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A Ferramenta Analítica Do “Ilegalismo” No Desenvolvimento Da Sociedade Disciplinar Em Michel Foucault

Por:   •  2/5/2023  •  Trabalho acadêmico  •  3.574 Palavras (15 Páginas)  •  70 Visualizações

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – PENSAMENTO SOCIOLÓGICO CONTEMPORÂNEO

PROF. DR. MARCOS CÉSAR ALVAREZ

JORGE VICTOR BERNARDES DOS SANTOS

N. USP - 11250038

A FERRAMENTA ANALÍTICA DO “ILEGALISMO” NO DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE DISCIPLINAR EM MICHEL FOUCAULT

SÃO PAULO

2021

1. Introdução

Esse trabalho busca aprofundar o uso operacional de Michel Foucault da noção de ilegalismo, como uma “ferramenta analítica” (HIRATA, 2014) introduzida pelo autor em seu curso “A sociedade punitiva”, lecionado entre 1972 a 1973. Nossa ênfase dar-se-á sobre a relação que Foucault tece para a análise da penalidade, entre lei, prática legal, indivíduo e riqueza.

Para tanto, iremos recuperar a discussão que o autor emprega sobre as formas de saber em “A verdade e as formas jurídicas”, enfatizando a análise de Foucault acerca das reformas jurídicas e penais do século XVIII, e o que elas “receitavam” para o sistema penal, em contradição com as práticas sociais concretas. Em seguida, recuperaremos a noção de ilegalismo, presente no curso no Collège de France, como uma ferramenta que melhor pôde explicar aos leitores a maneira pela qual Foucault aborda o nascimento da sociedade disciplinar em relação à origem da sociedade industrial.

No fim, discutiremos como Foucault aborda a gestão diferencial dos ilegalismos, empreendida pela burguesia, devido ao seu funcionamento positivo na sociedade, como se apresenta em “Vigiar e punir” e em uma entrevista do autor.

2. As reformas humanistas do Direito Penal e as práticas sociais

Michel Foucault, em “A verdade e as formas jurídicas” (ciclo de conferências proferidas por ele na PUC do Rio de Janeiro, em 1973) propõe um trabalho de pesquisa histórica que procura entender como se formam domínios de saber a partir de práticas sociais, pois estas os engendram de maneira a fazer nascer novas formas de sujeito de conhecimento. Interessa-nos entender como Foucault sugere que, no século XIX, um saber do homem se forma a partir de práticas sociais de controle do indivíduo, fazendo nascer um tipo novo de sujeito de conhecimento (FOUCAULT, 2013, p. 18).

Foucault elenca as práticas jurídicas como práticas sociais privilegiadas para localizar o nascimento de novas formas de sujeito de conhecimento (Idem, p. 21). As formas jurídicas, as práticas judiciárias, são uma forma de saber que, na relação entre o homem e a verdade, comporta a origem das formas de verdade. Ao começar na forma do inquérito, no pensamento grego, evoluindo-se para uma relação entre o regime da prova e sistema do inquérito, durante a Idade Média, as formas jurídicas assumem, na égide do capitalismo, a forma do exame, que enseja a possibilidade de criação de formas de saber sobre o homem, como a Sociologia, a Psicologia, a Psicopatologia, a Criminologia e a Psicanálise, em ligação profunda com a formação de controles políticos e sociais no momento de formação da sociedade capitalista (Idem, p. 22).

É interessante ressaltar que Foucault, resgatando a teoria do poder em Nietzsche, define o conhecimento em relação ao poder, a relações de poder e dominação. Isso permite a Foucault abordar o problema da formação de domínios de saber ao perscrutar “relações de força e relações políticas na sociedade” (Idem, p. 34). Sua tese de que práticas sociais formam domínios de saber fica, assim, mais clara, uma vez que são as relações de poder comportadas nessas práticas que permitem a formação de saberes, de conhecimentos sobre o homem. Por detrás de todo saber e conhecimento, observa, há uma luta de poder, em que o poder político é “tramado com o saber” (Idem, p. 56).

Outro ponto que nos interessa na forma de pensar foucaultiana é o seu empreendimento em fazer “pesquisas de dinastia” (Idem, p. 38). O autor, que recusa o estruturalismo, isto é, segundo ele mesmo, não coloca uma estrutura de relações econômicas e uma série de fenômenos em relação de causa e efeito, mas, na verdade, procura fazer aparecer relações de poder obscurecidas por práticas sociais. É fundamental, ao autor, que se relacione relações políticas – relações de força e dominação – a fenômenos sociais (Idem, Ibidem). Esse é o processo metodológico de Foucault conhecido como genealogia do poder (ALVAREZ, 2015, p. 18).

Na terceira conferência de A verdade e as formas jurídicas, Foucault analisa a formação do inquérito na Idade Média (FOUCAULT, 2013, p. 65), como uma renovação da forma jurídica grega, que nos aproxima do modo como o exame surge no início do capitalismo. O inquérito ressurge, nos séculos XII e XIII, bem diferente ao inquérito existente na tragédia grega de Édipo Rei, em substituição à prova medieval, a qual preconiza uma batalha, física ou social, entre os envolvidos no processo de contestação jurídica para descobrir a verdade. Interessa-nos a maneira pela qual Foucault explica o surgimento do inquérito.

O filósofo explica tal surgimento no momento de crescente acumulação de riqueza e de poder nas mãos de alguns poucos poderosos da sociedade feudal (Idem, p. 67). Cria-se um Poder Judiciário sob o julgo desses poderosos medievais, como uma espécie de justiça que se impõe do alto sobre os indivíduos, que preconiza o dano da infração sobre o Estado, sobre a ordem e a lei, de maneira que a reparação é feita ao Soberano, ao Estado (Idem, pp. 68-69).

Assim, o inquérito que ressurge nos séculos XII e XIII é uma “determinada maneira de o poder se exercer” (Idem, p. 74), ou seja, são práticas sociais, imbuídas de relações de poder e dominação específica – constituídas pela acumulação de riquezas na Baixa Idade Média, por intermédio de guerras –, que sustentam formas de conhecer a verdade, em que o sujeito de conhecimento é o intermediário, o indivíduo punido. O inquérito é, portanto, uma forma de saber-poder, por meio da qual conduz Foucault “à análise das relações entre os conflitos de conhecimento e as determinações econômico-políticas” (Idem, p. 79). Aqui, delineia-se, inicialmente, uma relação fundamental para a análise da penalidade em Foucault, ou seja, entre indivíduo, riqueza, lei e prática legal.

Saltando-nos agora para os séculos XVIII e XIX, Foucault tematiza o nascimento do que ele chama de “sociedade disciplinar” (Idem, p. 81). Essa sociedade disciplinar desenvolve uma prática judiciária que perscruta a verdade em torno do exame, um saber que se assenta sobre uma vigilância constante sobre os indivíduos, não sobre os atos, sobre o que fizeram, mas sobre o que são capazes de fazer, isto é, quanto à periculosidade, a virtualidade de seus atos (Idem, p. 86). Um saber, portanto, que opera em termos de normalidade, do que é ou não normal (Idem, p. 89), no qual, inclusive, se estabeleceram as ciências humanas, a Psicologia, a Sociologia, a Psiquiatria etc. Essa forma de saber-poder é explicada por Foucault em duas vias (Idem, Ibidem): por uma reforma jurídico-penal do século XVIII e pelas práticas sociais, reais, de controle e vigilância.

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