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O Artigo Biopolítica

Por:   •  24/3/2020  •  Artigo  •  3.867 Palavras (16 Páginas)  •  151 Visualizações

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Ecologia Política - As sementes em disputa

Resumo:

Palavras-Chaves: Ecologia Política; Sementes; América Latina.

Introdução

        As sementes são organismos vivos que podem reproduzir-se. Historicamente, os agricultores conservaram e reproduziram suas próprias sementes. Porém, a partir das décadas de 1950 e 1960 começaram a ser desenvolvidas sementes híbridas de alta produtividade. A justificativa para este avanço, à época, era satisfazer a necessidade crescente de alimentos. Era a Revolução Verde que competia com a Revolução Vermelha no pós-Guerra mundial em que se estabeleceria a ordem bipolar da Guerra Fria. Nas décadas seguintes surgiram os grandes conglomerados (corporações) de sementes, quando algumas empresas químicas e farmacêuticas (como Bayer e Syngenta, por exemplo) adquiriram pequenos negócios de sementes pelo mundo. Nos anos 1990 se introduziram no mercado as sementes transgênicas, fruto de avanços na engenharia genética, bioengenharia.

        Durante a história humana a domesticação de plantas através da seleção e combinação natural de sementes deram a diversidade de espécies vegetais que existem no planeta. O melhoramento de sementes foi produto de um histórico sistema colaborativo de inovações entre agricultores. Esse processo hoje, por outro lado, se apresenta de forma muito difícil de ocorrer, dado que muitas sementes estão protegidas por patentes.

        As sementes híbridas e transgênicas, introduzidas durante a revolução verde, formam parte de um modelo agrícola tecnificado dependente de insumos químicos. O desenvolvimento de sementes comerciais, tanto híbridas como transgênicas, exigem pagamento de direitos de patentes para sua reprodução. A semente é a primeira etapa da cadeia alimentar. O controle sobre este elemento vital, é o controle em certo sentido sobre a vida humana através do controle sobre a vida no planeta de um modo geral, especialmente a vida responsável pela base de nossa alimentação.

        Este ensaio é uma reflexão sobre esse problema político vital que temos deixado de lado, e tratado segundo uma racionalidade puramente técnica, ficando a cargo dos discursos de especialistas ou das empresas comerciais as decisões mais importantes. A discussão política sobre as sementes se insere dentro de uma problemática contemporânea maior, a ecologia política.

        Neste texto, pretendemos apresentar em linhas gerais algumas concepções em torno da ecologia política, suas discussões centrais e paradigmas, inicialmente. Na segunda parte trataremos de modo mais específico a dimensão política, ou melhor ecopolítica, que envolve o controle social e corporativo das sementes. Nesta discussão se insere outras importantes relações de poder que comandam nossa sociabilidade, tais como, as disputas epistêmicas em torno da “verdade”, do “bom”, do “saudável”; e as disputas econômicas em torno da produção alimentar.

        O que queremos chamar a atenção é que se trata primeiramente de um problema político, e não meramente técnico-agronômico e econômico. E em segundo lugar, diz respeito a todas as pessoas e não somente agricultores e camponeses que vivem no campo produzindo nosso alimento. O controle político das sementes, como já adiantamos é o controle político sobre a vida em sua dimensão mais germinal.

Ecologia Política Tropical

La tierra manda, el pueblo ordena, y el gobierno obedece.[1]

A ecologia política é uma proposta crítica-reflexiva e plural acerca das relações entre as sociedades e a natureza. Por outro lado, representa uma alternativa ao pensamento político ambiental hegemônico, sob uma perspectiva econômico-financeira (PORTO-GONÇALVES, 2004), muito atrelado ainda a lógica sociometabólica do capital. (CLARK; FOSTER, 2010) É importante esclarecer desde já que a ecologia política, enquanto pensamento, tem sido tributário de uma tradição crítica do pensamento acadêmico latino-americano e também de movimentos sociais (camponeses, indígenas, feministas e populares em geral) de contestação do modelo de desenvolvimento econômico vigente, responsável pela crise ambiental contemporânea. (ALIMONDA, 2005)

Iniciemos por rememorar a ecologia como disciplina cientifica, campo do saber que “[...] estuda a relação triangular entre indivíduos de uma espécie, a atividade organizada desta espécie e o meio ambiente, que é, ao mesmo tempo, condição e produto da atividade, portanto condição de vida daquela espécie.” (LIPIETZ, 2002, p16) Aqui, portanto, não tratamos da especificidade da relação humana com a natureza, o que seria a ecologia humana. A ecologia humana deveria, nesse sentido, levar em consideração a interação entre o meio ambiente, a economia, a sociedade e a dimensão política destas interações.

As reflexões da ecologia política nasceram de contestações concretas sobre a modernidade, as sociedades industriais e os desequilíbrios ecológicos provocados não só pelos desastres e acidentes ambientais, mas pelos efeitos ecológicos degradantes das atividades humanas e do progresso técnico. Se tratava de se perguntar acerca de como nossa organização social de produção e de consumo modificava o meio ambiente.

Daí surgiram questionamentos de valores e conceitos-chaves na cultura ocidental, no núcleo desta racionalidade, tais como: o poderio, propriedade e domínio sobre a natureza, que opunha o humano a natureza; a noção de progresso linear e sem limites; a irresponsabilidade das atitudes em relação ao futuro do planeta; o individualismo reinante que desconsidera a dependência que cada indivíduo tem um para com os outros (os antepassados e os contemporâneos) que ajudaram a criar o mundo em que se vive; a lógica do produtivismo desenfreado. Mas os movimentos da Ecologia política também se colocaram contra o centralismo e a tecnocracia predominante na política que sempre subordinaram as pessoas nas suas lutas políticas. (LIPIETZ, 2002)

        A ecologia política está interessada na centralidade das relações de poder que há nas relações da humanidade com a natureza, dado que as relações sociais são mediatizadas por relações de poder, em que se constituíram historicamente mecanismos de dominação política como apropriação da natureza e, controle do acesso a natureza como dominação sobre a sociedade. (ALIMONDA, 2005)

Por outro lado, dentro desta perspectiva, e de forma sintética, há duas perspectivas analíticas básicas complementares dentro da ecologia: uma primeira que aponta os “conflitos ecológicos distributivos”  como objeto de estudo, ou seja, os conflitos sociais em torno da definição dos modos de uso e apropriação dos bens naturais, uma perspectiva “materialista”; e uma segunda que tem nos regimes de natureza[2] (regime de natureza orgânica, regime de natureza capitalista e regime de tecno-natureza) e em sua interrelação o objeto da ecologia política, numa perspectiva mais discursiva.

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