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Resenha Do Ramo De Ouro

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Por:   •  3/12/2013  •  1.737 Palavras (7 Páginas)  •  1.430 Visualizações

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Prefácio

Darcy Ribeiro

Vamos ler, afinal, em português a obra clássica de James G. Frazer, um dos textos mais belos da antropologia. Desejo muito que ela tenha entre nós, tardiamente embora, o êxito que alcançou sua edição abreviada de 1922. Rapidamente traduzida, foi e é lida e discutida por toda parte. O que o leitor tem em mãos não é, porém, aquela condensação. É antes uma nova leitura sucinta e iluminada que devemos a Sabine MacCormack. A partir dos tratados originais, ela recolhe e nos devolve tanto as linhas de pensamento e as alegorias básicas de Frazer como a sua extraordinária

mensagem de beleza.

Como explicar a capacidade de sobrevivência de Frazer? Seria, acaso, pelo valor explicativo de suas teorias? Continuariam elas sendo contribuições válidas para a compreensão da massa imensa de fantasias, de superstições, de ritos e de sacrifícios

que ele aqui compendia? É muito duvidoso.

Contamos hoje com muitos outros esquemas explicativos referidos a este mesmo tema. É verdade que todos insatisfatórios, mas muitos deles mais atualizados e baseados em melhor informação etnológica. Contamos, sobretudo, porém, é com muito ceticismo sobre a possibilidade de alcançar uma explicação geral satisfatória para tantas expressões espirituais do fenômeno humano.

De fato, o que aumentou prodigiosamente depois de Frazer foi o acervo de nosso conhecimento etnológico sobre corpos concretos de crenças e práticas mágico-religiosas de povos específicos. Ao que parece, a antropologia ao amadurecer se tornou mais modesta. Contenta-se, agora, em nos dar explanações compreensivas sobre como um certo povo se arranja para controlar o incontrolável através de práticas mágicas e religiosas. Ou, ao menos, para crer que o controla com suficiente convicção para alcançar a tranqüilidade indispensável para o uso eficaz dos recursos de que dispõe para satisfazer suas necessidades. Esta é, talvez, a razão do nosso encantamento diante desta obra ambiciosa em que Frazer se debruça, assombrado, sobre o rio tumultuoso das manifestações do espírito humano, buscando nele um fio explicativo.

O valor de O ramo de ouro está para mim — e para Frazer também, que o disse expressamente mais de uma vez — na sua qualidade artística. Ele conseguiu recriar literariamente o espírito humano em algumas de suas expressões mais dramáticas.

Mesmo espraiando-se exageradamente em volumes e volumes, construiu uma obra única de valor permanente, lida e relida através dos tempos. Os dois volumes da primeira versão de 1890 foram se avolumando a cada nova edição até alcançar

treze grossos volumes. Por isso mesmo, só alcançou êxito no grande público com a referida edição condensada. Agora, reestruturado e belamente ilustrado, O ramo de ouro começa uma nova carreira.

Em nenhuma obra se pode ver, como nesta, o espírito humano se desdobrar em manifestações tão variadas. Elas são hauridas por Frazer tanto nas formas arcaicas que se lêem nos velhos textos bíblicos e clássicos, como nas formas selvagens

documentadas na literatura de viagem e nos textos de etnografia. Compendiando estas fontes, Frazer nos mostra, através da multiplicidade infinita de suas manifestações, a unidade essencial do espírito humano, expressa na espantosa continuidade dos mesmos arquétipos de pensamento se reiterando ao longo de milênios em povos de toda a terra. Para além da unidade, da variedade e da continuidade destas expressões etnológicas da mente humana, Frazer pretende nos mostrar, ainda, uma progressão constante de formas rudes, sangrentas e perversas de conduta a formas cada vez mais purificadas e espiritualizadas. Colhe-se, por isso mesmo, em toda a obra um certo otimismo que se explica habitualmente pela cegueira em que vivia a intelectualidade européia do seu tempo. As barbaridades inenarráveis de então, que ocorriam principalmente no submundo colonial, não tinham nenhum eco ali. Eram tidas como coisas de outras latitudes que diziam respeito a gentes que não

eram propriamente humanas. Só a bestialidade nazista acordou o europeu para a ferocidade contida nele próprio. A bruteza — todos aprendemos desde então — não está no passado humano, vencida ou em estertores como queria Frazer. É uma ameaça permanentemente pronta a saltar sobre qualquer sociedade e conflagrá-la em

carnificinas hediondas e nos martírios mais perversos.

Assim é, constatamos amargos. Mas não será também verdade que vêm sendo superadas, por toda parte, as expressões rotineiras da violência ritual, substituídas nos costumes dos povos por formas cada vez menos perversas e sangrentas? É notória, por exemplo, a progressão das imolações humanas na forma de festins canibalescos para rituais antropofágicos em que uma comunidade inteira comunga um herói para incorporar em si sua heroicidade; bem como sua substituição posterior por sacrifícios de animais; e mais tarde, a destes por cerimoniais simbólicos tão reais. Shakespeare, Castro Alves ou Byron por exemplo, se vê a extraordinária importância que tiveram para eles os paradigmas míticos de pensamento. Todo este prodigioso patrimônio cultural humano aqui revive e pulsa.

Os temas de Frazer desafiaram as melhores mentes, dando lugar a muitas obras clássicas. Entre outras a de Lévy-Brühl, que com materiais semelhantes construiu uma teoria difundidíssima sobre a mentalidade pré-lógica dos povos selvagens. Dos dois se contam anedotas parecidas como sapien-tíssimos especialistas de povos primitivos que nunca tinham visto nenhum selvagem. De Lévy-Brühl se diz que, desembarcando em Nova York para um ciclo de conferências eruditas sobre a mentalidade primitiva, pediu aflito que lhe mostrassem um primitivo. De Frazer que, diante de um admirador

perplexo que lhe perguntava quantos anos havia vivido entre os selvagens, respondeu: "Nunca vi nenhum, graças a Deus". Ambos comeram papel a vida inteira, lendo imensas bibliotecas em busca dos fatos com que alimentaram seus engenhos de engendras.

Seus destinos foram muito diferentes, porém. De Lévy-Brühl sobrou apenas o testemunho de sua integridade intelectual, inscrita nos cadernos de anotações do fim de sua vida. Quem os lê hoje vê, comovido, um sábio repensando criteriosamente suas próprias idéias sobre a primitividade dos primitivos para rechaçá-las implacavelmente. O mesmo não se pode dizer de Frazer, não só porque algumas de suas idéias permanecem verossímeis, mas sobretudo porque sua obra continua sendo

lida e apreciada. Onde saber de deuses, de mitos e de ritos com todo o sortilégio que

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