Resenha - Pode o Subalterno Falar?
Por: othonreis • 27/9/2022 • Resenha • 4.152 Palavras (17 Páginas) • 132 Visualizações
[pic 1]
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
Bacharelado em Ciências Sociais
Disciplina: Sociologia do Conhecimento
Docente: Renato Angelo De Almeida Moreira
Equipe: Déborah Luiza, Jan Cavalcante, Othon Araújo, Yasmin Lima
PODE O SUBALTERNO FALAR?
Fortaleza, CE
2022
PREFÁCIO - I.
O início do texto é marcado por uma pré-definição de “prefácio” para Spivak, segundo ela, trata-se de “uma escrita que celebra uma diferença estabelecida no cerne de sua identidade por estar inserido no ambíguo espaço entre duas possíveis leituras” (p. 7). Essa diferença refere-se às diferentes identidades do texto, do ponto de vista da leitura do tradutor/prefaciador e do próprio leitor, evidenciando-se, dessa forma, como “um importante veículo de teoria crítica” (p. 7).
Do mesmo modo que demonstra-se como um desafio escrever um prefácio sobre a obra de um dos nomes mais relevantes da crítica cultural contemporânea, considerada densa, opaca e polêmica. Soma a dificuldade e o papel desconcertante do tradutor em tentar executar as linearidades entre o pensamento da autora, de seu texto, a obra traduzida e o próprio leitor.
Apesar disso, a dificuldade para com a escrita de Spivak pode ser interpretada pela sua preocupação em produzir um discurso crítico que procura influenciar e alterar a forma como lemos e apreendemos o mundo contemporâneo. “Um de seus principais objetivos é desafiar os discursos hegemônicos e também nossas próprias crenças como leitores e produtores de saber e conhecimento.” (p. 8).
Sobre a autora, Gayatri Chakravorty Spivak nasceu em Calcutá, Índia, em 1942, é uma teórica literária, crítica feminista e professora de Literatura Comparada e Sociedade na Columbia University, em Nova York, é uma das mais influentes intelectuais pós-coloniais existentes, transitando por diversas áreas do conhecimento em seus estudos. Suas críticas, de base marxista, pós-estruturalista e desconstrucionista, frequentemente aliam-se a posturas teóricas que abordam o feminismo contemporâneo, entre outras temáticas.
O seu artigo de notória repercussão “Pode o subalterno falar?”, que será melhor explorado mais a frente, parte de uma crítica aos intelectuais ocidentais, particularmente Michel Foucault e Gilles Deleuze, tomando como base seu diálogo em “Os intelectuais e o poder: conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze”. A autora reflete sobre os discursos e posição do intelectual pós-colonial, além de uma reflexão autocrítica aos estudos subalternos, na qual a própria se vincula, e trabalha em torno do questionamento principal: “o subalterno como tal pode, de fato, falar?”.
Afinal, o sujeito subalterno é aquele cuja voz não pode ser ouvida, segundo Spivak: “O termo subalterno descreve as camadas mais baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, de representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social dominante”.
Dessa forma, a tarefa do intelectual pós colonial deveria ser a de criar espaços para que o sujeito subalterno possa falar e ser ouvido. Para a autora, não é certo falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar contra essa “subalternidade”, criando meios de articulação e, consequentemente, espaços em que ele consiga ser ouvido. Assim, o artigo de Spivak trata-se de um texto de referência não apenas para os estudos pós-coloniais, mas também para os estudos culturais e para a crítica feminista.
Introduzindo o artigo, Spivak argumenta sobre as críticas ao sujeito soberano e a inauguração de um Sujeito ocidentalizado, a partir do ponto de vista de Foucault e Deleuze. Na qual discutem acerca da condição etnocêntrica intrínseca à intelectualidade ocidental, quando se trata de sua relação com a projeção da alteridade, e sobre a própria falta de espaço para falar – não a falta de uma voz propriamente dita –, ocupável pelo subalterno.
Entretanto, fogem do ideal intelectual de tentarem revelar e conhecer o discurso do Outro na sociedade, ao contrário disso, ignoram sistematicamente as questões ideológicas e o seu próprio envolvimento na história intelectual e econômica. Ao transformarem o sujeito subalterno em objeto, apoiam que a violência epistêmica acaba por ser perpetuada pelo intelectualismo que julga poder falar em nome do subalterno e que funciona como cúmplice do imperialismo, reproduzindo as estruturas de poder e de opressão.
Segundo os autores, os oprimidos, uma vez que tiverem a oportunidade e por meio da solidariedade de uma política de alianças, poderão falar e conhecer sua condições; no entanto, Spivak lhes questiona: “Devemos agora confrontar a seguinte questão: no outro lado da divisão internacional do trabalho do capital socializado, dentro e fora do circuito da violência epistêmica da lei e da educação imperialistas, complementando um texto anterior, pode o subalterno falar?”.
A somar pela demarcação do diálogo dos autores entre dois “sujeitos em revolução”, considerados “monolíticos, ou homogêneos, e anônimos” pela autora: “Um maoísta” e “A luta dos trabalhadores”. No caso, segundo Foucault, esses sujeitos subalternos não seriam exclusivamente os trabalhadores em luta, seriam “todos aqueles sobre quem o poder se exerce como abuso”.
A autora realiza críticas pertinentes ao fato deles desconsiderarem a divisão internacional do trabalho e, com isso, deixam de se aprofundar na heterogeneidade de formas de exploração e relações assimétricas de poder entre diferentes países. Além disso, Spivak questiona se esse sujeito subalterno em Foucault e Deleuze não seria apenas o subalterno da Europa Ocidental, ou ainda, o sujeito subalterno do intelectual ocidental europeu.
Spivak concorda que o intelectual deve ter uma atitude “de analisar todos os mecanismos de poder da ciência", mas acha que Foucault e Deleuze não fizeram uma análise radical que os levassem a enxergar a sua própria cumplicidade com esses mecanismos de poder, com o hegemônico e com a colonização epistemológica.
Retomando a concepção do sujeito subalterno como “homogêneo e anônimo”, tal julgamento ignora o significante da representação, desconsidera que, enquanto categoria, comporta, na língua alemã, dois sentidos diversos: Darstellug, no sentido artístico de representar algo, e Vertretung, que diz respeito à representação em nome de alguém, como seu representante: “distinção entre uma procuração e um retrato”, segundo Spivak.
Dessa forma, assim como Karl Marx os utiliza em “O 18º Brumário de Luís Bonaparte”, ao referir-se a “classe” como um conceito descritivo e transformador. Tais conceitos referem-se à fala do subalterno e do colonizado que, destituídos de qualquer forma de agenciamento, são sistematicamente mediados por outro, que crê os “re-presentar”, Spivak aponta que o intelectual acaba, ao contrário, por “falar por” eles, mesclando os dois diversos sentidos da representação.
...