Concurso de Ensaio Acadêmico realizado pelo ICHS- Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFMT
Por: Edilson Santos • 6/2/2019 • Ensaio • 4.772 Palavras (20 Páginas) • 332 Visualizações
I Concurso de Ensaio Acadêmico realizado pelo ICHS- Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFMT.
Tema do ensaio: Racismos: desafios contemporâneos
SOMOS TODOS NEGROS
Edilson Santos Braga; Welkyn Brás Pereira de Sousa
1 INTRODUÇÃO
Quem nunca viu ou já ouviu falar sobre algum caso de manifestação racista, principalmente nas redes sociais? Dentre tantos, podemos elencar aqui alguns casos de repercussão nacional a exemplo do caso da jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju do Jornal Nacional da rede Globo de Televisão, vítima de comentários racistas na página do Jornal Nacional no facebook, outro caso de mesma natureza, é o da filha adotiva dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank. A criança, de 4 anos na época, foi alvo de comentários racistas a respeito da cor de sua pele e de seu cabelo, sendo chamada de “macaca”, de acordo com o G1 (2017), por fim, o caso do jornalista William Waack, acusado por racismo após o spoiler, nas redes sociais, de um vídeo em que o jornalista usou a expressão “coisa de preto” ao reclamar de buzinas nas ruas, antes da transmissão de uma cobertura que o mesmo fazia para o telejornal do qual era âncora.
“Macacos”, “isso é coisa de preto” e “tinha que ser negro”, são algumas expressões que contrariam a utopia da igualdade social brasileira, ou apenas revela a face hipócrita de uma sociedade fundamentada em preconceitos, discriminação, exclusão e desigualdades sociais? Ou ainda, essas expressões não contrariam o princípio de isonomia, especificamente os artigos 4º e 5º da Constituição Federal? E considerando nossas raízes, nossas manifestações culturais Brasil afora, não seriamos todos negros? Expressões como as mencionadas acima, são no mínimo repugnantes e quando vêm carregadas de sarcasmos, é de longe desprezível, embora denotem [a]a maquiagem da cultura brasileira, uma cultura formada pela mistura de raças, em que numa perspectiva histórica, predominante a “raça branca” é superior e dominante no tocante as “raças” consideradas inferiores, neste contexto tem-se o europeu, o índio e o africano.
Uma das principais características da humanidade é, sem dúvida, as diversidades e inerente a esse fato estão os percalços da difícil convivência entre os “diferentes”, uma convivência marcada por exclusão e muitas vezes opressão, que “delegam” a alguns – por uma construção histórica-social – o direito de classificar, estabelecer hierarquias e atribuir valores às pessoas, como fruto dessa construção, tem-se pessoas reféns, as margens de uma sociedade demagogicamente democrática, vítimas de preconceitos e intolerâncias manifestados de várias maneiras como por exemplo, o preconceito pela cor da pele ou pela etnia, em outras palavras, essas manifestações, nesse sentido, caracterizam o racismo que embora maquiado sob a hipocrisia utópica de uma sociedade brasileira igualitária, sempre existiu.
Embora tenha existido, de acordo com Gilroy (2007), no final do século XVIII, um racismo científico, hoje cientificamente e historicamente, não há argumentos que fundamentam uma “raça” superior a outra. Um breve olhar na história confirma esse fato. De acordo com Guimarães (2011) o conceito de “raça” passou por várias concepções ao longo da história até tornar-se descreditado. Segundo o autor, no Brasil esse fato se ilustra com a revolução de 1930 e, posteriormente o Estado Novo, a Segunda República, que dotaram a nação de uma política cultural baseada em dois pilares, a mestiçagem e a hegemonia da língua e das tradições portuguesas e latinas e como consequência, o desenvolvimento capitalista brasileiro depois de 1930, embasado na homogeneização cultural e racial.
Em âmbito geral, diversos acontecimentos históricos foram prenúncios determinantes para que o termo “raça” perdesse seu sentido. Guimarães (2011) reitera que além de toda configuração política social ocorrida no Brasil, a partir da década de 1930, que por si já são argumentos suficientes para inviabilizar esse termo, deve-se levar em conta as tragédias mundiais ocorridas em virtude do racismo, cujas principais expressões foram o Holocausto, na Segunda Guerra Mundial, a segregação racial nos Estados Unidos, que perdurou no pós-guerra e o apartheid, na África do Sul, até bem recentemente.
Corroborando os argumentos apresentado por Guimarães, Hall (2011) afirma que conceitualmente essa categoria “raça” não é científica. Para o autor, trata-se de uma construção política e social, ou seja, é a categoria discursiva em torno da qual se sustenta um sistema de poder socioeconômico, de exploração e exclusão. Gilroy (2007, p. 50) pondera que o “termo “raça” conjura uma variedade peculiarmente resistente de diferença natural, esteja ele articulado nas mais especializadas línguas da ciência biológica e da pseudociência, ou no idioma vernacular da cultura e do senso comum”. Ainda conforme o autor, este termo, tal qual é empregado hoje, com o sentido de contrastar características conexas e comuns no que concerne ao tipo e a ascendência, é uma construção totalmente moderna que sobredetermina as relações sociais revelando a trágica condição que une a vida de uma espécie comum.
Essas condições caracterizam a “raça”, como sendo uma construção social fundamentada sobre a justificativa da diferenciação social e cultural que legitima, empregando aqui um eufemismo, a exclusão racial. Em outras palavras, acentua-se aí o racismo. Ressalva-se aqui que o racismo, apesar de ser crime no Brasil, ainda é um fenômeno muito presente na nossa sociedade, fato constatado nos diversos manifestos racistas desencadeados nos últimos anos. É um fenômeno que vai além da negritude, como Lázaro Ramos descreve em seu livro, Na minha pele, o preconceito, aqui empregado com alusão ao racismo, é algo nacional, diz respeito ao cidadão e sob o raciocínio de Lazaro Ramos, é como se vivêssemos em um mundo que é nosso, porém, que não nos pertence. É um mundo que nos faz reféns de intolerâncias e ignorâncias.
Dito isto, o presente ensaio tem por objetivo trazer reflexões sobre os fundamentos que sustentam o racismo, considerando que manifestações dessa natureza refutam o fato histórico de que nossas raízes são negras o que nos torna automaticamente negros denotando o paradoxo de uma sociedade democrática, que pressupõe liberdade e igualdade de direitos para todos. Embora haja indicadores de classificação social, no quesito “raça” com alusão a cor da pele somos todos iguais como se diz na clássica música “olhos coloridos”, fruto de uma experiência racista pela qual seu compositor (Macau) passou na década de 70, consagrando-se na década de 80 um clássico da Música Popular Brasileira na voz de Sandra de Sá: “a verdade é que você tem sangue crioulo, tem cabelo duro, sarará crioulo” nesse sentido, Freyre (2006, p. 367), ratifica que “todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo [...] a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena e do negro”. Seguindo essa linha, serão discutidos neste ensaio, fatores que confirmam e respaldam a tese de que somo todos negros.
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