A Lei Da Ficha Limpa E A Revolução Eleitoral
Artigo: A Lei Da Ficha Limpa E A Revolução Eleitoral. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: Jadson83 • 3/11/2014 • 9.097 Palavras (37 Páginas) • 438 Visualizações
A lei da ficha limpa e a revolução eleitoral
Guilherme Pessoa Franco de Camargo
Resumo: Diversos setores da sociedade civil brasileira mobilizaram-se, nos anos de 1996 e 1997, através da campanha “Combatendo a corrupção eleitoral”, com o objetivo de punir os políticos que malfadaram a administração pública, aumentar a idoneidade dos candidatos e combater a corrupção no país. Em abril de 2008, o movimento ganhou força com a chamada “Campanha Ficha Limpa”, liderada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE.
A pressão da sociedade fez nascer o Projeto de Lei de Iniciativa Popular n.º 519/09, que conseguiu reunir cerca de 1,3 milhão de assinaturas, estabelecia critérios rígidos e impeditivos aos candidatos que pretendiam retornar a algum cargo público, através da Lei Complementar n.º 64, de 18 de maio de 1990 – Lei das Inelegibilidades. E, em 04 de junho de 2010, o projeto foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na Lei Complementar n.º 135/2010, a alcunhada Lei da Ficha Limpa.
A Lei da Ficha Limpa dividiu opiniões e foi levada a julgamento no Supremo Tribunal Federal – STF, que reafirmou a legalidade do texto integral, com aplicação apenas a partir das eleições de outubro de 2012, vez que prevaleceu naquele tribunal a observância estrita ao princípio da legalidade e segurança jurídica.
Dentre as Ações Diretas de Constitucionalidade propostas, a linha defendida na ADC 30, a Lei da Ficha Limpa foi no sentido que a lei não fere os princípios da razoabilidade ou proporcionalidade, bem como sua aplicação a atos anteriores ofende os incisos XXXVI e XL do artigo 5º da Constituição Federal, porque veio a estabelecer novas hipóteses de inelegibilidade, neste ponto decorre a constitucionalidade das alíneas c, d, e, f, g, h, j, k, l, m, n, o, p e q, todos do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar 135/2010.
Havia uma corrente que argüia que a Lei da Ficha Limpa desrespeitava o Princípio da Presunção de Inocência, previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
Reza o artigo 5º:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...)
LVI - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; (...)”
Contudo, o processo penal e eleitoral são independentes e possuem procedimentos diferenciados e se dedicam a fins diversos, não se relacionando o segundo, diretamente com o dispositivo Constitucional, ao menos neste ponto. Prioriza-se a vida pregressa regrada e a tutela coletiva. E, no contexto de registro de candidatura, os Princípios de Probidade Administrativa e Moralidade pública se elevam em detrimento ao da Inocência, ante ao sopesamento de relevância frente à sociedade. E, nenhuma liberdade pública é absoluta.
Um dos maiores questionamentos a nova Lei reside na avaliação de fatos pretéritos, vez que a Lei não pode retroagir para atingir fatos já ocorridos. Contudo, o momento para verificação é o das eleições, no ato do registro da candidatura e, não se trata de retroatividade da lei e sim cumprimento de determinações legais em relação ao ato de registro. A mesma justificativa foi utilizada para a declaração de constitucionalidade da imposição de inelegibilidade não ser caracterizada como pena de cassação de direitos políticos, vez que aquele trata-se de requisito de elegibilidade e não sanção. Também restou prejudicada a argüição de afetação da soberania popular, pela seleção prévia dos candidatos, visto que ocorre exatamente o oposto, a valorização da soberania popular pela exigência de probidade e moralidade administrativa do art. 1º, inciso I, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988.
O Ministro Ricardo Lewandowski que foi um dos maiores defensores da Lei da Ficha Limpa, inclusive utilizou o Tribunal Superior Eleitoral – TSE, para a aplicabilidade daquela ainda em 2010 (apesar de vencido neste ponto, assim como os votos de Joaquim Barbosa e Ayres Britto), destacou que:
“Ao aprovar a Lei da Ficha Limpa, o legislador buscou proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato e a normalidade e legitimidade das eleições. Quando estabeleceu novas hipóteses de inelegibilidade, a Lei Complementar 135/10 apenas cumpriu comando previsto na Constituição, que fixou a obrigação de considerar a vida pregressa dos candidatos para que se permita ou não a sua candidatura.”3
No mesmo sentido, Dalmo de Abreu Dallari afirma que:
“Outra alegação é que a aplicação da Lei da Ficha Limpa a situações estabelecidas anteriormente seria contrária à regra constitucional que proíbe a retroatividade. Também nesse caso está ocorrendo um equívoco. De fato, a Constituição proíbe a aplicação retroativa da lei penal, encontrando-se essa interdição em disposição expressa do artigo 5º, inciso XL, segundo o qual ‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’. Ora, não há como confundir uma lei que estabelece condições de inelegibilidade, uma lei sobre as condições para o exercício de direitos políticos, com uma lei penal. Veja-se que a própria Constituição, no já referido artigo 14, parágrafo 9º, manda que seja considerada a vida pregressa do candidato, ou seja, o que ele fez no passado, para avaliação de suas condições de elegibilidade. Assim, pois, não ocorre a alegada inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, porque ela não fixa pena, mas apenas torna explícito um dos aspectos da vida pregressa que podem gerar a inelegibilidade” (www.observatoriodaimprensa.com.br, acesso em 21/9/2010)
Não há como desconsiderar totalmente os questionamentos feitos pelos opositores da nova Lei, visto que garantias históricas e fundamentais como o da retroatividade legal e inocência foram efetivamente relativizados em prol da sistemática de adequação a realidade eleitoral e superação da lentidão do Poder Judiciário. O clamor popular ou mesmo a relevância da nova Lei não deveriam ter feito transbordar tais preceitos constitucionais, ainda que para benefício imediato do povo brasileiro, vez que os efeitos desta relativização podem ter repercussão negativa nas diversas searas do direito
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