A EPISTEMOLOGIA E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Por: cassianomv • 2/7/2020 • Trabalho acadêmico • 1.805 Palavras (8 Páginas) • 239 Visualizações
UNIVESIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
EPISTEMOLOGIA E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
ACADÊMICO: CASSIANO MIGLIA VACCA
DISSERTAÇÃO
Comte, Kuhn, Weber e a Ciência
Ao ler autores clássicos como Comte, Weber e Kuhn – pensadores clássicos da epistemologia, responsáveis por expressivos legados para o pensamento científico muito aquém de um saber laureado e emoldurado. Aquém pois permitiram importantes reflexões acerca da produção, das características e da ética e profissionalização da ciência e do cientista. O legado da ciência carrega inúmeras contribuições destes pensadores, seja na afirmação do racionalismo e do método (Comte e seu positivismo), seja na compreensão da produção científica enquanto uma estrutura paradigmática que se constrói, se destrói e reconstrói sempre sendo fruto de um tempo (Kuhn e a estrutura das revoluções científicas), ou seja através da profissionalização da ciência enquanto conhecimento capaz de, ao invés de dogmatizar o mundo, buscar possibilidades de interpretá-lo (Weber e a ciência como vocação).
Ao reencontrar tais autores, é inevitável pensar nas suas concepções tendo como contexto os tempos atuais de pandemia. Nunca tanto se falou em Ciência – a mais nova vedete da humanidade e dos meios midiáticos. O cientista, na figura do profissional que produz novos conhecimentos em seu laboratório, nunca esteve tão em alta, convidado incessantemente a dar sua posição, falando em nome da instituição do conhecimento científico. A programação cotidiana de nossas vidas passou a ser constantemente invadida pelo discurso científico – o mais correto, o mais evidente, o mais coerente no combate ao desconhecido. O produtor de conhecimentos sérios e capazes de promover a saúde e a salvação do planeta.
Também é cada vez mais evidente, nestes discursos, termos como "evidências científicas", "método científico", "descoberta científica", "teste em laboratórios", “artigo científico”, “pesquisa científica”, dentre tantos outros que povoam as falas de autoridades e líderes mundiais e nacionais, pronunciamentos políticos, textos educacionais. A apreensão vivida pela humanidade nos coloca diante da ciência enquanto a detentora de soluções. O discurso científico virou base e evidências sobre as quais são tomadas os mais diversos rumos e atitudes. Comportamentos são moldados e assumidos em acordo com o que versa a ciência.
Diante de tudo isso, cabe um contemporâneo silêncio a indagações pouquíssimo feitas ou sentidas: mas, afinal, o que é a Ciência? Estaríamos diante de um novo ídolo? Será que o endeusamento da Ciência a levou de seu estado positivo (o último e maduro estado do avanço do conhecimento proposto pela teoria de Comte) a um ápice tamanho que se tornou um conhecimento quase teológico (voltando, por ironia, ao primeiro estado proposto por Comte nesta mesma esteira evolutiva)? Estaríamos, outrora, fazendo sentido ao reverberar das palavras de Weber que já havia alertado para o risco do cientista ser um disseminador de ideologias, tomando o papel que era de incumbência dos profetas e políticos? Estaríamos pondo fé em demasia na ciência enquanto motor evolutivo da humanidade?
Bacon, Descartes, Comte, Weber, Thomas Kuhn. Todos buscaram compreender e imprimir a estruturação racional, metódica e sistêmica de um conhecimento a ser validade para além do senso comum. Um conhecimento científico, racional – quase uma religião (olha o Comte aqui, novamente). O conhecimento científico, em seu corpus, desenvolveu linguagem, metodologias, conceitos, validações, experimentos que construíram um universo que postulou um saber distante e cada vez mais dissociado de outros conhecimentos, como o teológico e metafísico.
Constrói-se, assim, paulatinamente ao longo da história, uma ciência tradicional, rígida, validadora do conhecimento, metódico e ética. Comte, em sua filosofia positiva, traz a emolduração necessária para a formulação da ciência enquanto pensamento racional, evolutivo da mente e da sociedade humana, capaz de expor a natureza, a sociedade e todo conhecimento enquanto único, convergente todo para um mesmo caminho, homogeneizando o saber.
Comte, em sua filosofia positivista, propõe uma certa hegemonia na forma de conceber o avanço do conhecimento. Aliás, para ele, toda a humanidade passa (ou passará) pelas mesmas etapas de aquisição do conhecimento - a posição em que este conhecimento está irá definir, de certa forma, o progresso ou condição de existência da mesma. Visão um tanto quanto eurocêntrica e elitizada do conhecimento, mas que influenciou (e os discursos atuais mostram o quanto sua teoria é ainda eminente no próprio entendimento do que é ciência) as mais infindáveis esferas do conhecimento. Sua visão de uma ciência única, numa sociedade única e de uma natureza também una, aproximou numa síntese os pensamentos de Descartes e Bacon e reforçou a utilização do método enquanto foco central do conhecimento científico - algo que o difere dos demais conhecimentos (considerados, pelo positivismo, como inferiores ou anteriores à fase positivista).
Outra importante contribuição do pensamento de Comte diz respeito à própria fundação da sociologia - afinal, era primordial uma ciência para compreender a física social. Somente assim se torna possível a compreensão do humano. Aspecto que demonstra a intenção comtiana em prover de ciência toda e qualquer forma de conceber saberes, sejam eles das mais diversas áreas e especializações.
Weber, no entanto, demonstra certa preocupação com esta posição impressa à Ciência. Para o filósofo, o conhecimento científico se difere dos demais por fornecer conhecimentos sobre a técnica que serve para dominar a vida e servir de extensão a ação do homem no embate com seu mundo, por desenvolver métodos de pensamento que estruturam e validam saberes e a claridade – este terceiro, a claridade, cumprindo imprescindível papel no aprofundamento da consciência individual e no conhecimento das relações objetivas racionais.
Entretanto, Weber não traz à Ciência uma postura de moduladora de escolhas e decisões da humanidade. Ao contrário, nega tal incumbência a esta. Para ele, a Ciência não serve para dar respostas aos porquês da existência, pois a mesma não é construtora de conhecimento absoluto, tampouco nunca será – seu caráter sempre se faz provisório face a superação constante. A Ciência se configura, portanto, como um instrumento que permite ver a possibilidade de interpretar o mundo, compreendê-lo, para além das pré-noções às quais nosso pensamentos, por vezes, estão arraigados. A profissionalização do cientista e da ciência traz o aporte para compreendê-la enquanto lugar capaz de promover o distanciamento do objeto estudado, por meio da formulação de conceitos e da prática do experimento científico.
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