Processos civis sobre direito da família
Tese: Processos civis sobre direito da família. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 21/1/2014 • Tese • 8.349 Palavras (34 Páginas) • 616 Visualizações
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
1
Processo civil no
Direito de Família -
Parte II
Profº Dr. Ivan de Oliveira Silva
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
2
Capítulo I – Crise da sociedade conjugal: opções processuais e
extraprocessuais. União estável 3
O estado mínimo diante das relações afetivas 3
A agonia do instituto da separação como pré-requisito para o divórcio – o caso da
Emenda Constitucional 66/10 4
Divórcio judicial 7
União estável 11
Capítulo II – Tutela processual dos hipervulneráveis: tutela e
curatela 14
Nota introdutória: quem são os hipervulneráveis destinatário da tutela
jurisdicional? 14
Tutela 16
Curatela 19
Referências bibliográficas 21
SUMÁRIO
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
3
CAPÍTULO I – CRISE DA SOCIEDADE
CONJUGAL: OPÇÕES PROCESSUAIS E
EXTRAPROCESSUAIS. UNIÃO ESTÁVEL
O estado mínimo diante das relações
afetivas
O Estado é uma ideia criada pela comunidade
política em que estamos inseridos. No entanto,
dada a sua preexistência, esse ente está presente
na vida dos povos antes mesmo que a pessoa,
individualmente considerada, seja concebida.
Contudo, na contemporaneidade, deparamo-nos
com uma recorrente discussão a respeito do modelo
de Estado em que realmente estamos interessados.
O Direito de Família, diante dessas manifestações
contestatórias, serve, conforme entendemos, como
um verdadeiro termômetro a respeito do Estado em
que, de fato, estamos inseridos e/ou que almejamos.
Outrora, diante do casamento, o máximo que as
pessoas poderiam conseguir era a autorização estatal
de se considerarem apenas desquitadas, mas não
divorciadas.
O desquite, para sermos sinceros, carregava um
amargo toque de reprimenda a todo aquele que
se voltasse contra o modelo conjugal traçado pela
sociedade de então. O desquitado, nesse sentido,
não poderia casar novamente, pois cometeu uma
anátema contra a sociedade e, portanto, deveria
caminhar errante pela terra sem a possibilidade de,
oficialmente, estabelecer nova família.
O desquite era uma verdadeira sanção que atingia
até mesmo os filhos do desquitado havidos em
uma nova união estabelecida sem a bênção estatal.
Nesse momento tenebroso da sociedade brasileira,
os filhos do desquitado havidos fora do casamento
considerado aceito eram considerados adulterinos, a
partir da forma discriminatória de parte da sociedade.
Na perspectiva do Estado mínimo, temos notado
que o sistema jurídico em vigor caminha para uma
concepção de Estado menos interventor nas relações
familiares. Observe-se, nesse sentido, que, até o
final dos anos de 1970, não era possível se cogitar
em divórcio, uma vez que o Estado, por meio da
legislação, não permitia.
O Estado brasileiro, de histórico extremamente
interventor nas relações afetivas, não cogitava há
até pouco tempo a dissolução da sociedade conjugal.
Vamos à síntese dessa história no suspirar do século
XX.
A Constituição de 1934, em seu art. 144, reforçou
a ideia de que o vínculo conjugal era indissolúvel. Foi
seguida pelas Constituições de 1937, 1946 e também
1967. A Carta Política de 1969 foi mais flexível
ao dispor que, no ordenamento jurídico pátrio,
discussões e normas a respeito do divórcio somente
teriam efeito quando tomassem a forma de emenda
constitucional.
Seguindo a diretriz da Constituição Federal
então em vigor, em 28 de junho de 1977, pela
Emenda Constitucional 9, o Estado braseiro decidiu
permitir o divórcio, deixando os pormenores a ser
tratados na legislação infraconstitucional. Essa
abertura constitucional provocou intensas discussões
em território nacional. Tínhamos bandeiras que
sustentavam que o Brasil seria amaldiçoado por essa
decisão e, por outro lado, encontrávamos grupos
sociais que respiravam aliviados pelo menor rigor
estatal no âmbito das relações afetivas.
Diante da possibilidade do divórcio decorrente
da Emenda Constitucional 9/77, o assunto foi
regulamentado, pela primeira vez, pela Lei
6.515/1977, reconhecida pelos operadores do Direito
da época como a polêmica Lei do Divórcio.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
4
Fonte: http://casamento.culturamix.com/blog/wpcontent/
uploads/2013/02/Div%C3%B3rcio.jpg.
A Lei 6.515/77, contudo, procurou manter o
caráter interventor do Estado quando, em seu art.
38, somente permitiu o divórcio uma única vez. Em
decorrência da pressão de grupos sociais, que ainda
entendiam que o diploma em referência impunha
uma intervenção não razoável nas relações afetivas,
veio a lume a Lei 7.841/89, que revogou a restrição
quantitativa do divórcio. Assim, desde 17.out.1989,
há permissão estatal de divórcios múltiplos em
território nacional.
A Lei 7.841/89, que, como anotamos, revogou
a norma que permitia o divórcio por uma única
vez, promoveu uma adequação da legislação
infraconstitucional à nova diretriz constante na
redação do parágrafo 6º do art. 226 da Constituição
Federal de 1988.
Em mais um passo significativo na marcha da
formação de um Estado mínimo diante das relações
afetivas travadas entre as pessoas que se encontram
em território nacional, podemos citar a Lei 11.441/07,
que, após proceder à alteração de dispositivos
do Código de Processo Civil, abriu a possibilidade
legislativa de que os interesses envolvendo a gestão
da vida afetiva passassem a ser solucionados na via
extrajudicial, ou seja, na presença de um notário.
Com efeito, por meio das alterações processuais
decorrentes dessa lei, atualmente, o Estado permite
que inventários1, partilhas2, separação e divórcio3,
desde que consensuais e sem incapazes envolvidos,
sejam realizados pela via administrativa. Por tal,
entenda-se diante de um notário, que, nos termos
da legislação em vigor, é profissional habilitado para
o exercício de atos notariais.4
Podemos ainda ressaltar a última grande
alteração legislativa, ocorrida em 2010. A Emenda
Constitucional 66/10 alterou o parágrafo 6º do art. 226
da Constituição Federal, dispondo que “o casamento
civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. Desse modo,
o Estado deixou de exigir a prévia separação, fosse
ela judicial de um ano ou de fato de dois anos, como
requisito para a dissolução do vínculo conjugal.
A respeito da celeuma jurídica decorrente da
Emenda Constitucional 66/10, reservaremos espaço
para discutirmos e apresentar nossa posição no item
a seguir.
A agonia do instituto da separação como
pré-requisito para o divórcio – o caso da
1 Os arts. 982 e 983 do Código de Processo Civil passaram a apresentar
as seguintes redações: “Art. 982. Havendo testamento ou interessado
incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e
concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública,
a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário. Parágrafo
único. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes
interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de
cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
Art. 983. O processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro de
60 (sessenta) dias a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos
12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de
ofício ou a requerimento de parte”.
2 Eis a nova redação do art. 1.031 do Código de Processo Civil: “A
partilha amigável, celebrada entre partes capazes, nos termos do art.
2.015 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, será
homologada de plano pelo juiz, mediante a prova da quitação dos
tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, com observância
dos arts. 1.032 a 1.035 desta Lei”.
3 A respeito das separações e divórcios consensuais, o Código de
Processo Civil passou a vigorar com um novo artigo, o 1.124-A, conforme
segue: “A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo
filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais
quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual
constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens
comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada
pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome
adotado quando se deu o casamento. § 1o A escritura não depende
de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o
registro de imóveis. § 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os
contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de
cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 3o A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se
declararem pobres sob as penas da lei”.
4 A propósito, vide Ceneviva, 2010.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
5
Emenda Constitucional 66/10
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/-SsuX--cBatA/
T2dxLdP8A2I/AAAAAAAAAZE/lAXxcVmpKWM/
s320/div%25C3%25B3rcio%2Bimediato.jpg.
Convém anotar que, embora a Emenda
Constitucional 66/10 tenha ainda provocado
polêmicas entre os juristas brasileiros, o certo é que
estamos diante de uma nova geografia constitucional
relativamente à presença da vontade estatal na
gestão das relações afetivas. É o que, de nossa
parte, temos denominado “Estado mínimo diante das
relações afetivas”.
Acreditamos que andou bem o legislador de 2010,
embora o tema seja ainda alvo de severas resistências
por parte daqueles que almejam uma forte presença
estatal no cotidiano afetivo dos que estão sujeitos à
tutela do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Com efeito, frente à alteração constitucional 66/10,
pelos menos dois grupos, ambos com argumentos
fortes, envolveram-se na discussão sobre se a
separação judicial tornou-se ou não um instrumento
jurídico suprimido de nosso sistema jurídico.
Quanto à manutenção ou não da separação5
em nosso ordenamento jurídico, há dois tipos de
5 Tratando-se de separação judicial, a extinção da sociedade conjugal
não pressupõe o desfecho do vínculo matrimonial: ela põe termo às
argumentos recorrentes: a) acreditam alguns que,
com a Emenda Constitucional 66/10, a extinção da
separação depende de norma infraconstitucional
para a sua efetividade6; b) por outro lado, há quem
entenda que a supressão da separação ocorreu
automaticamente com o advento da EC 66/10, não
dependendo, portanto, de norma infraconstitucional
regulamentadora.7
Vale citar as palavras de Gagliano e Pamplona Filho
(2010), que, com lucidez, apresentaram a respeito da
polêmica uma série de argumentos no sentido de que
a separação judicial, com a mudança do parágrafo 6º
do art. 226 da Constituição Federal, não mais existe.
Observemos as palavras os citados juristas:
Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não
apenas a sociedade conjugal é desfeita, mas
o próprio vínculo matrimonial, permitindose
novo casamento; sob o viés psicológico,
evita-se a duplicidade de processos – e
o strepitus fori – porquanto pode o casal
partir direta e imediatamente para o divórcio;
e, finalmente, até sob a ótica econômica, o
fim da separação é salutar, pois, com isso,
evitam-se gastos judiciais desnecessários
por conta da duplicidade de procedimentos
(GAGLIANO; PAMPLONA, 2010, p. 545).
De modo enfático, afirma Paulo Lobo (2010) que,
no que respeita à interpretação sistemática,
não se pode estender o que a norma restringiu.
Nem se pode interpretar e aplicar a norma
desligando-a de seu contexto normativo.
Tampouco, podem prevalecer normas do Código
Civil ou de outro diploma infraconstitucional,
que regulamentavam o que previsto de modo
expresso na Constituição e que esta excluiu
relações do casamento, mas mantém intacto o vínculo, o que impede
os cônjuges de contrair novas núpcias. Somente a morte, a anulação
e o divórcio rompem o vínculo, autorizando os ex-cônjuges a novo
casamento. (PEREIRA, 2004, p. 249).
6 Conf. Cláudio da Costa Machado, O Novo Divórcio e a Emenda
66/2010. 2010. Disponível em: http://www.professorcostamachado.
com/?p=262, acesso em: 20.jun.2013. Sugerimos uma leitura do artigo
em referência, na medida em que Costa Machado apresenta, para
fundamentar sua posição, não menos que vinte argumentos, que, por
sua vez, convenceram parte dos operadores do Direito.
7 Conf. Gagliano; Pamplona, 2010.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
6
posteriormente. Inverte-se a hierarquia
normativa, quando se pretende que o Código
Civil valha mais que a Constituição e que esta
não tenha força revocatória suficiente.
Prossegue o doutrinador:
A nova redação do § 6º do art. 226 da
Constituição qualifica-se como norma-regra,
pois seu suporte fático é precisamente
determinado: o casamento pode ser
dissolvido pelo divórcio, sem qualquer
requisito prévio, por exclusivo ato de
vontade dos cônjuges. [...] O resultado
da sobrevivência da separação judicial
é de palmar inocuidade, além de aberto
confronto com os valores que a Constituição
passou a exprimir, expurgando os resíduos
de quantum despótico: liberdade e
autonomia sem interferência estatal.
[...] Pode-se indagar se a nova norma
constitucional provoca um vazio legislativo,
que exija imediata regulamentação legal,
tendo em vista que ela leva à revogação
de todas as normas infraconstitucionais,
principalmente as do Código Civil, relativas
à dissolução da sociedade conjugal e seu
instrumento, a separação judicial (ibidem).
De igual maneira, no mesmo compasso e ênfase
enérgica, continuam Gagliano e Pamplona Filho
(2011, p. 545):
E o fato de a separação admitir a reconciliação
do casal – o que não seria possível após o divórcio,
pois, uma vez decretado, se os ex-consortes
pretendessem reatar precisariam se casar de
novo – não serve para justificar a persistência
do instituto, pois as suas desvantagens são,
como vimos acima, muito maiores. Ademais,
uma simples observação do dia a dia forense
permite constatar que não são tão frequentes os
casos em que há um arrependimento posterior à
separação judicial, dentro de um enorme universo
de separações que se convertiam em divórcios.
Muito bem, a partir da promulgação da Emenda,
o instituto da separação judicial desapareceu
do nosso sistema e, por consequência, toda a
legislação (que o regulava) sucumbiria, sem
eficácia, por conta de uma não recepção.
De nossa parte, consoante o fato de que
defendemos um Estado mínimo diante dos interesses
afetivos dos cidadãos sob sua tutela, sustentamos
que a separação, seja ela judicial ou de fato, por força
da Emenda Constitucional 66/2010, não subsiste em
nosso ordenamento judicial como requisito para o
divórcio.
Repetimos: não existe mais a separação como
requisito para sustentar a ação de divórcio. No
entanto, caso os litigantes optem, por questão
de foro íntimo, pela separação antes do terminal
pedido, acreditamos que isso é sustentável, pois a
legislação infraconstitucional ainda prevê a existência
da referida medida.
Contudo, é incabível sustentar o requisito da
separação para o divórcio por meio do Estado-juiz
quando a própria Constituição aboliu esse requisito.
Fica, assim, ao alvitre dos cônjuges, como uma
opção. É que defendemos diante da miríade de outros
argumentos e teses a respeito do tema. Observe-se,
com efeito, que o nosso raciocínio tem uma premissa
maior: nossa defesa de um Estado de intervenção
mínima nas questões afetivas de seus cidadãos.
Contudo, alertamos o leitor sobre o fato de que
há posicionamentos jurisprudenciais no sentido de
que a figura da separação judicial não mais existe
em nosso ordenamento jurídico, mesmo quando
os litigantes, em demanda de separação, postulam
o reconhecimento judicial do status de separados
judicialmente,8 posição da qual, frente nossos
argumentos acima, ousamos discordar.9
8 Conferir a compreensão de Fiuza, 2011, especialmente p. 1054 e ss.
9 No mesmo entendimento vai Donizetti (2011, p. 369), conforme segue:
“Pela inteligência do art. 1.571 do CC/02, a separação é direito material
(que dissolve a sociedade), sendo alternativa ao divórcio (que rompe o
vínculo), conferindo à parte opção entre esta ou aquela medida. Essa
norma em nada se confronta com o texto constitucional emendado, que,
nesse aspecto, somente autorizou a dissolução imediata do casamento
pelo divórcio, sem a necessidade de preenchimento de condições
prévias”.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
7
Divórcio judicial
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_LT3PeFgIa68/TPjjEESQeSI/
AAAAAAAAAd8/GuZSMOi6ZaM/s1600/divorcio.jpg.
Feitas nossas considerações a respeito da
discussão recente da permanência ou não da
separação (sobretudo, a judicial) em nosso
ordenamento civil-constitucional, abrimos espaços
para anotarmos questões processuais a respeito do
divórcio judicial. Falamos em divórcio judicial em
razão da possibilidade, já aventada, da promoção do
divórcio extrajudicial, desde que não haja testamento
ou incapazes interessados.
Naturalmente, e dificilmente há quem negue, a via
extrajudicial é mais benéfica para aqueles que estão
diante da ruptura da sociedade conjugal. No entanto,
a via administrativa, mais célere e menos custosa,
poderá não ser possível por vedação legislativa10 ou,
ainda, pelo fato de pelo menos uma das partes insistir
no litígio. Assim, sempre que não for possível a via
administrativa, resta a judicial como única alternativa
para a decretação da ruptura do vínculo conjugal.
Com efeito, antes da vigência do Código Civil de
2002, a Lei 6.515/77 ordenava os aspectos materiais
e processuais das demandas relacionadas ao
pedido de divórcio. Contudo, com o referido Codex,
questionou-se qual diploma deveria ser aplicado.
O entendimento dominante é que a Lei 5.515/77,
Lei do Divórcio, subsiste em seu âmbito processual
(TARTUCE, 2012, p. 230 e ss.). Desse modo, estamos
10 Lembremos que a legislação em vigor somente permite essa opção
quando não houver litígio, testamento ou incapaz portador de legítimo
interesse no resultado do divórcio, conforme expresso pela Lei 11.441/07.
diante da necessidade de uma hermenêutica que
privilegie o diálogo entre as fontes11, ou seja, um
diálogo entre a lei de 1977 e o Código Civil de 2002.
Nas ações de divórcio judicial, vige a regra de foro
privilegiado da mulher, nos termos do art. 100, I, do
Código de Processo Civil.12 Esse preceito foi alvo de
controvérsia, notadamente sob os argumentos de
que a Constituição Federal estabeleceu o princípio da
igualdade entre homens e mulheres.13
Farias e Rosenvald (2008, p. 296), com argumentos
sólidos, pugnam pela constitucionalidade desse
dispositivo processual, por entenderem que, em
vários espaços de nosso país, ainda há mulheres em
situação de desigualdade nas relações afetivas. Ao
contrário, Cahali (2000, p. 527) entende que fere o
princípio constitucional da igualdade.
De nossa parte, porém, entendemos que o art.
100, I, deve ser observado conforme o caso concreto.
Assim sustentamos pelo fato de que, na vida
moderna, nem sempre a mulher está em situação de
vulnerabilidade em comparação com o homem. Há
aquelas independentes e com carreiras profissionais
sólidas e promissoras. São as mulheres de sucesso
em nossa sociedade, que, em nome da razoabilidade,
não podem ser tratadas como vulneráveis.14
No que diz respeito à legitimidade, o divórcio tratase
de ação personalíssima, sendo que, na hipótese
de morte de um dos cônjuges, os sucessores não
poderão assumir a condição de réus ou autores em
lugar do de cujus. Nessa senda, vale considerar
a regra do art. 1.576, § único, do Código Civil, in
verbis: “O procedimento judicial da separação caberá
somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade,
11 A respeito do diálogo das fontes, leia-se Jayme, 1995.
12 “Art. 100. É competente o foro: I - da residência da mulher, para a
ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e
para a anulação de casamento.”
13 “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.” De
igual modo, reza o art. 226, § 5º, da Constituição: “Os direitos e deveres
referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem
e pela mulher”.
14 No mesmo sentido, Nogueira, 2004, p. 110.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
8
serão representados pelo curador, pelo ascendente
ou pelo irmão”.
A norma acima transcrita deixa clara a natureza
personalíssima da ação de divórcio e ainda legitima o
curador, o ascendente ou os irmãos para assumirem
a referida lide, mas somente na hipótese de
incapacidade do cônjuge.
Um tema muito importante na ação de divórcio é
o da citação do réu. A repeito do assunto, vale anotar
que o Código de Processo Civil faz compreender,
de acordo com os arts. 221 e 222, que a regra é a
citação pelo correio:
Art. 221. A citação far-se-á:
I - pelo correio;
II - por oficial de justiça;
III - por edital.
IV - por meio eletrônico, conforme regulado
em lei própria.
Art. 222. A citação será feita pelo correio,
para qualquer comarca do País, exceto:
a) nas ações de estado;
b) quando for ré pessoa incapaz;
c) quando for ré pessoa de direito público;
d) nos processos de execução;
e) quando o réu residir em local não atendido
pela entrega domiciliar de correspondência;
f) quando o autor a requerer de outra forma.
No entanto, considerando que a lide de divórcio
diz respeito a ação de estado, o diploma processual
dispõe em exceção à regra e, desse modo, as
referidas lides deverão abrir espaço para a citação
pessoal por oficial de justiça,conforme interpretação
dos comandos normativos em referência.
Por outro lado, no plano fático, sabemos que nem
sempre os réus se encontram em local conhecido
pelo autor. Até mesmo, quando a vivência conjugal
é rompida, não é incomum os cônjuges tomarem
endereços diferentes, por vezes desconhecidos ao
antigo companheiro de projeto de vida em comum
naufragado. Diante dessa hipótese, mesmo em ação
de estado, o Código de Processo Civil, no art. 231,15
permite que a citação seja por meio de edital. Para
tanto, o paradeiro do réu deverá ser ignorado, incerto
ou inacessível.
Não raro, os tribunais brasileiros são instados a se
manifestarem sobre a citação por edital em lides de
divórcio. Por todos, citamos julgado do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal que enfrentou a questão
da necessidade de esgotamento de todos os meios
razoáveis para a realização da citação pessoal do
réu em lides que dizem respeito a ação de estado.
Verifiquemos a elucidativa ementa:
Processual Civil. Separação Judicial.
Divórcio Litigioso. Conversão. Réu. Citação por
edital. Requisitos. Esgotamento de Diligências
Destinadas à Localização do Citando. Realização.
Pressuposto de Garantia. Regularidade.
1. A citação por edital tem como pressuposto
de garantia o esgotamento de meios disponíveis
para localização do citando, por medida de
segurança jurídica, o que encontra respaldo no
devido processo legal, pois consubstancia o ato
citatório a forma de ser o acionado advertido da
pretensão formulada em seu desfavor e de que
o assiste o direito de se defender em face do
reclamado, não podendo, ainda, se desconsiderar
15 Art. 231. Far-se-á a citação por edital:
I - quando desconhecido ou incerto o réu;
II - quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se
encontrar;
III - nos casos expressos em lei.
§ 1o Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o
país que recusar o cumprimento de carta rogatória.
§ 2o No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a
notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca
houver emissora de radiodifusão.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
9
os demais requisitos estampados nos artigos 231
e 232 do Código de Processo Civil.
2. Conquanto na dicção literal da regulação
instrumental a consumação da citação pela via
editalícia prescinda, inclusive, do esgotamento
das diligências possíveis para a localização do
paradeiro do réu, afigurando-se suficiente para
que se revista de legitimidade e eficácia que o
autor afirme que desconhece o paradeiro do
citando e não sobeje nenhum indício de que
essa assertiva está desprovida de legitimidade, a
realização de diligências destinadas ao encontro
do paradeiro do citando afigura-se consoante os
postulados que guarnecem o devido processo
legal e a segurança jurídica, resultando que,
em tendo sido realizadas diligências com esse
desiderato de forma infrutífera, não padece
de nulidade o ato citatório consumado com
observância desses requisitos (CPC, arts. 231 e
232).
3. Apelação conhecida e desprovida.
Unânime. (TJDF – Acórdão n. 650543,
20110510097985APC, Relator: TEÓFILO
CAETANO, Revisor: SIMONE LUCINDO, 1ª Turma
Cível) (fonte: DJE: 5.fev.2013, p. 337.)
O julgado acima resulta de autos de conversão
de separação judicial em divórcio, mas o seu sentido,
profundo e direto, pode ser aplicável a todos os feitos
que dizem respeito a ações de estado.
Vale, entretanto, destacar mais uma vez o
impacto da Emenda Constitucional 66/10, que, como
vimos, estabeleceu uma série de controvérsias nas
discussões relacionadas ao Direito de Família. Nesse
aspecto, entendemos pertinente trazer à tona um
julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
em que, em sede de apelação, o desembargador Rui
Portanova decidiu no sentido da desnecessidade das
práticas de esgotamento à busca do réu, pois, com a
EC 66/10, as lides que dizem respeito a divórcio foram
elevadas à esfera dos interesses potestativos e, por
conta disso, não há nada que o requerido possa fazer
para impedir a sua decretação pela via judicial.
Apelação Cível. Divórcio Direto. Citação por
edital. Desnecessário o pleno esgotamento
das vias ordinárias para proceder-se à citação
da parte ré em ação de divórcio. O direito ao
divórcio tem natureza potestativa. E em face às
recentes mudanças trazidas pela EC 66/2010,
não há mais exigência de prazo de separação
para sua concessão. Logo, a impugnação ao
pedido de divórcio resta esvaziada, de forma
que se mostra desproporcional exigir que a parte
postulante do divórcio permaneça no estado de
casada até que se ultime a busca pela citação
real da parte ré. Diante disso, é cabível a citação
do réu por edital quando não localizado para ser
citado pelos meios ordinários.” (TJRS. 8ª Câmara
Cível. AC. 70044818680, Rel. Rui Portanova, j.
06.10.2011, DJ 11.10, 2011) (apud TARTUCE,
2012, p. 241).
Em nossa mira, acompanhamos o entendimento
de Rui Portanova, que, em vários momentos de sua
atuação, tem pugnado por uma interpretação mais
coerente do Direito, mesmo quando é necessário
tomar posições minoritárias. Por outro lado, a
decisão acima apenas demonstra a necessidade de
interpretação do Direito sob a ótica da Constituição
Federal, visto que, na discussão aventada, é
inadmissível a interpretação do texto infralegal
desconsiderando a modificação significativa do art.
226, § 6º,16 da CF por meio da EC 66/10.
Nesse compasso, convém anotar o entendimento
de Rui Portanova, em julgado de dois feitos conexos:
o primeiro tratou do cabimento da citação por edital
em divórcio, sem necessidade de esgotamento das
vias ordinárias para localização do réu; o segundo
diz respeito ao tratamento diferenciado quanto ao
pedido de partilha dos bens, pois, nessa hipótese,
optou-se pela necessidade de esgotamento de todos
os meios ordinários para a localização.
16 Comparemos a redação antiga e a atual do referido parágrafo:
a) Redação antes da EC 66/2010: “O casamento civil pode ser dissolvido
pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos
casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de
dois anos”.
b) Redação advinda com a EC 66/2010: “O casamento civil pode ser
dissolvido pelo divórcio”.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
10
Agravo de Instrumento. Divórcio.
Partilha. Citação por Edital. O divórcio.
Caso em que se mostra desnecessário o
pleno esgotamento das vias ordinárias
para proceder-se à citação da parte ré em
ação de divórcio. O direito ao divórcio tem
natureza potestativa. E em face às recentes
mudanças trazidas pela EC 66, não há mais
exigência de prazo de separação para sua
concessão. Nesse passo, a impugnação ao
pedido de divórcio resta esvaziada, de forma
que se mostra desproporcional exigir que
a parte postulante do divórcio permaneça
no estado de casada até que se ultime a
busca pela citação real da parte ré. Diante
disso, é cabível a citação do réu por edital
quando não localizado para ser citado pelos
meios ordinários (Agravo de Instrumento nº
70040420903, Oitava Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, julgado
em 18.mar.2011. Disponível em: http://
br.vlex.com/vid/-264773306, acesso em:
20.nov.2013, grifo nosso).
Por outro lado, no que diz respeito à partilha,
prossegue Portanova: “Contudo, no que diz com a
citação para a ação de partilha, tratando-se de direito
patrimonial, descabe a citação ficta, sem antes se
esgotar todos os meios de localização do réu”
(ibidem).
Em síntese, observemos o seguinte entendimento
do relator do citado feito: “Nesse contexto, é cabível
a citação por edital para a ação de divórcio, devendo
a parte prosseguir na tentativa de citação do réu
para a partilha através dos meios ordinários. Recurso
parcialmente provido. Em monocrática” (ibidem).
Aproveitando o caminho aberto pelo julgado
acima, anotamos que, após a EC 66/10, por mais
assustador que possa parecer, não há mais espaço
para defesa do réu relativamente ao pedido vinculado
ao cônjuge, autor do feito, que pretende dissolução
do projeto conjugal. Não há forma de resistência
apenas pautada na emulação do réu, não há mais
prazo como requisito.
No entanto, ainda quanto à defesa do réu, como
lembra Fernanda Tartuce (2012, p. 244), quando o
pedido de divórcio for cumulado com outros, tais
como partilha de bens, guarda de filhos, alimentos
etc., a contestação poderá abordar ampla matéria de
defesa.
Naturalmente, todo o processo inicia-se para
chegar ao seu fim de modo célere, com vistas à
atenção ao ideal de efetividade das decisões judiciais.
A morosidade processual é uma aberração ao sistema
e não deve, portanto, ser visto como algo normal e
aceitável. Portanto, o processo lento é um mal, uma
anomalia que merece ser rejeitada pelos operadores
do Direito e também pelos jurisdicionados. Triste
momento em que o horror da morosidade processual
passe a ser visto como algo normal e explicável com
base na reserva do possível.17
Como sabemos, o fim do processo se dará por
sentença, que poderá ser de mérito ou não. O
entendimento de que a ação de divórcio pura e simples
não abre espaço para dilação probatória privilegia o
direito fundamental à celeridade do processo.
De modo mais restrito, concernente à necessidade/
possibilidade de celeridade nessas decisões,
deparamo-nos com mais um tema que tem suscitado
polêmicas após a alteração do estatuto constitucional
do divórcio. A partir de 2010, sobretudo, passou-se
a discutir a possibilidade de cisão da decisão nesses
processos, visto que, no plano constitucional, não há
obstáculos para a decretação do divórcio formulado
por um ou por ambos os cônjuges.
A questão, em suma, é a seguinte: imaginemos
um processo de divórcio que tenha, além do pedido
primário, pedidos secundários (e em litígio), por
exemplo, o arbitramento dos alimentos, a guarda de
filhos e a partilha. Quanto ao divórcio, como vimos, não
há mais motivos para dilação probatória na resposta
17 A propósito, vide Silva, 2004.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
11
do réu, pois se trata de um direito potestativo. Seria,
portanto, razoável arrastar a decisão do decreto de
divórcio até a solução dos temas conflituosos da lide?
A resposta à questão suscitada encontra diretriz
em nosso sistema processual. Como não há tema
controvertido em um dos pedidos, o caminho
adequado é a antecipação da tutela, conforme dispõe
o art. 273, § 6º, do Código de Processo Civil, em destaque: “A tutela
antecipada também poderá ser concedida quando
um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela
deles, mostrar-se incontroverso”. Ora, se não há mais
espaço para a dilação probatória, se não há requisitos
para o decreto do divórcio, logicamente, esse pedido,
por natureza, é incontroverso, autorizando-se, assim,
a antecipação da tutela quando o feito apresentar
pedidos cumulados.
São esses nossos comentários dos temas que
entendemos mais relevantes à discussão atinente
à crise na sociedade conjugal: opções judiciais e
extrajudiciais. Vamos aos nossos comentários a
respeito da união estável.
União estável
Fonte: http://andremansur.com/blog/wp-content/
uploads/2013/11/andre-mansur-justica-reconheceuniao-
estavel-entre-parentes-de-3o-grau.jpg.
A união estável é uma opção de formação de
família existente na sociedade brasileira antes mesmo
do seu reconhecimento pela Constituição Federal.
A propósito, reza o art. 226, § 3º, da Constituição
Federal de 1988: “Para efeito da proteção do Estado,
é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
sua conversão em casamento”.
É curiosa e, ao mesmo tempo, inócua a parte final
do texto. Ora, qual seria a intenção do legislador
ao estabelecer que a lei deve facilitar a conversão
da união estável em casamento? Em qual contexto
os conviventes almejam tal convolação? Já passou
da hora de alteração dessa malograda tentativa
constitucional de apresentar a união estável como um
instituto, ou uma forma de família, que merece ser
resgatada da margem social por meio do casamento.
Consoante a breve introdução acima, adiantamos
que, neste item, aproximaremos nossos comentários
do cenário do reconhecimento da união estável, bem
como dos caminhos judiciais ou extrajudiciais para
tal.
A união estável, como afirmarmos, é uma forma de
constituição familiar, reconhecida pela Constituição
Federal e também pela legislação infraconstitucional.
Na norma subconstitucional, ela é regulamentada
pela Lei 9.278/96 e, ainda, pelos arts. 1.723 a 1.727
do Código Civil.
Art. 1.723. É reconhecida como entidade
familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o
objetivo de constituição de família.
§ 1o A união estável não se constituirá se
ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não
se aplicando a incidência do inciso VI no caso de
a pessoa casada se achar separada de fato ou
judicialmente.
§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não
impedirão a caracterização da união estável.
Art. 1.724. As relações pessoais entre os
companheiros obedecerão aos deveres de
lealdade, respeito e assistência, e de guarda,
sustento e educação dos filhos.
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato
escrito entre os companheiros, aplica-se às
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
12
relações patrimoniais, no que couber, o regime
da comunhão parcial de bens.
Art. 1.726. A união estável poderá converterse
em casamento, mediante pedido dos
companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
Art. 1.727. As relações não eventuais entre
o homem e a mulher, impedidos de casar,
constituem concubinato.
De início, convém anotar que a união estável, para
a sua configuração, depende única e exclusivamente
da vontade das partes. Não é preciso que haja
interferência estatal para que ela se concretize como
forma válida e aceita de constituição de família.
Mesmo quando seja necessária a utilização de ação
judicial para o seu reconhecimento, não é o Estado
que a constitui, uma vez que a sentença judicial
que a reconhece tem natureza declaratória e não
constitutiva.
Com efeito, no que tange à discussão do foro
privilegiado para a união estável, por força do art.
100, I, do Código de Processo Civil, remetemos o
leitor para nossos comentários a respeito do tema
no âmbito do casamento, pois entendemos que, de
acordo com o caso concreto, poderá ser aplicado o
referido comando, por estarmos diante de modalidade
familiar.
Nesse aspecto preliminar, convém registrar que a
discussão a respeito do foro competente para julgar
e processar lides envolvendo questões familiares é
a vara da família, onde houver. No atual desenho
constitucional, restou ultrapassada a tese em que se
sustentava que o juízo cível era o competente, uma
vez que não resta dúvida de que a vara da família não
é vara de casamento, mas sim um espaço jurisdicional
para julgar e processar causas envolvendo conflitos
oriundos das relações familiares. Embora reconheçam
as controvérsias, Farias e Rosenvald (2012, p. 571)
apresentam posições doutrinárias em que se postula
que as varas de família são as mais adequadas para
processar e julgar conflitos decorrentes das relações
concubinárias.
Dentre as ações envolvendo a união estável,
a mais verificada na práxis forense é a de
reconhecimento e dissolução. Essa ação pode ter por
objeto simplesmente o reconhecimento do vínculo
de convivência, mesmo quando os companheiros
estiverem vivos (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 575-
6), em que pese o fato de que atos com tal propósito
podem ser levados a efeito na instância extrajudicial,
a exemplo de escritura pública que obtenha efeito
semelhante a uma sentença.
Há quem esposa entendimento de que terceiros
têm legitimidade para o reconhecimento da união
estável, em que pese ser ela ação de estado. É o que
sustenta Fernanda Tartuce (2012, p. 261), com apoio
em julgado:
O fato de ser de estado, contudo, não deve
conduzir o intérprete à conclusão sobre tratarse
de ação personalíssima. A demanda em tela
difere do divórcio pela sua natureza: não tem
o condão de constituir ou desconstituir status
jurídico, apenas obtém o seu reconhecimento
judicial. Assim, não pode ser considerada
personalíssima, mormente quando levamos em
conta que o status jurídico dos companheiros
existe independentemente de decisão judicial e
pode gerar repercussões patrimoniais na esfera
de direitos de diversas pessoas.
Nessa linha de raciocínio, Tartuce (ibidem), após
reconhecer que os filhos e demais herdeiros do
convivente falecido têm legitimidade ativa para a
demanda de reconhecimento da união estável, dá a
entender que também atribui essa legitimidade para
os credores de um dos companheiros.
De nossa parte, discordamos, em parte, da ilustre
doutrinadora, uma vez que não atribuímos essa
legitimidade aos credores, haja vista que eles são
pessoas alheias à opção afetiva dos companheiros,
uma vez que seus interesses são apenas creditícios.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
13
Essa legitimidade para a propositura da ação post
mortem de reconhecimento de união estável,
atribuímos apenas aos herdeiros do companheiro ou
companheiros falecidos.
Diga-se, ainda, que recentemente o STJ se
manifestou em endosso a nossa já antiga posição,
conforme notícia:
Credor não tem legitimidade para
pedir reconhecimento de união estável
do devedor
Ainda que possa haver interesse
econômico ou financeiro de terceiros no
reconhecimento da união estável, ele terá
caráter reflexo e indireto, o que não justifica
a intervenção desses terceiros na relação
processual que tem por objetivo declarar a
existência de relacionamento afetivo entre
as partes.
Com esse entendimento, a Terceira Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou
provimento a recurso especial interposto por
um credor, que pleiteava o direito de propor
ação declaratória de união estável entre a
devedora e uma pessoa falecida.
Além do reconhecimento da relação
familiar, o credor pediu a partilha de bens do
casal, a fim de que a devedora recebesse a
meação devida em processo de inventário e,
consequentemente, tivesse patrimônio para
saldar a dívida que contraiu.
Ilegitimidade ativa
A sentença extinguiu o processo sem
resolução de mérito, sob o fundamento de
ilegitimidade ativa do autor para pleitear o
reconhecimento da união estável entre a ré
e terceiro.
O acórdão de apelação chegou à mesma
conclusão: “Não é dotado de legitimidade ad
causam para propor ação de reconhecimento de
união estável cumulada com partilha o credor de
um dos conviventes.”
No STJ, o credor alegou violação do artigo
3º do Código de Processo Civil (CPC). Disse que
teria interesse e legitimidade para propor a ação,
porque a devedora estaria ocultando a união,
não se habilitando no inventário do companheiro
exatamente para evitar que o valor devido fosse
penhorado.
Pertinência subjetiva
A ministra Nancy Andrighi, relatora, afastou
a violação ao CPC. Para ela, “a legitimidade,
como condição da ação, implica a existência
de uma relação de pertinência subjetiva entre
o sujeito e a causa, ou seja, uma relação de
adequação legítima entre o autor da ação e a
tutela jurisdicional pretendida”.
Para a relatora, não há relação de pertinência
subjetiva na situação dos autos porque, mesmo
na condição de credor, ele não é titular da relação
jurídica que pretende ver declarada.
Nancy Andrighi disse ainda que “não
interessam os motivos pelos quais a recorrida
não se habilitou no inventário. O que importa
é que somente ela tem direito a pleitear o
reconhecimento dessa condição. Em outras
palavras, somente ela tem legitimidade para
requerer a declaração de união estável e
a aplicação dos efeitos decorrentes dessa
declaração” (fonte: http://www.stj.jus.br/portal_
stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.
texto=112242, acesso em: 20.nov.2013).
De outro lado, assim como ocorre no casamento,
é possível também se cogitar medida cautelar de
separação de corpos entre companheiros em união
estável. Essa possibilidade dá-se em razão do art.
888, VI,18 combinado com o art. 798,19 do Código
18 “Art. 888. O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência
da ação principal ou antes de sua propositura: [...] Vl - o afastamento
temporário de um dos cônjuges da morada do casal; [...].”
19 “Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este
Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as
medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
14
de Processo Civil. O afastamento do convivente do
ambiente familiar, embora seja mais utilizado em
casos onde há casamento (tanto é que o art. 888, VI,
discorre sobre cônjuge), decorre do poder geral de
cautela aplicável a todas as relações familiares, sejam
elas nascidas do casamento, da união estável ou,
segundo entendemos, até mesmo do concubinato.
Rita Quartieri (2009, p. 37) bem sintetiza o
denominado poder extraordinário do magistrado em
circunstâncias em que o direito de uma das partes
esteja em risco. Observemos suas palavras:
A esse poder convencionou chamar “poder
geral de cautela”, destinado a prestar a tutela
de segurança em situações não regradas pelo
legislador, desde que presente o suporte fático
ao seu ensejo.
Cuida-se de norma em branco, a autorizar a
concessão de qualquer medida adequada para
assegurar a tutela do direito que reclama proteção
de segurança. Respeitado esse parâmetro e a
presença dos pressupostos legais (periculum in
mora e fumus boni iuris), esse poder é amplo,
sendo admitido para regrar a incompletude do
sistema cautelar.
Ainda no cenário da união estável, além das
clássicas ações de alimentos e embargos de terceiro,
é perfeitamente possível que o companheiro utilize-se
da ação de petição de herança para reconhecimento
de sua qualidade de herdeiro e, ainda, da posse e
propriedade dos bens deixados pelo companheiro
falecido.
Vale, ainda, anotar que
é possível o ajuizamento de ações possessórias
de (reintegração, manutenção de posse ou
interditos proibitórios) pelo companheiro para
a recuperação do bem (móvel ou imóvel) que
esteja sendo possuído por apenas um deles,
mas que não lhe pertença, por estar excluído da
receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito
da outra lesão grave e de difícil reparação.”
meação, por lei (CC, art. 172520) ou por contrato
de convivência21.
Somente não será possível o manejo das
ações possessórias quando o bem objeto da
demanda tiver sido adquirido na constância do
relacionamento, pois, em tal hipótese (salvo
a existência de contrato expresso escrito...),
haverá absoluta presunção de colaboração
e consequente partilha do bem (FARIAS;
ROSENVALD, 2012, p. 579.
Como vimos acima, nosso sistema jurídico
apresenta diversos mecanismos processuais para
a tutela da união estável como instituto jurídico
constitucionalmente reconhecido. Não é, pois,
uma forma de constituição de família fora do eixo
de proteção do Estado, embora a sua formação
independa da interferência estatal.
CAPÍTULO II – TUTELA PROCESSUAL
DOS HIPERVULNERÁVEIS: TUTELA E
CURATELA
Nota introdutória: quem são os
hipervulneráveis destinatário da tutela
jurisdicional?
A contemporaneidade, assim como em outras
épocas, tem os seus grandes e variados desafios.22 No
palco da busca pela efetivação dos Direitos Humanos,
deparamo-nos com uma questão recorrente, qual
seja: a tutela dos mais fracos.
20 Para melhor compreensão, segue o referido artigo: “Art. 1.725.
Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplicase
às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão
parcial de bens”.
21 A propósito do contrato de convivência, vide a belíssima obra
de Cahali (2002).
22 Argumenta Peter Berger (1985, p. 42 e ss.) que o grande desafio
humano é o de tentar construir um mundo de equilíbrio frente às
realidades caóticas que nos cercam. Zygmunt Bauman (2013) argumenta
que o atual desafio é o enfrentamento das desigualdades sociais no
contexto da globalização, com destaque para os problemas decorrentes
do desequilíbrio ambiental frente ao consumismo, a criação de fórmulas
para lidar com privacidade, sigilo, intimidade e vínculos humanos etc.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
15
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_Y5SK2gdLFnI/
TTR5nTqcZ6I/AAAAAAAAAMY/axylog3lNXE/s1600/
Vidas+Secas%252C+grafite+sobre+papel.jpg.
O desafio de lidar com os mais fracos colocanos
diante da compreensão de que, dentro de
determinados grupos, nos deparamos ainda com seres
humanos que demandam atenção especial. A estes
denominamos neste trabalho como hipervulneráveis.
A tutela dos hipervulneráveis coloca à prova
a efetividade tanto do Direito Material como do
Processual, principalmente quando constatamos
que os Estados apresentam dificuldades para
tratar aqueles já definidos como vulneráveis. No
entanto, vale dizer: não é porque já encontramos
dificuldades em lidar com eles que podemos fechar
os olhos para aqueles que ultrapassaram a linha da
vulnerabilidade.23
Mas, afinal, quem são os hipervulneráveis para
efeitos do Direito?
O tratamento legislativo diferenciado dos mais
fracos é corolário do princípio constitucional da
igualdade, em seu vértice material e não somente
na forma.24
23 Em outubro de 1934, Louis Josserand proferiu clássica palestra
intitulada La protection des faibles par le droit. Como se observa pelo
título, o seu interesse foi demonstrar a necessidade de humanização do
Direito em benefício de um grupo de sujeitos nas relações contratuais
(Conf. Josserand, 2006).
24 A respeito dessa concepção de discriminação positiva, leciona Jorge
de Miranda (2000, p. 225): “Os direitos são os mesmos para todos; mas
como nem todos se acham em igualdade de condições para os exercer,
é preciso que estas condições sejam criadas ou recriadas através da
transformação da vida e das estruturas dentro das quais as pessoas se
Do ponto de vista etimológico, hipervulnerável
é palavra formada pela junção de dois termos: do
grego, hyper é um prefixo que significa aquilo que
está além do normal, super, composta com o adjetivo
latino vulnerabilis, que, por sua vez, significa doença
ou fraqueza diferenciadora de uma pessoa ou objeto.
Nas palavras de Adolfo Mamoru Nishiyama e
Roberta Densa (2010),
o prefixo hiper [...], designativo de alto grau
ou aquilo que excede a medida normal, acrescido
da palavra vulnerável, quer significar que alguns
consumidores possuem vulnerabilidade maior do
que a medida do normal, em razão de certas
características pessoais. Os hipervulneráveis
possuem tratamento especial.
Com efeito, quando nos deparamos com pessoas
humanas nas diversas relações sociais, afetivas e
econômicas, podemos dizer que hipervulnerabilidade
é a condição de vulnerabilidade agravada, suportada
por determinados grupos inseridos no tecido social.
Do ponto de vista do gozo da existência humana, os
hipervulneráveis não estão em condições favoráveis
de absoluta autodeterminação de seus interesses.
Portanto, são merecedores de atenção especial
das instituições sociais para que, dessa forma, as
consequências da vulnerabilidade agravada sejam
idealmente estancadas ou, pelo menos, diminuídas.
Em julgado do Superior Tribunal de Justiça
brasileiro, acórdão da relatoria do ministro Carlos
Fernando Mathias, observamos o reconhecimento
de um grupo de hipervulneráveis, conforme segue:
“A categoria ético-política, e também jurídica, dos
sujeitos vulneráveis inclui um subgrupo de sujeitos
hipervulneráveis, entre os quais se destacam, por
razões óbvias, as pessoas com deficiência física,
sensorial ou mental” (Recurso Especial nº 931.513
- RS - 2007/0045162-7, disponível em: http://www.
movem [...] Mesmo quando a igualdade social se traduz na concessão de
certos direitos ou até certas vantagens especificamente a determinadas
pessoas – as que se encontram em situações de inferioridade, de
carência, de menor proteção – a diferenciação ou a discriminação
(positiva) tem em vista alcançar a igualdade e tais direitos ou vantagens
configuram-se como instrumentais no rumo para esses fins”.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
16
mp.go.gov.br/portalweb/hp/41/docs/resp_931513-
rs-acp-legt.mp-pcd-protese_auditiva.pdf, acesso em:
1.dez.2013).
Pondera, a propósito, Cristiano Heineck Schmitt
(2009) que o reconhecimento da hipervulnerabilidade
é o paradigma a ser adotado na tutela da pessoa
mais fragilizada.
De nossa parte, quando reconhecemos
a necessidade de identificação de pessoas
hipervulneráveis, entendemos que tais grupos não se
encerram apenas em crianças, idosos e portadores
de necessidades especiais.25 Naturalmente, ao tempo
em que a hipervulnerabilidade desses grupos seja
notória, acreditamos que a construção de um rol
numerus clausus será desastrosa do ponto de vista
da urgência da tutela dos mais fracos.
Assim, reservamos espaço para os apontamentos
acima, com vistas a demonstrar que nossa visão
acerca do Processo Civil é de que ele pode (e deve) ser
um instrumento estatal destinado a tutela dos mais
fracos, ou seja, dos hipervulneráveis nas diversas
relações sociais, especialmente as afetivas. É sob
essa ótica que analisaremos a tutela e a curatela.
Tutela
Fonte: http://www.inclusive.org.br/wp-content/uploads/
prote%C3%A7%C3%A3o-Crian%C3%A7a.jpg.
No plano do Direito Material, no escólio de
Carlos Roberto Gonçalves (2005, p. 572), a “tutela
25 No mesmo sentido, Marques e Miragem (2012, p. 189) abrem espaço
para um rol maior de hipervulneráveis, embora nessa oportunidade não
tenham se envolvido com mais detalhes acerca dessa compreensão.
é o encargo conferido por lei a uma pessoa capaz,
para cuidar da pessoa do menor e administrar seus
bens. Destina-se a suprir a falta do poder familiar e
tem nítido caráter assistencial”. No mesmo sentido,
doutrina Maria Helena Diniz (2011, p. 667) que “a
tutela é um instituto de caráter assistencial, que tem
por escopo substituir o poder familiar”.
Considerando que a tutela26 representa uma
das maneiras reconhecidas pela legislação
para a assistência aos mais fracos (portanto,
hipervulneráveis), reservamos este espaço para
analisarmos os pontos altos dos aspectos processuais
que envolvem o referido instituto.
A ação de nomeação de tutor pertence aos
procedimentos especiais de jurisdição voluntária
e é regida pelos arts. 1.187 a 1.193 do Código de
Processo Civil e, ainda, pelos arts. 165 a 170 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Por força do art. 1729 do Código Civil, “o direito de
nomear tutor compete aos pais, em conjunto”, sendo
que, no parágrafo único, temos que “a nomeação
deve constar de testamento ou de qualquer outro
documento autêntico”. Em juízo, o magistrado deverá
atender à disposição de vontade dos genitores sempre
que a escolha deles não coloque em risco o melhor
interesse do menor. Naturalmente, nos termos do
art. 1730 do Diploma Civilista, será considerada nula
a nomeação feita pelos pais se, no ato designativo,
eles não fossem detentores do poder familiar.
Reza, ainda, o Código Civil, no art. 1.731:
Art. 1.731. Em falta de tutor nomeado pelos
pais incumbe a tutela aos parentes consanguíneos
do menor, por esta ordem:
26 Nos termos do art. 1.728 do Código Civil: “Os filhos menores são
postos em tutela: I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados
ausentes; II - em caso de os pais decaírem do poder familiar”. Deve-se,
ainda, considerar que, por força do art. 36 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, “a tutela será deferida, nos termos da lei civil, à pessoa de
até 18 (dezoito) anos incompletos. Parágrafo único: O deferimento da
tutela pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão do poder
familiar e implica necessariamente o dever de guarda”.
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
17
I - aos ascendentes, preferindo o de grau
mais próximo ao mais remoto;
II - aos colaterais até o terceiro grau,
preferindo os mais próximos aos mais remotos,
e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais
moços; em qualquer dos casos, o juiz escolherá
entre eles o mais apto a exercer a tutela em
benefício do menor.
Assim, em decorrência dessa diretriz, podemos
afirmar que o pedido de tutela, que admite a concessão
de guarda provisória27, poderá ser formulado por
qualquer dos interessados acima anotados e, ainda,
pelo Ministério Público.
Em decorrência do disposto no art. 166 do Estatuto
da Criança e do Adolescente,
se os pais forem falecidos, tiverem sido
destituídos ou suspensos do poder familiar, ou
houverem aderido expressamente ao pedido de
colocação em família substituta, este poderá ser
formulado diretamente em cartório, em petição
assinada pelos próprios requerentes, dispensada
a assistência de advogado.
Ou seja, em tais hipóteses, a petição inicial não
necessitará ser assinada por advogado, de modo que
o pedido de tutela será analisado pelo juiz pelo que
se convencionou denominar jus postulandi.
Na petição inicial, na ação de nomeação, deverá
constar a relação dos bens, direitos e rendimentos
do menor. Isso se mostra necessário até mesmo pelo
fato de que o tutor é um gestor dos bens do pupilo. É
o que encontramos nos arts. 1.747 e 1.748 do Código
Civil:
Art. 1.747. Compete mais ao tutor:
27 Não se deve esquecer que, nos termos do art. 167 do Estatuto
da Criança e do Adolescente, “a autoridade judiciária, de ofício ou
a requerimento das partes ou do Ministério Público, determinará
a realização de estudo social ou, se possível, perícia por equipe
interprofissional, decidindo sobre a concessão de guarda provisória,
bem como, no caso de adoção, sobre o estágio de convivência.” A
ausência desses preceitos acarretará no feito a sua nulidade, nos termos
do disposto no art. 246 do Código de Processo Civil.
I - representar o menor, até os dezesseis
anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após
essa idade, nos atos em que for parte;
II - receber as rendas e pensões do menor, e
as quantias a ele devidas;
III - fazer-lhe as despesas de subsistência
e educação, bem como as de administração,
conservação e melhoramentos de seus bens;
IV - alienar os bens do menor destinados a
venda;
V - promover-lhe, mediante preço
conveniente, o arrendamento de bens de raiz.
Art. 1.748. Compete também ao tutor, com
autorização do juiz:
I - pagar as dívidas do menor;
II - aceitar por ele heranças, legados ou
doações, ainda que com encargos;
III - transigir;
IV - vender-lhe os bens móveis, cuja
conservação não convier, e os imóveis nos casos
em que for permitido;
V - propor em juízo as ações, ou nelas assistir
o menor, e promover todas as diligências a bem
deste, assim como defendê-lo nos pleitos contra
ele movidos.
Parágrafo único. No caso de falta de
autorização, a eficácia de ato do tutor depende
da aprovação ulterior do juiz.
O âmbito do processo é, portanto, espaço hábil
para que o Estado zele pelos interesses do menor
tutelado. Tanto é que, no panorama do processo, o
magistrado, sob a batuta de custus legis do Ministério
Público, deverá exigir, via de regra, caução idônea do
tutor,
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
18
prestado o compromisso [de tutela]
por termo em livro próprio rubricado pelo
juiz, o tutor ou curador, antes de entrar em
exercício, requererá, dentro em 10 (dez)
dias, a especialização em hipoteca legal de
imóveis necessários para acautelar os bens
que serão confiados à sua administração
(art. 1.188 do Código de Processo Civil).
Se não bastar, deverá o juiz nomear, nos autor,
o protutor, tudo isso para a garantia do vulnerável
qualificado nos autos de nomeação de tutor, sob
pena de se falar em responsabilidade civil do Estado
e, ainda, pessoal do juiz do feito.
Questão que se tem debatido diz respeito à
competência para processar e julgar o pedido de
nomeação de tutor. Diante desse tema, com acerto
doutrinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald (2012, p. 968):
Promovendo a intelecção dos arts. 14828 e
9829 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
é possível inferir que, havendo qualquer das
situações de risco elencadas no comando
do artigo 98, a competência será da vara
especializada da Infância e da Juventude. De
28 “Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:
I - conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para
apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas
cabíveis; II - conceder a remissão, como forma de suspensão ou extinção
do processo; III - conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes; IV -
conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou
coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art.
209; V - conhecer de ações decorrentes de irregularidades em entidades
de atendimento, aplicando as medidas cabíveis; VI - aplicar penalidades
administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção à
criança ou adolescente; VII - conhecer de casos encaminhados pelo
Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis. Parágrafo único.
Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do art. 98,
é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim
de: a) conhecer de pedidos de guarda e tutela; b) conhecer de ações
de destituição do poder familiar, perda ou modificação da tutela ou
guarda; c) suprir a capacidade ou o consentimento para o casamento;
d) conhecer de pedidos baseados em discordância paterna ou materna,
em relação ao exercício do poder familiar; e) conceder a emancipação,
nos termos da lei civil, quando faltarem os pais; f) designar curador
especial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de
outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses
de criança ou adolescente; g) conhecer de ações de alimentos; h)
determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros
de nascimento e óbito.”
29 Estabelece que “as medidas de proteção à criança e ao
adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos
nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão
da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso
dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta”.
outra banda, não havendo situação de risco,
competirá às varas de Família.
Desse modo, a determinação da competência está
atrelada à condição do menor, visto que a Constituição
Federal nos coloca diante do melhor interesse da
criança vulnerável. Assim, como sintetizam Farias e
Rosenvald (ibidem), vale considerar:
O pedido de tutela somente tramitará na
vara infanto-juvenil quando há situação de
risco, caracterizando um perigo iminente para
o menor. Assim, exemplificando: se a criança
ou adolescente órfã estiver sob os cuidados de
sua família ampliada (tios ou avós, verbi gratia),
não há situação de risco e a competência é da
vara de família; mas se estiver sob os cuidados
de uma entidade de abrigo ou de um terceiro
estranho, haverá situação de risco e a apreciação
competirá à vara especializada.
Nos termos do art. 198 do Estatuto da Criança
e do Adolescente, o Código de Processo Civil tem
aplicação subsidiária à referida norma estatutária,
sendo que, proferida a decisão em processo de tutela,
independentemente de preparo, caberá recurso de
apelação no prazo diferenciado de 10 dias.
Ainda em sede recursal, prevê o ECA:
Art. 198 [...] VII - Antes de determinar a
remessa dos autos à superior instância, no caso
de apelação, ou do instrumento, no caso de
agravo, a autoridade judiciária proferirá despacho
fundamentado, mantendo ou reformando a
decisão, no prazo de cinco dias.
E, por fim:
Art. 198 [...] VIII - Mantida a decisão apelada
ou agravada, o escrivão remeterá os autos ou o
instrumento à superior instância dentro de vinte
e quatro horas, independentemente de novo
pedido do recorrente; se a reformar, a remessa
dos autos dependerá de pedido expresso da
Processo civil no Direito de Familia - Parte II
19
parte interessada ou do Ministério Público, no
prazo de cinco dias, contados da intimação.
Curatela
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/-MN74YOzf1kw/UbSrQ5gySoI/
AAAAAAAAHNI/d8EgRRkCu_g/s320/curatela.jpg.
Analisados aqueles que julgamos os principais
aspectos processuais da tutela, avancemos agora
para a ação de curatela dos interditos.
A princípio, há de se considerar que a medida de
curatela30 representa uma, dentre outras, maneiras
para a assistência aos mais fracos (portanto,
hipervulneráveis). Reservaremos este item para a
análise dos pontos altos dos aspectos processuais
que envolvem o referido instituto.
Para Carlos Roberto Gonçalves (2005, p. 607), a
curatela “é encargo deferido por lei a uma pessoa
capaz, para reger a pessoa e administrar os bens
de quem, em regra maior, não pode fazê-lo por si
mesmo”.
No mesmo rumo, Maria Helena Diniz (2011, p.
686) ensin
...