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Língua, cultura e civilização

Por:   •  21/10/2017  •  Artigo  •  867 Palavras (4 Páginas)  •  167 Visualizações

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Língua, cultura e civilização

Ao estudar sobre coesão textual por substituição, notei que ninguém mais a aplica – pelo menos não no texto do dia-a-dia, nas conversas e, muito menos, nos veículos mais populares de disseminação da cultura. Ato contínuo lembrei-me da letra de “Acontece”, de Cartola:

“Se ainda eu pudesse fingir que te amo

Ah, se eu pudesse!

Mas não quero, não devo fazê-lo

Isso não acontece”.

Como é do conhecimento público, Cartola era um sambista pobre, morador da favela da Mangueira, que só estudou até o 4º ano primário. E que, não obstante, inseria elementos de coesão textual por substituição em seus sambas. Cartola nasceu em 1908 e morreu em 1980. Compôs canções inesquecíveis a partir de 1930, gravando a maioria em disco entre 1965 e 1980.

Seja por qual motivo for, não deixei de observar que há uma referência importante nessas datas: elas abrangem o período dos presidentes militares.

Eu nasci em 1961 e lembro que era norma, durante toda a minha infância, esperar e entrar no ônibus em fila, cedendo o lugar aos mais velhos e às mulheres, fossem essas mais velhas ou não. Nessa época ainda acreditava-se que quem fosse capaz de fazer alguma coisa, tinha a obrigação de fazê-lo; e, assim, além do quesito gentileza, as crianças trabalhavam quando não estavam estudando, e ninguém era criança depois dos 14. Pelo que sei não havia escola para todos, mas havia trabalho remunerado para quem o quisesse e existia o emprego de “contínuo” para quem não tivesse maiores qualificações, como era o meu caso aos 14 anos e o caso de Cartola aos 50. As pessoas vestiam suas melhores roupas para ir “ao comércio” e usavam uniformes limpos e bem passados para frequentar as aulas.

Tudo isso desapareceu subitamente quando eu já estava no colégio (atual ensino médio), em 1976, durante o período mais repressor do regime militar, em plena vigência do Ato Institucional nº 5, o qual, dentre outras coisas, deu aos generais poderes absolutos (absolutos) sobre cada cidadão brasileiro, revogou a Constituição, fechou o Legislativo e proibiu a manifestação sobre qualquer assunto de natureza política.

Nesse período, como todos sabem, era comum jornalistas suicidarem-se nas delegacias de polícia. Livros foram banidos, bancas de revistas foram explodidas, jornais e livrarias foram fechados; músicas, peças de teatro e a expressão do pensamento foram censuradas ou proibidas, enquanto escritores, intelectuais, cantores e compositores de música popular foram violentamente impedidos de produzir. Um evento comparável, guardadas as proporções, ao incêndio da biblioteca de Alexandria e ao assassinato dos estudantes que a defenderam. No Brasil a perda terá sido menor; mas, ainda assim foi, inquestionavelmente, uma perda, quem sabe, irreparável.

(Abre parênteses: haverá quem defenda os anos de chumbo, reafirmando que seríamos “outra Cuba”, que teria havido mais mortes sem a intervenção das FFAA, etc. Para outros palpites do gênero, ver os comentários dos leitores na Folha de SP quando se publica qualquer menção à palavra “Ditadura” no jornal. Fecha parênteses, porque este texto não trata de política.)

Em resumo: a ditadura promoveu a destruição de um volume expressivo do registro cultural brasileiro entre 1964 e 1980 e inibiu violentamente a produção de cultura durante vinte e cinco anos. Pode-se concluir que um evento de tal magnitude certamente terá influenciado o padrão cultural do brasileiro comum.

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