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As Miserias Do Processo Penal

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Por:   •  8/8/2014  •  2.892 Palavras (12 Páginas)  •  342 Visualizações

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Prefácio

A lei é uma consecutio necessária, ou seja, um liame entre um fato (prius) e uma conseqüência (post) a ele associado. Não há possibilidade de a conseqüência não se seguir à causa.

O direito e o direito penal, em particular, diferenciam-se da natureza. Enquanto, no âmbito não jurídico, as conseqüências associadas às causas são absolutamente naturais, o direito é uma arte precisamente porque à causa, prevista na lei jurídica, propõe uma conseqüência artificial.

Para Carnelutti, o próprio ato de julgar com base em normas jurídicas já é artificial.

Para julgar um processo penal, seria preciso ver o todo, seria preciso conhecer a vida inteira do acusado. Como o ser humano não pode antever o futuro, e o passado se apresenta inapreensível, devido ao volume e complexidade das tramas que o compõem, todo julgamento está fadado ao insucesso. Todo julgamento é a revelação da miserável condição humana.

O processo morre sem alcançar a verdade. Cria-se, então, um substitutivo para a verdade: a coisa julgada.

Os fatos têm comprovado que as penas tradicionais raramente curam o condenado. A prisão é o maior exemplo. Ela pune, mortifica, degenera, faz aumentar o ócio, multiplica os ressentimentos e as revoltas. A prisão só não recupera.

O direito é necessário, mas não é suficiente.

INTRODUÇÃO

O que se pretende com este livro é fazer do processo penal um motivo de introspecção, e não de diversão.

O processo penal é a pedra de toque da civilidade não apenas porque o delito, de diferentes maneiras e em diferentes intensidades, é o drama da inimizade e da discórdia, mas porque ele representa a relação que se desenvolve entre quem o comete, ou se supõe que o comete, e aqueles que assistem à sua perpetração.

Coisificar o homem: pode haver fórmula mais expressiva da incivilidade? No entanto, é o que ocorre, nove a cada dez vezes, no processo penal. Na melhor das hipóteses, os acusados, encerrados em jaulas como os animais no jardim zoológico, assemelham-se a seres humanos fictícios, não verdadeiros.

A TOGA

A toga, assim como o traje militar, desune e une, ela separa os magistrados e advogados dos leigos para uni-los entre si.

A união é dos juízes entre si, em primeiro lugar. O juiz, como se sabe, não é sempre um homem só. Nas causas mais graves, é comum atuar um colegiado de juízes. No entanto, dizemos “juiz” também quando os juízes são mais de um, precisamente, porque se unem uns aos outros, assim como as notas emitidas por um instrumento musical se fundem nos acordes.

Em relação ao juiz, o acusador e o defensor estão do outro lado da barricada. Dir-se-ia que, se a toda é um símbolo de autoridade, eles não deveriam usá-la.

No processo, é necessário fazer a guerra para garantir a paz. As togas do acusador e do defensor significam que atuam a serviço da autoridade. Aparentemente, eles estão divididos, mas na realidade estão unidos, no esforço que cada um realiza para alcançar a justiça.

As togas dos magistrados e dos advogados se perdem na multidão. São cada vez mais raros os juízes que usam da severidade necessária para reprimir tal desordem.

O PRESO

Para mim, o mais pobre de todos os pobres é o preso, o encarcerado.

As algemas, também elas, são um símbolo do direito. Talvez elas sejam, pensando bem, o mais autêntico emblema jurídico, mais expressivo do que a balança e a espada. É necessário que o direito sujeite as nossas mãos. As algemas servem para desnudar o valor do homem. Segundo um grande filósofo italiano, esta é a razão de ser e a função do direito. Quidquid latet apparebit, repete ele: tudo o que está oculto será revelado.

Basta tratar o delinqüente como um ser humano, e não como besta, para se descobrir nele a chama incerta do pavio fumegante que a pena, em vez de extinguir, deve reavivar.

Cada um de nós é prisioneiro, na medida em que está encerrado em si mesmo, na solidão do seu eu e no amor próprio. O delito não é senão uma explosão do egoísmo. O outro não conta; o que conta é apenas o eu. Somente quando se abre para os outros, o homem sai da prisão. Nesse momento, a graça de Deus penetra pela porta que se abriu.

Ser homem não é não ser, é apenas poder não ser animal. Essa potência é a potência de amar.

O ADVOGADO

O preso não necessita de alimentos, nem de vestidos, nem de casa, nem de remédio. O único remédio, para ele, é a amizade. As pessoas não sabem, nem o sabem os juristas, que o que se pede ao advogado é a esmola da amizade, mais do que qualquer outra coisa.

A simples palavra “advogado” soa como um grito de ajuda. Advoctus, vocatus ad, chamado a socorrer.

O que atormenta o cliente e o impulsiona a pedir ajuda é a inimizade. As causas civis e, sobretudo as penais são fenômenos de inimizade. A inimizade ocasiona um sofrimento ou, pelo menos, um dano comparável ao de certos males que, quando não revelados pela dor, minam o organismo. Por isso, da inimizade surge à necessidade da amizade. A dialética da vida é assim. A forma elementar da ajuda, para quem se encontra em guerra, é a aliança. O conceito de aliança é a raiz da advocacia.

O acusado sente ter contra si a aversão de muita gente. Algumas vezes, nas causas mais graves, parece-lhe que o mundo inteiro está contra ele. É necessário se colocar no lugar dos acusados, para compreender a sua espantosa solidão e a sua conseqüente necessidade de companhia.

A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é situar-se no último degrau da escada, junto ao acusado.

A soberba é o verdadeiro obstáculo a rogativa. A soberba é uma ilusão de poder.

Em conclusão, é necessário submeter o juízo próprio ao alheio, ainda quando tudo faz crer que não há razão para se atribuir a outro uma maior capacidade de julgar.

No plano social, isso significa colocar-se junto ao imputado.

A poesia é algo que um advogado sente em dois momentos de sua carreira: quando veste pela primeira vez a toga e quando, se ainda não se aposentou, está para aposentá-la – na alvorada e no crepúsculo. Na alvorada, defender a inocência, fazer valer o

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