A Democracia de Schumpeter e as críticas de Losurdo
Por: Leonardo Berliner • 18/7/2015 • Resenha • 2.123 Palavras (9 Páginas) • 610 Visualizações
A teoria clássica da democracia é uma de muitas grandes teorias políticas que surgiram como resultado do avanço das ideias iluministas no pensamento europeu, as quais acarretaram intensas transformações na vida política e social do continente ao longo do século XVIII. O economista e cientista político austríaco Joseph Schumpeter, ao analisar essa teoria, identifica a sua definição de democracia como sendo o arranjo institucional, ao qual, através de representantes eleitos pelo povo, realiza-se a vontade geral desse povo. Os políticos eleitos são encarados apenas como instrumentos do povo para a realização do bem comum, ou seja, as decisões práticas tomadas pelos políticos devem sempre refletir a vontade daqueles que o elegeram.
À essa definição de democracia, Schumpeter começa sua crítica analisando os conceitos de vontade geral e bem comum. Na teoria clássica, o bem comum é visto como algo simples de definir e que todas as pessoas conseguem entender bastando utilizar sua racionalidade. Já a vontade comum é baseada na vontade individual de cada cidadão particular em perseguir esse bem comum. São os princípios que orientam toda a política. Para o austríaco, ao contrário, o bem comum não é um princípio inequivocamente determinado, ao qual todo um povo o aceita por simples força de argumentação racional. Cada indivíduo, aos olhos do autor, parece possuir cada um a sua própria concepção do que consiste o bem comum. Para sustentar esse fato, ele argumenta que a questão de saber quais são os valores supremos da sociedade transcende a pura análise lógica e racional. Portanto, mesmo que cada indivíduo esteja comprometido com o bem comum, esse bem comum pode significar coisas diversas na mente de cada cidadão, dependendo dos diferentes sistemas de valores adotados por cada um.
Ao demonstrar a incoerência no conceito de bem comum, Schumpeter adiciona que não é impossível que surja, a partir do complexo emaranhado de ações, concepções e vontades individuais particulares, um tipo de vontade comum. Contudo, essa nova idéia de vontade comum careceria de justificativa ética, pois, ao contrário do antigo conceito clássico (no qual o bem comum era facilmente reconhecido por todos os cidadãos, consequentemente a vontade geral que dele advêm é moralmente digna de ser realizada pela via política) o bem comum de Schumpeter é subjetivo e consequentemente, a vontade comum a ele associada carece de qualquer sanção moral. Buscar a realização da vontade comum, através do método democrático, argumenta o economista, não necessariamente produziria o resultado que maximiza a satisfação da sociedade. Ao contrário, pode até produzir decisões extremamente danosas. E ainda, o autor acredita que nada impediria que uma decisão tomada de modo autoritário, por uma agência não-democrática, poderia produzir resultados que seriam considerados muito mais satisfatórios aos olhos de toda a sociedade. Dessa maneira, ele enxerga que podem existir momentos de crise profunda, que não seriam bem resolvidos pelo método democrático, constituindo uma exceção que permitiria a instalação de um monopólio no alto cargo do poder executivo, capaz de lidar melhor com esses momentos de crise. Tal artifício não é considerado anti-democrático, desde que esteja previsto na constituição e que seja limitado temporalmente.
Continuando sua linha de argumentação, o economista adiciona, a partir desse novo conceito de vontade geral, que seria necessário atribuir qualidades excepcionalmente racionais aos pensamentos e às vontades dos indivíduos de modo a garantir que o método democrático produza decisões que satisfaçam o bem comum. Tal atribuição é considerada totalmente irrealista pelo autor, uma vez que teríamos que assumir que cada cidadão possui total conhecimento acerca dos fatos relevantes necessários para uma boa tomada de decisão, e que cada um deles seria determinado a buscar o conhecimento correto e seriam imunes à toda sorte de propagandas ideológicas, manipulações astutas e slogans políticos. Além de tudo isso, ainda resta a questão da aparente distância entre a rotina cotidiana dos indivíduos e os assuntos de relevância nacional. Estes aparecem , aos olhos do indivíduo comum, sempre como interesses abstratos. Dificilmente se vislumbra um meio concreto de se retirar algum benefício imediato do esforço individual empregado em solucionar as questões de interesse público. Mesmo que o cidadão particular se interesse por essas questões, ele é apenas um único voto no meio de uma multidão, a qual, na maioria das vezes, é inepta e não emprega os mesmos esforços que ele na racionalização dos problemas de ordem nacional. Portanto, torna-se muito pouco recompensador o interesse nessas questões, mais valendo focar nas ações e situações do dia-a-dia, as quais o indivíduo conhece bem melhor as circunstâncias por lidar diretamente com elas, e portanto é possível retirar resultados muito melhores e mais rapidamente focando-se somente nessas questões práticas de sua rotina e deixando de lado as questões relevantes à comunidade como um todo. Consequentemente, quanto à estas questões, persistirá a ignorância de grande parte da sociedade, tornando a democracia clássica um instrumento de baixa eficiência para promover soluções sensatas e que agradem à maioria.
Desse cenário de ignorância política generalizada, cria-se um ambiente propício para a manipulação das massas por grupos de interesses particulares, abrindo espaço à toda a sorte de aproveitadores que tentam ludibriar o povo, fazendo-o enxergar os seus interesses egoístas como interesse geral da nação. Schumpeter aponta para toda uma gama de atividades comerciais e industriais as quais tentam obter benefícios e privilégios provindos da máquina pública, minorias organizadas que fazem barulho e chamam atenção para a sua causa pouco nobre, financiando lobbystas profissionais para enganarem os cidadãos e fazerem-nos pensar que estão à serviço do bem comum. Exemplo disso são os pedidos de taxação à produtos importados que concorreriam com os produtos de indústrias nacionais, supostamente enfraquecendo-as, o que, no final, seria ruim para toda a economia nacional. O austríaco, como um autêntico liberal, não acredita na eficácia dessas medidas de cunho mercantilista e protecionista na promoção do desenvolvimento da indústria nacional, ao contrário, as enxerga como prejudiciais.
Schumpeter vislumbra a impossibilidade de fazer a democracia produzir resultados satisfatórios aos olhos do povo, a não ser que os eleitores sejam de alta qualificação, sendo bons conhecedores das teorias, filosofias e acontecimentos políticos. Porém isso seria incompatível com o sufrágio universal defendido pelo modelo clássico de democracia, pois estariam sendo incluídas no sufrágio classes sociais de baixa qualificação, incapazes de compreender a política com a profundidade que a democracia exige. Comparando essas classes de eleitores à condição de crianças incapazes de se sustentarem à si próprios, Schumpeter justifica que eles não tenham direito á voto, do mesmo modo que menores de idade são impedidos de votar, mas nem por isso o sufrágio perderia sua legitimidade.
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