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A Esperança Revolucionária

Por:   •  6/5/2021  •  Artigo  •  3.480 Palavras (14 Páginas)  •  113 Visualizações

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[Conteúdo] Esperança revolucionária: Uma conversa entre James Baldwin e Audre Lorde

Conversa no Hampshire College em Amherst (ma). Originalmente publicada na Essence Magazine, em 1984.

O diálogo revela a importância de reconhecer que histórias raciais compartilhadas não podem ofuscar as histórias divergentes de gênero entre homens e mulheres negros.

JB: Um dos perigos de ser um americano negro é ser esquizofrênico, e digo “esquizofrênico” no sentido mais literal. Ser um americano negro é, de certa forma, nascer com o desejo de ser branco. É parte do preço que você paga por ter nascido aqui, e isso afeta todos as pessoas negras. Podemos falar do Vietnã, podemos falar da Coreia. Podemos falar até da Primeira Guerra Mundial. Podemos falar de w. e. b. Du Bois – um homem honrado e bonito – que fez campanha para persuadir negros a lutar na Primeira GM, dizendo que, se lutássemos na guerra para salvar este país, nosso direito à cidadania nunca mais seria questionado – e quem pode culpá-lo? Ele realmente quis dizer isso, e, se eu estivesse lá naquele momento, talvez também tivesse dito isso. Du Bois acreditava no sonho americano. Martin também. Malcolm também. Eu também. Você também. É por isso que estamos sentados aqui.

AL: Eu não, querido. Sinto muito, mas não posso deixar de falar. No fundo, no fundo, sei que esse sonho nunca foi meu. E eu lamentei e chorei e lutei e explodi de raiva, mas eu sabia. Eu era negra. Eu era mulher. E eu estava fora – fora – de qualquer estrutura de poder. Então, se eu fosse [deixar isso] me enlouquecer, e continuasse vivendo, eu estaria sozinha. Ninguém sonhava comigo. Ninguém ao menos me estudava, exceto como algo a ser aniquilado.

JB: Você quer dizer que não existe no sonho americano se não em sua forma de pesadelo.

AL: Isso aí. E eu sabia disso toda vez que abria a [revista] Jet. Eu sabia toda vez que abria uma caixa [de absorventes] da Kotex. Eu sabia toda vez que ia à escola. Eu sabia toda vez que abria um livro de orações. Eu sabia, eu simplesmente sabia.

JB: É difícil nascer em um lugar onde você é desprezado e onde existe a promessa de que, com esforço – com isso, com aquilo, você sabe – você pode realizar o impossível. Você tenta dar conta do homem, da mulher, da criança – a criança de qualquer sexo – e ele ou ela e seu homem ou sua mulher precisam dar conta dos fatos da vida 24 horas por dia neste país. Não vamos sair voando para outro lugar, sabe, é melhor aguentarmos qualquer coisa que aconteça num dia e ainda termos um ao outro e ainda criarmos filhos – de alguma forma, gerenciar isso tudo. E isso é 24 horas por dia, com você cercado por toda a parafernália da segurança: caso você consiga fazer uma barganha aqui; garantir que suas axilas não fedam; enrolar seu cabelo; ser impecável. Fazer todas as coisas que o público americano diz que você deve fazer, certo? E você faz todas essas coisas – e nada acontece, na verdade. E o que é muito pior do que isso, nada acontece para o seu filho também.

AL: Pior do que o pesadelo é o espaço vazio. E as mulheres negras estão no espaço vazio. Eu não quero remexer [na questão racial] e parar no muro que divide masculino e feminino. Quando admitimos e lidamos com a diferença; quando lidamos com a profunda amargura; quando lidamos com o horror de nossos diferentes pesadelos; quando os cutucamos e olhamos para eles, é como encarar a morte: difícil, mas possível. Se você olhar diretamente para ela, sem abraçá-la, então muito poucas coisas serão capazes de lhe causar medo.

JB: Concordo.

AL: Bem, da mesma maneira, quando olharmos para as nossas diferenças e não nos deixarmos dividir, quando as possuírmos e não sermos divididos por elas, então poderemos seguir em frente. Mas ainda não chegamos à estaca zero.

JB: Não tenho certeza disso. Penso que os conceitos de homem e mulher da comunidade negra são muito mais sofisticados do que as noções ocidentais. Eu acho que homens e mulheres negros são muito menos facilmente abalados pela questão de gênero ou pela questão de preferência sexual – all that jazz. Pelo menos na minha experiência pessoal.

AL: Sim, mas nos afastemos de uma posição meramente reativa – ou seja, homens e mulheres negros reagindo ao que está por aí. Enquanto reagimos ao que está lá fora, também estamos lidando uns com os outros – e entre nós existem diferenças de poder que diminuem…

JB: Ah, sim…

AL: Lidar verdadeiramente com a forma como vivemos, reconhecendo as diferenças uns dos outros – é algo que não aconteceu…

JB: Diferenças e semelhanças.

AL: Diferenças e semelhanças. Mas, em uma crise, quando os nossos traseiros estão na reta, parece ser mais fácil lidar com as mesmices. Quando lidamos apenas com as mesmices, criamos armas que acabamos usando uns contra os outros quando as diferenças [internas] se tornam aparentes. E acabamos uns com os outros – homens e mulheres negros podem acabar uns com os outros – de forma muito mais efetiva do que pessoas de fora [podem acabar conosco].

JB: Isso é verdade.

AL: E estamos com sangue nos olhos, nossas fúrias estão atiçadas. Falo do que as mulheres negras fazem umas com as outras, do que os homens negros fazem uns com os outros, do que as pessoas negras fazem entre si. Trabalhamos para destruir um ao outro de alguma forma – e essencialmente fazemos o serviço do nosso inimigo.

JB: Isso é verdade.

AL: Precisamos reconhecer essas diferenças de poder entre nós e ver até onde elas nos levam. Uma quantidade enorme de energia é gasta por homens e mulheres negros para negar as diferenças internas de poder ou brigar pelas diferenças internas de poder ou se matar por causa delas. Estou falando do sangue de mulheres negras espalhado pelas ruas – e como fazer com que um garoto de 14 anos saiba que eu não sou o alvo legítimo de sua fúria? A bota está em ambos os nossos pescoços. Vamos falar sobre isso. Meu sangue não lavará o seu horror. É isso que estou interessada em transmitir a garotos negros adolescentes.

Existem menininhas negras tendo bebês. Mas não se trata de concepções imaculadas, de modo que também existem meninos negros fazendo bebês. Menininhos negros fazendo menininhos negros. Quero lidar com isso para que nossos filhos não caiam nesse desperdício de vida.

JB: Eu te entendo – mas deixe-me voltar um pouco, para o bem ou para o mal. Você sabe, por qualquer motivo que seja, e independente de isso estar certo ou errado, há gerações os homens vêm ao mundo sabendo instintivamente, acreditando ou sendo ensinados que, porque são homens, de uma maneira ou de outra, são responsáveis por mulheres e crianças, ou seja pelo universo.

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