)=a1(1−qn) . Portanto,
Sn=a1
(1−qn)
(1−q)
representa a soma dos n primeiros termos desta progressão geométrica.
Neste momento, os alunos puderam comparar nossos estudos com os
conhecimentos prévios sobre o assunto adquiridos em sala de aula. Alguns se
perguntaram sobre a semelhança desta fórmula com a obtida em aula:
Sn=a1
(qn−1)
(q−1)
Mostramos, na verdade, que se tratava da mesma equação apenas
observando que esta nova fórmula é obtida se multiplicarmos o divisor e o quociente
por (-1). E ainda podemos obter esta fórmula na demonstração fazendo (2) – (1) e
portanto isso mostra que não importa qual a subtração que escolhemos, o resultado
será o mesmo.
Encerramos nosso estudo sobre progressões geométricas abordando o
comportamento da soma no caso em que temos infinitas parcelas. Inicialmente, para
uma progressão crescente, retomamos a PG (7, 14, 28, 56,112, 224, 448, 896,
1792, 3584, 7168, 14336) e acrescentamos novos termos. A cada nova parcela, a
soma aumentava consideravelmente. Facilmente os alunos constataram que seria
impossível determinar esta soma a medida em que as parcelas aumentassem muito.
No que segue, analisamos o que acontece com esta soma para progressões
decrescentes.
31
Exemplo: Determine a soma da PG (32
,34
,38
, 3
16
, 3
32
, 3
64
, 3
128
, ...) .
Inicialmente, verificamos que
32
+34
=2,25
32
+34
+38
=21
8 =2,625
32
+34
+38
+ 3
16=45
16=2,8125
32
+34
+38
+ 3
16+ 3
32=93
32=2,90625
32
+34
+38
+ 3
16+ 3
32+ 3
64=189
64 =2,953125
32
+34
+38
+ 3
16+ 3
32+ 3
64+ 3
128=381
128=2,976525
32
+34
+38
+ 3
16+ 3
32+ 3
64+ 3
128+ 3
256=765
256=2,98828125
A partir destes cálculos, percebemos que a soma dos termos da PG está se
aproximando de 3. Neste momento, observamos que cada nova parcela que
adicionamos na soma tem valor menor e nos questionamos sobre o que estava
influenciando esse comportamento. Concluímos que a razão q<1 para esta PG
era o fator causador deste resultado.
Discutimos com o grupo sobre o comportamento de potências de números
entre zero e um, o que nos levou a introdução de noções básicas acerca do limite de
uma sequência.
Analisando alguns valores das potências de
12
temos que:
32
(1
2 )
2
=14
=0,25
(12
)
5
= 1
32=0,03125
(12
)
8
= 1
256=0,00390625
(12
)
15
= 1
32768=0,0000305175
Questionamos os alunos sobre o comportamento desta sequência para
potências cada vez maiores. Com o auxílio de uma calculadora, concluímos que
estas frações diminuem a medida que o expoente aumenta. Ou seja, quando a
razão da progressão geométrica é um número 0<q<1 e o número de termos da
progressão é grande, teremos que qn tende a zero. Consequentemente, torna-se
possível obter a soma de uma progressão geométrica de infinitos termos e razão
0<q<1 através da fórmula
S n=
a1
(1−q)
Nesta etapa de nossas atividades, a abordagem dos conteúdos passou a ter
um caráter matemático mais formal, o que deixou os alunos intrigados pela maneira
com a qual confirmamos a validade de cada resultado a partir de um simples
exemplo. Isto é, alguns alunos passaram a questionar a validade de certas
propriedades matemáticas, haja visto que elas apenas lhes foram transmitidas, sem
jamais terem sido justificadas ou demonstradas.
3.3 QUINTO E SEXTO ENCONTROS
Nos dois encontros seguintes, abordamos o conceito de relação de
recorrência. Num primeiro momento, procuramos compreender o que é uma relação
de recorrência passando, em seguida, para o estudo da resolução das mesmas.
Desenvolvemos nossa prática pedagógica de tal forma que os alunos pudessem
compreender que as progressões aritmética e geométrica são exemplos de relações
33
de recorrência.
3.3.1 Relação de recorrência
Iniciamos nosso estudo das relações de recorrência através de uma atividade
prática, na qual os alunos construíram uma relação de recorrência da seguinte
forma:
Exemplo inicial: Escolha a1 e a2 números naturais menores do que 10. Em
seguida, construa uma relação de recorrência cujo termo posterior é a soma dos
dois termos anteriores.
Uma dupla de alunos escolheu os números a1=3 e a2=7 . Em seguida,
obtivemos a seguinte sequência de termos:
a3=a1+a2=3+7=10
a4=a2+a3=7+10=17
a5=a3+a4=10+17=27
Percebemos que, para encontramos a10 deveríamos conhecer a8 e a9
. Mais geralmente, os alunos observaram que, para determinar an é necessário
conhecer an−1 e an−2 . Definimos aqui a primeira relação de recorrência:
a1=3
a2=7
an=an−1+an−2
A partir desta atividade, os alunos puderam não só construir uma relação de
recorrência, como também entender a definição destas relações. Em seguida,
assistimos a uma aula8 do professor Augusto César Morgado, com explicação e
exemplos de como resolver uma relação de recorrência. Em alguns momentos foi
necessário interromper o vídeo, a fim de explicar com maior teor de detalhes o
conteúdo que estava sendo abordado.
No segundo encontro destinado ao estudo das relações de recorrência,
definimos formalmente o que é uma relação de recorrência. Também propomos um
desafio, conforme ilustrado a seguir:
8 Disponível em: http://video.impa.br/index.php?page=janeiro-de-2003
34
Desafio: Quantas são as sequências de n termos todos iguais a 0 ou 1, que
possuem um número ímpar de termos iguais a 0?
Para solucionar este desafio, elaboramos um esquema a fim de perceber o
comportamento de n para valores relativamente pequenos e só então conjecturar
como seria seu comportamento para valores consideravelmente grandes.
Temos apenas duas sequências com n=1 termo, dadas por
01
Neste caso, temos apenas uma sequência com um número ímpar de termos
iguais a zero. Por outro lado, temos quatro sequências com n=2 termos,
representadas por
00
01
10
11
Aqui, temos duas sequências com número ímpar de zeros.
Para n=3 teremos oito sequências,
000
001
010
011
100
101
110
111
obtendo somente quatro sequências com um número ímpar de zeros.
A cada novo dígito inserido, percebemos que o número de sequências dobra.
Após analisarmos muitos outros casos, conjecturamos que o número total de
sequências é 2n e o número total de sequências com número ímpar de zeros é
2(n−1) . Frisamos aos alunos o fato de ser apenas uma conjectura e que, nos
encontros seguintes, verificaríamos se essa resposta funciona para todos os casos.
Finalizamos nosso estudo sobre relações de recorrência abordando suas
formas de resolução. Continuamos assistindo ao vídeo do Professor Morgado, onde
ele explica de maneira didática como encontrar a solução de relações de recorrência
de primeira e segunda ordem.
35
Como última atividade, propomos a resolução da relação de recorrência
An+2−5An+1+6An=0 . Para isso, assistimos a um vídeo9 do professor Morgado
sobre este assunto e, a cada passo da resolução explanada por ele, interrompíamos
o vídeo e aplicávamos suas explicações ao nosso problema. Inicialmente, os alunos
escreveram a equação característica x2−5x+6=0 desta relação, determinando
suas raízes x=2 e x=3 .
Explicamos aos alunos que, em função destas raízes, a solução da relação de
recorrência é da forma an=C1 2n+C23n . Os valores para C1 e C2 somente
serão determinados caso o problema nos forneça alguns dados adicionais,
denominados condições iniciais.
A abordagem de um assunto com um grau de complexidade maior, numa
turma de alunos do Ensino Médio, nos exigiu uma atenção especial. Durante a
exibição do vídeo, fizemos várias interrupções para retomar as explicações do
professor Morgado. Abordar esse assunto com os alunos é possível e de extrema
importância neste nível de ensino, pois o raciocínio recursivo é muito utilizado na
prática. Destacamos, por exemplo, que a recursividade é de uso frequente na
informática, uma área que os alunos tem contato diariamente. Ao saberem disso, a
turma demonstrou maior interesse e uma curiosidade aguçada sobre o assunto.
3.4 SÉTIMO E OITAVO ENCONTROS
Em nossos próximos encontros, abordamos o Princípio de Indução Infinita.
Conforme afirma o professor Abramo (2009), esse assunto “é um tanto sutil e
delicado”. Portanto, torna-se necessário utilizar uma linguagem simples e até
figurativa, usando variados exemplos para auxiliar na compreensão deste importante
princípio matemático.
9 http://video.impa.br/index.php?page=janeiro-de-2003
36
3.4.1 Indução Infinita
Para iniciar a aula, apresentamos aos alunos a seguinte situação problema:
Exemplo inicial: Se enfileirarmos as peças de um jogo de dominó, o que ocorre se
empurramos a primeira peça dessa fila?
A resposta foi unânime: todas as peças do dominó cairão. Ou seja, o
comportamento do conjunto de peças é totalmente previsível, mesmo tendo muitas
peças enfileiradas. Todos concordamos que, se um conjunto de peças for derrubado,
a próxima peça na fila também cairá.
Em seguida, abordamos outro exemplo, conhecido por indução galinácea e
criado pelo filósofo Bertrand Russel (1872 – 1970):
“Havia uma galinha nova no quintal de uma velha senhora. Diariamente, ao
entardecer, a boa senhora levava milho às galinhas. No primeiro dia, a
galinha, desconfiada, esperou que a senhora se retirasse para se alimentar.
No segundo dia, a galinha, prudentemente, foi se alimentando enquanto a
senhora se retirava. No nonagésimo dia, a galinha, cheia de intimidade, já
não fazia caso da velha senhora. No centésimo dia, ao se aproximar a
senhora, a galinha, por indução foi ao encontro dela para reclamar o seu
milho. Qual não foi a sua surpresa quando a senhora pegou-a pelo pescoço
com a intenção de pô-la na panela.” ( Hefez, 2009, p. 8 )
Com esses dois exemplos lúdicos, os alunos puderam ter uma breve noção
do que iríamos começar a estudar. Isto é, uma vez conhecido o comportamento de
uma propriedade para um certo número de casos, podemos conjecturar que a
mesma valerá para qualquer outro caso.
Basicamente, os dois exemplos anteriores retratam o Princípio de Indução
Matemática, cujo enunciado formal é dado a seguir:
37
Princípio da Indução Matemática: Considere n0 um inteiro não negativo.
Suponhamos que, para cada inteiro n⩾n0 , seja dada um proposição p (n) .
Suponha que se pode verificar as seguintes propriedades:
(a) p (n0) é verdadeira;
(b) se p (n) é verdadeira então p (n+1) também é verdadeira, para todo
n⩾n0 .
Então p (n) é verdadeira para qualquer n⩾n0 .
Propomos a realização de alguns exercícios para consolidar esse
conhecimento adquirido. Iniciamos com a demonstração da fórmula da soma dos
n primeiros números naturais.
Exemplo inicial: Determinar a soma dos n primeiros números naturais.
Para resolver este exemplo, inicialmente relembramos que
S=
(a1+an)n
2
representa a soma dos termos de uma progressão aritmética. Para a soma dos n
primeiros números naturais, teremos
S=
(1+n)n
2
. (1)
Verificamos que esta igualdade é verdadeira para n=1 . Em seguida, por
hipótese de indução, assumimos que a igualdade em (1) é verdadeira para algum
número natural n . Em seguida, observamos que a soma dos n+1 primeiros
números naturais satisfaz
38
S=
(1+n)n
2 +(n+1)
S=(n+n2)
2 +[2(n+1)]
2
S=n2+3n+1
2
donde segue que S=
(n+2)(n+1)
2 . Observamos que esta última igualdade obtida
segue de (1), ao substituirmos n por n+1 . Ou seja, provamos que a igualdade
em (1) também é verdadeira para n+1 . Portanto, pelo Princípio de Indução
Matemática, provamos que a soma dos n primeiros números naturais satisfaz
S=
(1+n)n
2
para todo número natural n .
Como exercício, verificamos a validade da fórmula para a soma de n
termos de uma progressão geométrica. Os alunos contribuíram para a solução do
exercício e, principalmente, mostraram ter compreendido a demonstração por
Indução Matemática.
Uma vez entendido este princípio, provamos a veracidade de outras fórmulas
matemáticas. Neste momento, iniciamos uma nova etapa de nossos estudos através
da análise determinadas situações problemas. Em particular, procuramos por uma
forma fechada para a resolução das relações de recorrência, isto é, precisamos
determinar uma fórmula para an que independa dos termos anteriores. Para isso,
aplicamos o exemplo a seguir:
Exemplo: É possível determinar a soma dos n primeiros números ímpares?
Seja P(n) a soma dos n primeiros números ímpares. Em particular,
temos que
P(1)=1 .
P(2)=1+3=4
39
P(3)=1+3+5=9
P(4)=1+3+5+7=16
P(5)=1+3+5+7+9=25
Desta listagem, os próprios alunos conjecturaram que a soma dos n
primeiros números ímpares satisfaz
P(n)=1+3+5+...+2n−1=n2 .
No que segue, vamos validar essa conjectura utilizando o Princípio de
Indução Matemática. Já verificamos que P(1)=1=12 . Por hipótese de indução,
suponhamos que P(n)=n2 seja verdadeira, para algum número natural n .
Vamos verificar se esta igualdade é verdadeira para n+1 ; ou seja, mostraremos
que P(n+1)=(n+1)2 .
Por hipótese de indução,
P(n)=1+3+5+...+2n−1=n2
Logo,
P(n+1)=P(n)+2n+1
P(n+1)=1+3+5+...+2n−1+2n+1
P(n+1)=n2+2n+1
P(n+1)=(n+1)2
e, portanto, pelo Princípio de Indução Matemática, provamos que a soma dos n
primeiros números ímpares satisfaz P(n)=n2 .
Basicamente, através destes exemplos, percorremos todos os processos
estudados até o momento. Ou seja, conjecturamos uma possível solução,
verificamos a validade dessa solução e, por último, encontramos uma forma
fechada como solução do problema. A necessidade de encontrar essa fórmula
fechada surge do fato de que, para calcularmos o valor de an , precisamos
conhecer an−1 , o que não se torna prático para n muito grande. É conveniente
encontrar uma fórmula com a qual podemos determinar qualquer valor da
sequência, sem precisarmos dos termos anteriores.
Para finalizar o estudo deste assunto resolvemos o seguinte exercício:
40
Exercício: Qual é o número máximo de regiões definidas por n retas no plano?
Iniciamos a resolução deste exercícios apresentando um esquema, conforme
ilustram as figuras abaixo.
Figura 5: Regiões no plano I
Figura 6: Regiões no plano II
Chamamo de Ln o número de regiões formadas no plano, através deste
esquema, conjecturamos que Ln=Ln−1+n e L0=1 .
Para o que segue, encontramos a forma fechada para este problema.
Começamos reescrevendo Ln :
41
Ln=Ln−1+n
Ln=Ln−2+(n−1)+n
Ln=Ln−3+(n−2)+(n−1)+n
Ln=Ln−4+(n−3)+(n−2)+(n−1)+n
⋮
Ln=L0+1+2+3+4+...+(n−3)+(n−2)+(n−1)+n
Ou seja, Ln é a soma dos n primeiros números naturais e, portanto,
satisfaz
Ln=
(1+n)n
2 +1
Para concluir precisamos provar, por indução, a veracidade desta forma. Se
n=0 , então L0=
(1+0)0
2 +1=1 .
Por hipótese de indução, suponhamos que Ln=
(1+n)n
2 +1 seja válida para
algum número natural n . Mostraremos que a mesma é verdadeira para n+1
retas. Observamos que
Ln+1=Ln+n=(
(1+n)n
2 +1)+(n+1)=
(n+1)(n+2)
2 +(n+1).
e, portanto, Ln=
(1+n)n
2 +1 , para todo n⩾0 .
Toda essa bagagem de conteúdos desenvolvida com os alunos serviu de
base para que, no último encontro, pudéssemos solucionar o problema de Flávio
Josefo.
42
4. RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DE FLÁVIO JOSEFO
Dedicaremos este capítulo à resolução do problema proposto por Flávio
Josefo. Nosso objetivo é formalizar todas as observações e conjecturas feitas no
primeiro encontro e já destacadas na seção 2.2. Na oportunidade, realizamos um
estudo de casos mais simples deste problema, no qual os alunos puderam observar
que
• para n=2k , na segunda rodada restam k soldados;
• para n=2k+1 , na segunda rodada restam k+1 soldados
onde n é o número de soldados do grupo e m=2 , isto é, cada segunda pessoa
no círculo será eliminada. Além disso, os alunos perceberam que, para a segunda
rodada, o problema se torna equivalente ao inicial, apenas apresentando um número
reduzido de soldados.
Para o caso , a m=2 resolução do problema de Josefo consiste,
basicamente, em determinar a posição do soldado sobrevivente no círculo. Para isto,
vamos enumerar cada soldado no círculo com os números de 1 a 12, em sentido
horário. Vamos denotar por S (n) o número do soldado sobrevivente.
Recordamos que, se n=1 soldado, então S (1)=1 representa a posição
do soldado sobrevivente. Por outro lado, se n=2 soldados, então o soldado de
número 2 será eliminado e, portanto, S (2)=1 . Também observamos que, se
n=3 soldados, então S (3)=3 . Uma vez entendido este processo, os alunos
completaram a tabela a seguir, contendo a posição dos soldados sobreviventes para
diferentes valores de n :
n 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
S (n) 1 1 3 1 3 5 7 1 3 5 7 9
Tabela 4: Soluções do Problema de Flávio Josefo para valores pequenos
43
A partir disto, os alunos perceberam que é S (n) sempre um número ímpar,
uma vez que, para m=2 , na primeira rodada são eliminados os soldados
representados por números pares.
Deste momento em diante, analisamos o problema variando os valores de
n . Inicialmente, estudamos o comportamento da sequência S (n) , para
n=2k um número par. Para tal, a partir dos dados obtido na Tabela 1,
observamos que
S (2)=S (2.1)=1=2S(1)−1
S (4)=S (2.2)=1=2S(2)−1
S (6)=S (2.3)=5=2S(3)−1
S (8)=S (2.4)=1=2S(4)−1
S (10)=S (2.5)=5=2S(5)−1
S (12)=S (2.6)=9=2S(6)−1
Com esta análise, os alunos puderam perceber que, para n=2k , temos
que S (2k)=2S(k )– 1 , com k ∈N , o que caracteriza uma relação de
recorrência. Obviamente, a intervenção do professor se fez muito importante para a
obtenção deste resultado.
De maneira análoga, concluímos que se n=2k+1 é um número ímpar,
então S (2k+1)=2S(k )+1 , com k ∈N .
Uma vez de posse destas informações, os alunos concluíram que a resolução
do problema de Josefo era equivalente a resolução da relação de recorrência
S (1)=1
S (2k)=2S(k )−1
S (2k+1)=2S(k )+1
Paral tal, primeiramente sugerimos a construção de uma tabela contendo os
valores de S (n) , com o número de soldados n variando de 1 a 16, como
destacamos a seguir:
n 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
S (n) 1 1 3 1 3 5 7 1 3 5 7 9 11 13 15 1
Tabela 5: Soluções do Problema de Josefo em blocos
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Uma análise detalhada desta tabela permitiu a percepção de algumas
propriedades inerentes a sequência S (n) . Por exemplo, observamos que
S (2)=S (4)=S (8)=S (16)=1 , o que nos permitiu conjecturar que S (n)=1 , para
todo n=2p . Além disso, notamos que
S (3)=S (5)=S(9)=3
S (6)=S (10)=5
S (7)=S (11)=7
Desta forma, os alunos verificaram a existência da sequência (1, 3, 5, 7, 9, 11,
13, 15, …) que se inicia a cada potência de 2, conforme podemos observar na
Tabela 2. O comportamento previsível desta sequência permite, inclusive, a
obtenção de outros valores para S (n) .
Convém ressaltar que as identidades acima estabelecidas foram obtidas
mediante a observação de um número pequeno casos. Por esse motivo,
questionamos os alunos quanto a validade destas igualdades para todo número
natural p . Ou seja, se uma dada propriedade vale para um número finito de
casos, como podemos nos valer disso para concluir sua validade de um modo mais
geral? Neste sentido, os alunos compreenderam que, para verificar a validade da
relação de recorrência encontrada, necessitaremos do Princípio da Indução
Matemática.
Num primeiro momento, utilizamos o Princípio de Indução Matemática para
mostrar que S (n)=1 , para todo n=2 p . Com efeito, se p=0 , então n=1 e,
como já observamos anteriormente, neste caso sobrevive o soldado S 1 . Ou seja,
S (1)=1 e, desta forma, constatamos a validade da nossa proposição para
n=1 .
Por hipótese de indução, suponhamos que S (2p)=1 para algum p∈N .
Mostraremos que S (2p+1)=1 . Porém, para todo n=2k número par, observamos
que S (n)=2S(k )−1 . Em particular, para n=2 p+1 , temos que
S (n)=S (2 p+1)=S (2.2 p)=2S(2 p)−1
Por hipótese de indução, temos que S (2p)=1 e, com isso,
S (2p+1)=2S(2p)−1=1 . Portanto, provamos por Indução Matemática que, para
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todo n=2p , o soldado sobrevivente é S (n)=1 .
Nosso próximo passo consiste em analisar o comportamento de S (n) para
n≠2p . Com o auxílio da Tabela 2, observamos que S (3)=S (5)=S(9)=3 . Isso
nos leva a concluir que, para todo n=2 p+1 , temos S (n)=3 . Além disso,
S (6)=S(10)=5 nos induz a concluir que, para todo n=2 p+2 , temos S (n)=5 .
De maneira análoga, S (7)=S (11)=7 nos induz a concluir que, para todo
n=2 p+3 , temos S (n)=7 .
A partir dessas observações, passamos a analisar o comportamento da
relação de recorrência obtida para S (n) , com n=2 p+r e r∈N tal que
0⩽r<2p . Com esta nova escrita para n , os alunos concluíram, com o auxílio do
professor, que se r é par, então n é par. Analogamente, se r é ímpar, então
n é ímpar.
Desta forma, se r é par, então
S (n)=S (2 p+r )=2S(2p−1+r
2 )−1 (1)
e, analogamente, se r é ímpar, então
S (n)=S (2 p+r )=2S(2p−1+r−1
2 )+1 (2)
Solicitamos aos alunos que verificassem a validade das igualdades (1) e (2)
para diferentes valores de r e p . Essa atividade pode auxiliar na tarefa de
encontrarmos uma equação candidata a solução da relação de recorrência.
Para o caso em que p=r=1 , temos n=2(1)+1=3 e, com isto, segue da
igualdade (2) que
S (n)=2S(21−1+1−1
2 )+1=2S(20+02
)+1=2S(1)+1=2.1+1=3=2r+1
Por outro lado, se p=2 e r=2 , temos n=2(2)+2=6 e, com isso, segue
da igualdade (1) que
S (n)=2S(22−1+22
)−1=2S(21+1)−1=2S(3)−1=2.3−1=5=2r+1
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Fizemos mais alguns exemplos neste sentido, de modo a concluirmos que
S (n)=S (2p+r )=2r+1 é uma possível solução para o problema de Josefo.
Novamente, vamos utilizar o Princípio de Indução Matemática sobre n∈N , para
verificar a validade desta possível solução encontrada para quaisquer p , r∈N .
Inicialmente, observamos que se p=r=0 , então S (1)=2.0+1=1 , donde
segue que para um grupo com apenas um soldado, ele próprio sobreviverá, vindo de
acordo com que havíamos estudado inicialmente.
Por hipótese de indução, suponhamos que existe um número natural n tal
que S (n)=S (2 p+r )=2r+1 para quaisquer p , r∈N Vamos verificar a veracidade
desta solução para n+1 , assim escrevemos n da seguinte forma
n+1=2 p+r+1 , ou seja, S (n+1)=S (2p+r+1)=2(r+1)+1 .
Para isto, consideramos se n+1=2p+r+1 é par, da igualdade (1), segue que
S (n+1)=S (2 p+r+1)=2 S (2 p−1+r+1
2 )−1 .
Por hipótese de indução, temos que
S (2p−1+r+1
2 )=2 r+1
2 +1=(r+1)+1 .
Consequentemente
S (2p+r+1)=2 S (2p−1+r+1
2 )−1=2(( r+1)+1)−1=2(r+1)+1 .
Se n+1 é ímpar, pela igualdade (2), temos que
S (n+1)=S (2 p+r+1)=2 S (2 p−1+
(r+1)−1
2 )+1 .
Por hipótese de indução,
S (2p−1+
(r−1)+1
2 )=2 ((r+1)−1)
2 +1=( r+1)
e, consequentemente S (2p+r+1)=2 S (2p−1+
( r+1)−1
2 )+1=2(r+1)+1
Ou seja, a fórmula vale para n+1 e portanto S (n)=2r+1 , ∀ n∈ℕ .
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho desenvolvemos uma proposta didática com alunos do
segundo ano do Ensino Médio, abordando conteúdos matemáticos mais sofisticados
tais como Relações de Recorrências e o Princípio de Indução Matemática, com o
objetivo de solucionar o problema de Flávio Josefo.
Analisamos a matemática envolvida em todo esse processo, para então
elaborarmos as atividades aos alunos. Ao final de cada encontro, refletimos com os
alunos acerca da compreensão dos conteúdos desenvolvidos. Utilizamos esta
reflexão para reelaborar o próximo encontro.
O envolvimento e comprometimento dos alunos foram importantes para o
sucesso da prática pedagógica. A cada encontro, a turma se sentia mais desafiada,
sempre resolvendo todas as atividades propostas.
Ao estudar Sequências Numéricas, Progressão Aritmética e Progressão
Geométrica, conteúdos estes que já fazem parte da base curricular do Ensino
Médio, percebemos que ainda é possível modificar o enfoque que hoje é dado ao
assunto, ampliando os conceitos apresentados pelos livros didáticos, é necessário
priorizar que os alunos construa os conceitos, introduzindo algumas demonstrações
matemáticas.
Conteúdos como relações de recorrência e indução matemática que são mais
abstratos, podem também serem abordados no Ensino Médio, será necessário ter
um problema motivador, ou até um enfoque que auxilie a compreensão dos
conceitos abordados, no entanto, isso exigirá do educador uma certa bagagem
matemática e um planejamento da aula que seja coeso, pois assim terá condições
de guiar os alunos neste novo mundo de conhecimentos matemáticos.
Na finalização deste trabalho reforçamos a importância de assuntos como
Relações de recorrência e Indução matemática no Ensino da Matemática, pois o
primeiro está diretamente ligado a informática e a assuntos já estudados como: PA e
PG. E o segundo desenvolve a ideia de infinito, que é conceito um tanto árduo para
os alunos compreenderem. E por isso a escola deve permitir que os alunos que
aprofundem conceitos matemáticos, ampliando as possibilidades de aprendizagem
através de diferentes abordagens dos assuntos estudados.
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6. REFERÊNCIAS
FLÁVIO Josefo Disponível em: <http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0581>.
Acesso em: 24 fev. 2013.
FOMIN, Dmitri; GENKIN, Sergey; ITENBERG, Ilia. Círculos Matemáticos - A
Experiência Russa. 1ª edição Rio de Janeiro: Impa, 2010.
HEFEZ, Abramo. Indução Matemática. 1ª edição Rio de Janeiro: OBMEP, 2009.
GIRALDO, Victor et al. Livro Companheiro do Professor de Matemática: Números
Reais. 1ª edição Rio de Janeiro: 2013. No prelo.
JESUS, Eliane Alves de; SILVA, Elisa Fonseca Sena e. Relações de Recorrência.
Belo Horizonte: 2006.
LIMA, Elon Lages et al. A Matemática no Ensino Médio. 6ª edição, Rio de Janeiro:
SBM, 2006.
OLIVEIRA, Krerley Irraciel Martins; FERNANDEZ, Adán José Corcho. Iniciação à
Matemática: um curso com problemas e soluções. 1ª edição, Rio de Janeiro:
SBM, 2010.
PROBLEMA de Flávio Josefo Disponível em:
<http://www.calendario.cnt.br/Paginas/Josefo.htm>. Acesso em: 24 fev. 2013.
Problema de Flávio Josefo. Dis
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