A INTERPRETAÇÃO DO CONCEITO DE FETICHISMO NA OBRA DE MARX
Por: Giovanna Luz • 10/12/2017 • Artigo • 4.659 Palavras (19 Páginas) • 338 Visualizações
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INTERPRETAÇÃO DO CONCEITO DE FETICHISMO NA OBRA DE MARX
Alunas: Giovanna Luz e Isabella Albuquerque
Professor: Brand Arenari
Turma: Ciências Sociais – Política III
RESUMO:
Uma análise interpretativa do fetichismo da mercadoria - também do dinheiro e do capital – acreditando-se haver uma "dupla existência" dentro do conceito: ora como forma concreta, palpável, ora como forma reificada, gerando, a partir disso, uma alienação e opacidade social, visto que o que observamos como características intrínsecas da sociedade contemporânea são novas formas de apatia e alheamento pelo caráter e espaço que assumiu o fetiche das mercadorias, incumbindo-se uma ocultação da exploração nas relações de trabalho. Dessa maneira, analisaremos as relações sociais criadas a partir dessa ocultação, passando, brevemente, pelo conceito de Sociedade do Espetáculo, analisada por Debord. Por fim, investigaremos como a forma de produção induzida altera a vida social e o consumo, e não o oposto, buscando, então, uma forma de superar o que chamaremos de reencantamento e fetichização do mundo – em oposição à teoria weberiana de desencantamento/racionalização do mundo.
Palavras-chave: fetichismo; fetiche da mercadoria; alienação; crítica ao capitalismo; crítica à modernidade; O Capital; opacidade social.
Introdução:
Começaremos esse artigo tentando desvendar essa análise quase que enigmática, que nos propôs alguns desafios de abstração, visto que, em nossa vivência acadêmica sobre política, esse é e foi um dos temas mais abstratos que já estudamos. Sendo assim, começaremos com o esforço interpretativo de analisar o que, para Marx, seria o enigma que envolve o conceito de fetichismo, partindo da seguinte pergunta: qual é a relevância do conceito de fetichismo na argumentação de Marx, e como esse tema representa e reflete a modernidade em si? Ou seja, como buscar uma semelhança que una o capitalismo, nosso sistema de organização social, ao fetichismo? E o porquê, então, desse fetichismo ser declaradamente - não tão declaradamente assim - uma forma de alienação e opacidade social.
Iniciaremos, portanto, usando nossa argumentação a partir da seguinte interpretação: Marx, em sua análise, busca mostrar uma compatibilidade que una capitalismo à crenças mítico-religiosas, permitindo, desse modo, a compreensão de sua crítica ao capital e a modernidade. Assim, podemos examinar o uso pré-marxiano do conceito de fetiche.
Alfonso Iacono, filósofo italiano, relatando a história do surgimento do conceito de fetiche, redige que o mesmo apareceu pela primeira vez no ensaio de Charles de Brosses, que caracterizaria a ideia de fetiche religioso, fruto do encontro afro-europeu na costa da Guiné há cerca de quatro séculos. Explica que o conceito de fetiche era usado quase como uma doutrina evolucionista para caracterizar aqueles que ainda eram primitivos se relacionados à civilização. Ou seja, temos aqui a ideia de uma progressão linear na qual o objeto sagrado é tornado cada vez mais abstrato – podemos, inclusive, lembrar dos tótens - e, dentro de uma teoria geral do progresso do pensamento humano, os adoradores de fetiche estariam atrás dos civilizados esclarecidos. Destarte, o fetichismo era visto como tentativa primitiva de explicar fenômenos da natureza através de misticismos, da crença em qualidades mágicas - sendo este, segundo De Brosses, ligado particularmente à crença dos negros da África.
Marx, então, inverte o conceito de fetichismo, o que o autor Amaro Fleck chama de fetichismo às avessas, utilizando, a partir daí, o conceito de fetichismo não para se referir aos adoradores de objetos primitivos, e sim aos brancos europeus trocadores de mercadorias. Brancos esses tidos como esclarecidos e, dentro da "linha de evolução", civilizados. Ou seja, Marx analisa a mercadoria – tendo a organização social capitalista que possui – a partir de uma analogia às superstições dos "não-civilizados", cultivando, dessa forma, um "golpe retórico" ao uso do termo fetichismo, pois se apropriou de um conceito que antes fora usado para designar de forma pejorativa um grupo/costume social, e, agora, é crível analisarmos a nossa própria sociedade, a partir do modo capitalista de produção, como uma sociedade fetichista, e assim, pensarmos o quanto de primitivo há no nosso civilizado, pretendendo, com isso, corrigir essa visão deformada do mundo e levar o indivíduo a criticar a superioridade e a posição dessa sociedade tida como melhor.
Marx, portanto, assimila a prática da troca de mercadorias à adoração de objetos inanimados, assumindo que o objeto e o comércio, símbolos da modernidade, está imerso em elementos supersticiosos, fazendo com que haja uma continuação da sociedade antiga na sociedade nova, ratificando que sua crítica em relação ao comércio e ao dinheiro não se baseia na tradição e nos costumes, nem mesmo à natureza humana, e sim a uma maior emancipação e, dessa maneira, maior autonomia dos indivíduos sociais para uma modernidade mais consciente e esclarecida, deixando claro, com isso, que a modernidade possui esse caráter antagônico onde ao mesmo tempo que tem potencial emancipatório, possui mecanismos de repressão que calam a autonomia social, mostrando que antes do capitalismo, ou em modos de produção que coexistiam ao seu lado, a sociedade produzia e distribuía o trabalho entre seus membros de maneira distinta, como no feudalismo, por exemplo, onde as relações de produção dominantes não residiam na forma "valor", já que se tratavam de relações de dominações baseadas na dependência pessoal, isto é, aqueles que trabalhavam prestavam serviços e entregavam produtos que eram especificados.
Marx ainda dá o exemplo de atividades camponesas autônomas que, a partir de sua própria divisão de trabalho naturalmente desenvolvida, criavam funções sociais específicas, criando produtos diferentes mas que não se relacionavam entre si como mercadorias, ratificando que:
"diferenças de sexo e idade e as condições naturais do trabalho, que mudam com as estações do ano, regulam sua distribuição dentro da família e o tempo de trabalho dos membros individuais da família, pois o dispêndio das forças individuais de trabalho, medido pela sua duração, aparece aqui, porém, desde sua origem como determinação social dos próprios trabalhos, porque as orças de trabalho individuais a partir de sua origem só atuam como órgãos da forma comum de trabalho da família."
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