A SOCIEDADE BRASILEIRA EM MOVIMENTO
Por: ricardo.ossago • 1/9/2021 • Trabalho acadêmico • 6.327 Palavras (26 Páginas) • 175 Visualizações
A SOCIEDADE BRASILEIRA EM MOVIMENTO: vozes das ruas
e seus ecos políticos e sociais
Maria da Glória Gohn*
O texto tem por objetivo analisar as especificidades e novidades presentes nas manifestações de
Junho de 2013 no Brasil, por meio de algumas questões-chave, a saber: como eram compostas,
as identidades, o pertencimento, os valores e as ideologias que tinham; o que demandavam,
como se articulavam no plano interno e internacional; quais as relações com estado, partidos e
outros movimentos sociais; como surge a violência nas manifestações; qual a concepção de
democracia dos ativistas; como foi pautada a ideia de reformas etc. Uma questão central é
colocada: por que uma grande massa da população aderiu aos protestos em Junho de 2013?
Inicialmente, faz-se a reconstrução dos momentos iniciais das manifestações, especialmente
em São Paulo, analisando-as a seguir segundo seus impactos na sociedade e na política. As
fontes dos dados advêm de arquivos sistematizados via diferentes mídias, entrevistas, pesqui-
sas de opinião pública, e publicações recentes.
PALAVRAS-CHAVE: Manifestações. Protestos. Movimentos sociais. Mobilização da sociedade civil.
Ativismo sociopolítico.
Em Junho de 2013, ocorreu, em 12 capitais
brasileiras e em várias outras cidades de médio
porte, uma onda de manifestações populares que
reuniu mais de um milhão de pessoas, com simi-
lares em apenas três momentos da história do país:
em 1992, no impeachment do ex-presidente Collor
de Melo; em 1984, no movimento Diretas Já, no
período do regime militar, na luta pelo retorno à
democracia; e nos anos de 1960, nas greves e
paralizações pré-golpe militar de 1964, e nas pas-
seatas estudantis de 68. Os protestos rapidamente
se espalharam e se transformaram em revolta po-
pular de massa. Os movimentos foram denomina-
dos pela mídia e outros como “manifestações”. De
fato, eles foram, na maioria das vezes, manifesta-
ções que expressam estados de indignação face à
conjuntura política nacional. As mobilizações ad-
quiriram, nesses eventos, um caráter de movimento
de massa, de protesto, de revolta coletiva,
aglutinando a indignação de diferentes classes e
camadas sociais, predominando a classe média
propriamente dita, e diferentes faixas etárias, des-
tacando-se os jovens. Sabe-se que elas foram
desencadeadas em São Paulo por coletivos organi-
zados, com o predomínio do Movimento Passe
Livre (MPL), a partir de uma demanda pontual –
contra o aumento da tarifa dos transportes coleti-
vos. Quando o ‘povo’ viu, na TV e jornais, jovens
sendo espancados por lutarem por bandeiras que
eram também suas, como a mobilidade urbana, ele
também saiu às ruas. O crescimento das manifes-
tações levou à ampliação das demandas com um
foco central: a má qualidade dos serviços públi-
cos, especialmente transportes, saúde, educação e
segurança pública. As manifestações fazem parte
de uma nova forma de movimento social, que se
caracteriza por participação de uma maioria de jo-
vens escolarizados, predominância de camadas
médias, conexão por e em redes digitais, organiza-
ção horizontal e de forma autônoma, e crítica às
formas tradicionais da política da atualidade – es-
pecialmente os partidos e os sindicatos. As con-
vocações para os atos foram feitas através das re-
*Doutora em Ciência Política. Professor titular da Facul-
dade de Educação da Universidade Estadual de Campi-
nas (UNICAMP).
Rua Bertrand Russel 801. Barão Geraldo. Caixa-postal:
6120. Cep: 13083-970. Campinas – São Paulo – Brasil.
mgohn@uol.com.br
CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 71, p. 431-441, Maio/Ago. 2014
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des sociais, e a grande mídia contribuiu para a ade-
são da população ao noticiar a agenda, os locais e a
hora das manifestações. Há uma estética particular
nas manifestações: em cima da demanda-foco, sem
carros de som o batuque ou as palmas são utiliza-
dos no percurso das marchas. Os jovens
organizadores das chamadas para as manifestações
atuam em coletivos organizados na última década.
Muitos dos jovens que respondem às convocações
e vão às manifestações estão em fase de batismo na
política. Os coletivos inspiram-se em variadas fon-
tes, segundo o grupo de pertencimento de cada um.
Como rejeitam lideranças verticalizadas,
centralizadoras, também não há hegemonia de ape-
nas uma ideologia ou utopia. O que os motiva é um
sentimento de descontentamento, desencantamen-
to e indignação contra a conjuntura ético-política
de dirigentes e representantes civis eleitos nas es-
truturas de poder estatal, assim como as priorida-
des nas obras e ações selecionadas e seus efeitos na
sociedade. O movimento acontece “em se fazendo”
e não via grandes planos de organizações com coor-
denações verticalizadas. Há processos de
subjetivação na construção dos sujeitos em ação.
Cada um leva seu cartaz em cartolina; uma nova
mensagem pode gerar uma decisão tomada no calor
da hora, em cima da demanda-foco; sem carros de
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