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Relativismo, Racismo e Neocolonialismo nas Visões de Judith Butler e Abu Lughod

Por:   •  26/10/2021  •  Artigo  •  2.116 Palavras (9 Páginas)  •  147 Visualizações

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Relativismo, racismo e neocolonialismo nas visões de Judith Butler e Abu Lughod

Discente: Luciano Pessoa Mendonça

Judith Butler em seu livro “Vidas Precárias” traz uma discussão a respeito do que pode ser debatido e discutido publicamente quando se trata de temas sensíveis e de grande repercussão. No relato do episódio do 11 de setembro de 2001, Butler se posiciona sobre a possibilidade de se assumir outras posturas em uma situação de luto dessa magnitude e da importância de tornar público um outro olhar para algo que “não pode” se mostrar publicamente, até porque muitas vezes os posicionamentos em questão são binários, se não está contra, está a favor, o que torna bastante delicado se discutir acerca de como a política externa dos Estados Unidos contribui para criar um mundo no qual tais atos de terror são possíveis, algo que está se repercutindo bastante nas tristes imagens do povo afegão, principalmente as mulheres e minorias étnicas, agora sob a tutela dos talibãs depois que os EUA, de forma abrupta, decidiu os deixarem a própria sorte nas mãos dos seus algozes.

Butler nos leva a refletir a respeito das opções que temos a partir de uma situação de luto e se torna ainda mais dramática quando esta situação vivenciada é uma experiência coletiva da perda, um luto que foi além do nosso eu e atingiu também a soberania nacional. Para muitos, a dor e a perda foi ainda maior e imperdoável justamente por ter atingido a todos os estadunidenses, estando ele ou não diante de uma perda de um amigo ou parente próximo naquele dia fatídico do 11 de setembro de 2001. Se faz importante lembrar que a forte reação dos EUA a este acontecimento “causou uma enorme polarização, sofrimento humano, não fez os EUA mais seguros, definitivamente fez serem mais odiados ao redor do mundo, criou um efeito ricochete e causou a piora na democracia americana”. (Karabekir Akkoyuniu, professor da FGV).

Em vias de completarem 20 anos daquele dia memorável, é natural que os sentimentos voltem a tona a partir de diversos documentários que deverão ser reprisados ou outros com cenas ainda inéditas a serem lançados mas, o certo é que, questões importantes e que, segundo a autora, contribuíram para este acontecimento e também para outros que poderão vir, continuam sendo retroalimentados e, a maioria deles ignorados pelo povo americano que insistem em se colocarem como vítimas do maior ataque terrorista de todos os tempo. Os prisioneiros de Guantánamo continuam sendo tratados de forma desumana, a violência do Estado de Israel contra a Palestina continua com apoio irrestrito e incondicional do governo dos EUA, a interferência política e socioeconômica em países de cultura mulçumana não mostra sinais de arrefecimento e, até mesmo quando, aparentemente se retira de um cenário caótico, como tem sido no Afeganistão, o faz de maneira desastrada e os deixam a própria sorte.

É a ética da não violência, defendida pela autora, que deveria nos levar a enxergar o outro de uma nova forma, nos “despossuindo” de nós mesmos, permitindo que o centro deixe de ser o “eu” para ser o “nós”, reconhecendo que somente juntos teremos condições de trilhar uma vida significativa e construtiva igualmente para todos, afinal, somos todos precários embora, uns estejam em condições de precariedade muito maior do que outros. Ignorarmos estas gritantes diferenças de condições contribui para nos tornarmos menos humanos e frios com relação aos outros e essa distorção nos leva a não reconhecermos nossa parcela de culpa quando o mal recai sobre nossas cabeças e não mais apenas naqueles que, de forma desnatural, estigmatizamos como sendo a personificação do mal e isso se traduz num interminável ciclo de normalização da violência.

Ao invés de fatos grandiosos e que, de forma terrível atingiram a tantas vidas, direta ou indiretamente a partir de uma experiência brutal, contribuírem para nos fazer refletir sobre nossas políticas nacionais a fim de se criar uma interrupção das formas de violência, a opção recai sobre o meio mais simples e “fácil”, de retaliarmos a violência com ainda mais violência contra aqueles que enxergamos como bárbaros, nossos inimigos que merecem nada menos que a morte e mais sofrimento, em uma gritante e desumana falta de empatia por aqueles mais vulneráveis que serão inevitavelmente vitimados numa demonstração de soberania sem quaisquer limitações de rostos, de vidas, de pessoas e que indubitavelmente nos leva a questionar, a exemplo da autora, quem conta como humano nesses dois lados?

É esperado que tenhamos uma reação de tristeza diante do luto pois é assim que nós, seres humanos, expressamos o reconhecimento da vida perdida e, mais ainda, daquela morte que poderia ter sido evitada. Butler nos lembra que, como resultado desta experiência, temos opções a seguir, e uma delas seria uma escolha pautada na ética, no reconhecimento da nossa contribuição para aquela situação expressada através das políticas públicas, reconhecendo que o outro também tem sofrido a violência por nossas escolhas, e que se uma das partes não ceder, esse ciclo de violência nunca irá cessar pois, ao não criarmos um ambiente político de restauração da ordem sob o ponto de vista também do outro, estaremos perpetuando este estado de violência sem fim.

O livro Vidas Precárias vai além de nos fazer refletir a respeito da importância de termos empatia, de reconhecemos que todos nós estamos em situação de precariedade, alguns mais outros menos, mas que, no geral, é algo a que todos nós estamos expostos. As palavras de Butler nos trazem reflexões ainda mais profundas que dizem respeito da desumanização das vidas que merecem ser vividas. Nesse contexto, se percebe que há uma linha tênue ao se tratar de assuntos que podem ou não serem debatidos publicamente afinal, este livro foi escrito em reação ao discurso nacionalista dos EUA logo após os ataques de 11 de setembro, ataques que justificaram uma reação brutal a um povo já combalido por toda uma vida de sofrimento, que vive uma vulnerabilidade que beira o insuportável.

O que a autora defende e reconhece como necessário, é que se abra uma discussão pública a respeito da não violência como resposta plausível em detrimento a declaração de guerra que tem sido sempre a única e primeira opção a ser vislumbrada. As opções a não violência existem e devem partir do reconhecimento da extrema desigualdade entre os vários povos por todo o mundo e que isso contribui para expor algumas populações a uma maior susceptibilidade a violência, em um grito de apelo pela precariedade da vida.

Enfim, Butler nos trás uma proposta baseada no fundamento ético de não violência de forma a contribuir para que as evitáveis reações de vingança não sejam naturalizadas e continuem contribuindo para a desumanização de pessoas que, em sua maioria, são vítimas, e não os vilões, de políticas públicas implementadas pelas grandes potências.

Butler chama atenção para a vulgarização do termo terrorista que tem sido usado cada vez mais para justificar atos de violência com tutela do estado, evidenciando a desumanização e total falta de ética ao justificar atos ou “respostas” cada vez mais brutais, em uma escalada de políticas de violência que evidencia a crescente insensibilidade ao sofrimento humano e à morte alheia.

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