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A Antropologia e Política

Por:   •  20/7/2021  •  Relatório de pesquisa  •  1.311 Palavras (6 Páginas)  •  171 Visualizações

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Antropologia e Política

O interesse da antropologia pela política existe desde os primórdios da disciplina, uma vez que o estudo de sociedades e relações sociais é estreitamente ligado à temática das relações de poder. No contexto da tradição evolucionista, que marcou a fase inicial da antropologia, o foco recaía sobre as formas e os sistemas de poder em sociedades "primitivas", cujas características deveriam ser comparadas e classificadas em relação ao sistema político das sociedades modernas, consideradas mais "evoluídas". Propunha-se, então, uma linha evolutiva das formas de organização política, que começava com a "hordaprimitiva" e chegava ao Estado moderno. Nessa época, entre o final do século XIX e o início da década de 1920, a grande maioria dos estudos antropológicos não tinha a política como tema central de interesse, nem a antropologia política era pensada ou formalizada como uma subárea de estudos.

Com o avanço da tradição estrutural-funcionalista britânica, no entanto, a política ganhou espaço, sobretudo nas etnografias realizadas no contexto colonial anglo-africano. Muitos desses estudos buscavam entender a organização social de grupos e etnias sem a presença de um sistema político formal, isto é, sem Estado. É nessa direção que surgem as reflexões sobre a importância dos sistemas de parentesco para a hierarquia e a coesão sociais. Tendo como referência inicial Radcliffe-Brown, sucederam-se autores como Evans-Pritchard, Meyer Fortes, Max Gluckman, Edmund Leach e Victor Turner, entre outros.

A partir da década de 1950, principalmente depois do clássico Sistemas políticos da Alta Birmânia, de Edmund Leach ([1954] 1996), desenvolve-se uma nova fase no campo da antropologia política, com o afastamento do cânone tradicional e a pulverização de problemas teóricos e temas de pesquisa, cujo alcance foge ao âmbito deste texto. Entretanto, há um certo consenso de que esses novos campos são fruto sobretudo do enfrentamento dos desafios impostos por uma conjuntura mundial na qual convivem forças políticas e culturais em diversos níveis como comunismo, capitalismo, colonialismo e movimentos sociais de diversos tipos. Entre estes, a área dos estudos feministas e dos movimentos anticolonialistas ganhou destaque por sua importante contribuição para a reflexão em torno do poder (Vincent, 2002).

A política é entendida, aqui, principalmente como um meio de acesso aos recursos públicos, no qual o político atua como mediador entre comunidades locais e diversos níveis de poder. Esse fluxo de trocas é regulado pelas obrigações de dar, receber e retribuir, o que o antropólogo Marcel Mauss ([1924] 1974) chamou de "lógica da dádiva", e cujo princípio fundamental está no comprometimento social daqueles que trocam para além das coisas trocadas.

As pessoas que participam dessas redes, seja como eleitores, seja como políticos, nunca concordariam com os acadêmicos que consideram suas ações um mero "clientelismo". Do ponto de vista "nativo", os políticos não estão "privatizando bens públicos" (para usar uma definição clássica de clientelismo); ao contrário, os políticos estão dando acesso a bens e serviços públicos a pessoas que não os teriam de outra forma. Nesse contexto, a palavra "público" não significa "recursos que pertencem a todos", mas "recursos monopolizados pelas elites políticas e econômicas". Ou seja, pessoas "ordinárias" de estratos inferiores da sociedade não participariam dessa definição de "público". Por isso mesmo, o acesso às fontes públicas de bens e serviços precisa ser intermediado pelo político e é visto como um bem extraordinário, "que não tem preço".

No entanto, essa rede não se constitui apenas pelo acesso e intermediação de recursos públicos. A distribuição de bens e serviços em locais de "atendimento", como centros de assistência social ou escritórios políticos, é prática corrente. Para manter esse tipo de serviço, o político precisa manter fortes laços com empresários ou grupos economicamente favorecidos que lhe forneçam dinheiro ou mercadorias demandadas pela comunidade. Essa ajuda externa é retribuída, por sua vez, na forma de alvarás, licenças, anistia de multas e outros benefícios diversos. Pode também, sem dúvida, em certos casos, caracterizar-se como corrupção pura e simples.

Como se coloca, então, a antropologia da política ante a questão da democracia? Se nos basearmos nos seus princípios conceituais, relações de troca do tipo acima mencionadas são um grande desserviço. Entretanto, como intelectuais, temos que evitar que nosso desejo de melhorar a qualidade da democracia interfira na forma como coletamos e interpretamos os dados de pesquisa. Senão, ficaremos perpetuamente rotulando as pessoas em vez de tentar compreendê-las. Categorias como "mandonismo", "coronelismo", "clientelismo", entre outras, trazem embutidas a ideia de que as nossas práticas políticas são imperfeitas, atrasadas ou inferiores. Trata-se de classificações que tomam por base o princípio de que as sociedades modernas devem estar comprometidas com os princípios democráticos universais inspirados nas experiências europeia e norte-americana. Desse ponto de vista, o clientelismo será sempre visto como sintoma de nosso estágio de "subdesenvolvimento" e, portanto, um problema para a "modernização" da política.

Seguindo em outra direção, podemos tomar o "clientelismo" como expressão de valores culturais que privilegiam as relações sociais entre pessoas, por oposição às relações entre indivíduos, no sentido que Roberto Da Matta (1979) emprestou ao termo. Isto é, trata-se de trocas e relações sociais que envolvem noções como honra, gratidão e dívida moral. Em muitos casos, isso ajuda também a perceber que as relações de troca empiricamente observadas não se constituem numa esfera "política" à parte, muito menos são a principal fonte de recursos da população. Tanto é assim que muitos dos bens doados por políticos são itens aparentemente supérfluos, como perucas, camisas para times de futebol, brinquedos, latas de tinta etc.

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