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A Análise Antropológica do filme Verônica (2008)

Por:   •  4/3/2022  •  Resenha  •  1.372 Palavras (6 Páginas)  •  307 Visualizações

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TEF0041 – ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO – TURMA B

O filme Verônica, do diretor Maurício Farias, foi lançado em 2008 pela distribuidora Europa Filmes, com coprodução Globo Filmes. O filme retrata o  drama  vivido  por  Verônica (interpretada pela atriz, produtora, diretora, roteirista e comediante brasileira  Andrea Beltrão) como professora de uma escola de Ensino Fundamental I, na rede pública do Rio de Janeiro.

O filme trás a imagem dessa professora desvalorizada, que está lecionando a mais de 20 anos, cansada do cotidiano escolar, estressada, sem recursos pedagógicos, com problemas pessoais e principalmente financeiros – essa é a mesma descrição de muitos professores brasileiros, principalmente nas redes municipais de ensino, nas quais a pouca ajuda financeira que chega é insuficiente ou má administrada. Segundo Marinho-Araújo (2014), a formação inadequada, os recursos públicos insuficientes e os baixos salários foram construindo um quadro de desvalorização e desprestígio social da profissão do magistério, contribuindo, também, para a construção de um sentimento de baixa autoestima do professor.

Em um dos seus dias de trabalho, Verônica percebe que nenhum responsável apareceu para buscar um de seus alunos, Leandro, de oito anos. Depois de muita espera, a professora decide levá-lo em casa por conta própria – ação que está fora da sua responsabilidade como educadora –, enfrentando transporte público lotado e problemas de mobilidade urbana, até chegar à Comunidade do Rio das Pedras – RJ, indicada pelo garoto. Quando os dois protagonistas se aproximam da casa, eles observam uma aglomeração incomum de moradores, viaturas da polícia e do SAMU, então Verônica descobre que ninguém apareceu para buscar o garoto porque os seus pais foram assassinados pelos traficantes da comunidade,

que também estão atrás de Leandro, pois ele guarda um pendrive com informações comprometedoras.

Sem coragem de deixar a criança à própria sorte, Verônica começa uma fuga incansável para tentar salvá-lo, mais uma vez, cumprindo um papel que não é de sua responsabilidade. Quanto mais eles fogem, mais a professora se vê inserida na vida e história dessa criança, com uma realidade distante da sua. Podemos ver uma característica importante da terceira fase da história da infância, conhecida como a criança de direitos ou a criança sujeito social, na qual recai sobre todas as crianças a ideia de proteção, pois a qualidade da infância seria essencial para o desenvolvimento humano. Na tentativa de tirar o menino daquela situação, Verônica esteve disposta a arriscar o seu trabalho, a sua liberdade e até a sua vida para garantir que ele tivesse uma chance de recomeçar.

De início, Verônica trata a situação na qual se envolveu como um problema a ser resolvido, mesmo que ela ainda não saiba como. Porém, com o desenvolvimento do enredo, a professora acaba se apegando e desenvolvendo laços afetivos com Leandro, tratando ele, em certos momentos, como um filho que ela não pôde ter, reforçando o estereótipo da concepção da identidade docente feminina como um dom ou uma maternidade, em que as educadoras se veem responsáveis pelas crianças como filhas – ideia advinda da pedagogia como um papel feminino, devido à facilidade que essas tinham de lidar com as crianças (ARAGÃO, KREUTZ, 2010). Verônica, ao lutar contra a auto aceitação da criança enquanto ser social, assume-se enquanto mãe; o menino, enquanto sofre a perda de sua progenitora, confunde o papel de professora-mãe-porto seguro da personagem de Andrea Beltrão.

Apesar da pouca idade de Leandro, ele tem consciência da realidade em que ele vive e se enxerga como parte intrínseca àquela comunidade. Isso pode ser observado pelo fato dele ter conhecimento sobre o que se passa na comunidade: a questão do tráfico, os armamentos,

os embates com a polícia e, até mesmo, que a morte de seus pais aconteceu na tentativa de queimar provas da corrupção policial na comunidade. O discernimento de Leandro levanta uma discussão interessante acerca da inexistência de uma concepção de infância universal – a própria antropologia permite o entendimento de que existem diversos modos de “ser criança” e viver a infância que nem sempre são considerados nas esferas maiores da sociedade. Essa cegueira dos fatos, carregada de pressupostos e preconceitos nos impedem, como cidadãos, de enxergar as crianças como sujeitos plenos e capazes, de escutar suas vozes e enxergar suas multiplicidades (COHN. 2013).

Quando Verônica começa a participar mais ativamente da vida do seu aluno, ela passa a conhecer a sua realidade e percebe que o seu mau comportamento em sala de aula, sua forma de falar, pensar, agir e o desinteresse pelos conteúdos ministrados na escola foram adquiridos culturalmente na comunidade em que ele reside. A professora pode, então, deixar de lado os seus pré-conceitos construídos acerca do aluno, derrubar a barreira que separa a barreira do professor X aluno, e passa a entendê-lo como um ser social, dotado de saberes, vontades e hábitos próprios. Dessa forma, Santos (1994) defende que o entendimento da cultura como característica intrínseca ao ser humano contribui no combate a preconceitos, oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações humanas.

Além disso, podemos perceber que o filme explora a construção do papel da personagem Leandro baseado na abordagem da aprendizagem, que não negam a influência dos fatores biológicos no desenvolvimento infantil, mas que atribuem suas principais contribuições às causas exógenas – ou seja, àquelas que provem do ambiente, mais especificamente dos adultos. Dessa forma, o comportamento de Leandro seria moldado e modificado continuamente pelas experiências vividas dentro de casa, na sua comunidade e na escola (COLE, COLE, 2003).

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