Roger bastide: sociologia no Brasil
Por: 2704a • 23/5/2017 • Trabalho acadêmico • 1.949 Palavras (8 Páginas) • 341 Visualizações
Relações raciais, Religiões de Matriz-africana e a experiência de Roger Bastide no Brasil.
Tailane Santana Nunes1
RESUMO
Este pequeno ensaio visa dissertar um pouco sobre a experiência do autor francês Roger Bastide no Brasil, e como suas discussões influenciaram nas ciências sociais brasileiras, especificamente no campo das relações raciais e no estudo sobre religiões. No primeiro momento iremos abordar sés conceitos e produções nos campos gerais da sociologia. Veremos como seus estudos foram recepcionados e influenciados pelas questões sociais vigentes. Logo após veremos como a obra O candomblé da Bahia impactou nas discussões raciais e culturais da época.
CAMPO E PRODUÇÃO
Ao longo de sua longa trajetória intelectual Roger Bastide demonstrou gosto pelos “abismos”, ao se envolver com temas variados, apresentados, principalmente, durante a sua vivência no Brasil. Sua obra busca esse encontro com elementos, por vezes considerados irracionais, como a religião, a magia, a poesia, a arte, e constrói propostas metodológicas e formas de narrativa adaptadas a esse encontro.
A produção de Bastide, acerca do Brasil e seus temas, apresenta uma narrativa única, diversa de escritos posteriores, em que se apresenta uma narrativa mais técnica, mais racional e em que desaparece parte de seus traços poéticos. Bastide é um importante autor no pensamento social brasileiro, cuja obra condensa outros debates e diálogos com autores importantes para diversas épocas, que explicitam elementos sobre a constituição intelectual do tema do preconceito e das relações raciais no Brasil, mesmo que de maneiras descontínuas e fragmentadas.
1 Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Ensaio solicitado como avaliação parcial da disciplina de Ciências Sociais no Brasil, sob a supervisão do docente Wilson Penteado.
Vindo da França para o Brasil em 1938, para ser o substituto de Claude Lévy-Strauss na cadeira de Sociologia da USP, Bastide veio com a intenção de estudar o transe nas religiões de origem africana. Seu repertório para tratar temas como a mística, a religião e a magia, e a alteridade incluía autores como Durkheim, Lévy-Bruhl, Halbwachs, Mauss, Gurvitch, Marx, quadro este enriquecido ao longo do tempo pela leitura de autores brasileiros, como Arthur Ramos, Gilberto Freyre, Manoel Querino, Édison Carneiro, e pelo conhecimento da produção estrangeira de Melville J. Herskovits, Donald Pierson, Ruth Landes, Marcel Griaule entre outros. Bastide é um, dentre os muitos intelectuais da época, que trabalhou com o tema do negro. Antes dele, Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Gilberto Freyre, Oliveira Vianna, Euclides da Cunha, e uma longa linhagem da intelectualidade brasileira já se preocupavam com a participação do grupo populacional de ex-escravizados de origem africana na construção de uma nação e na identidade de um povo.
A questão da identidade nacional permeia a obra de Bastide através de seus debates com tais autores, mas em muitos casos, o tratamento que o sociólogo dá ao tema o diferencia e o separa da produção específica sobre as religiões de origem africana. Há uma aproximação da obra de Bastide com a interpretação de Gilberto Freyre do Brasil como país mestiço, de relações raciais harmoniosas. Pureza e mestiçagem culturais são traços recorrentes em seus textos, assim como uma tentativa de sintetizar as conclusões de autores das mais diversas filiações nas suas próprias interpretações do Brasil.
A análise de tais processos tomará dimensões novas no cenário das Ciências Sociais do Brasil, a partir do estudo das religiões afro-brasileiras, que será visto através de conceitos e teorias que tomam tons próprios na análise do sociólogo francês. Redefinir os “cultos negros” como “afro-brasileiros” ou os “negros” como descendentes de africanos, como fizeram alguns de seus textos sobre religião, toma não somente a forma da busca de traços de uma origem cultural, mas também a da valorização sui generis desta origem.
A afirmação do “africanus sum” (“sou africano”), o fato de Bastide participar em alguns momentos de rituais do candomblé e a sua escolha por objetos de estudo como o preconceito contra os negros em São Paulo, ou as religiões de origem africana no Brasil, o tornam parte de uma tendência intelectual preocupada com o preconceito, o racismo e o etnocentrismo, mas também com as possibilidades de apresentar outras identidades para os negros.
Note-se que numa época de em que se apresentavam manifestações preconceituosas e discriminatórias contra judeus, japoneses, alemães e afro-brasileiros, a maior parte dos intelectuais presentes no Brasil escolheu uma determinada forma de expressão do preconceito e uma parte da população para estudar, em detrimento de outros contingentes populacionais.
Depara-se, portanto, com períodos distintos de redefinições que marcam a constituição de vários debates sobre os negros, que se estendem da década de 1930 até 1960. Os problemas da raça e da identidade nacional tomam características próprias na década de 1930: Gilberto Freyre surge com a tese da democracia social e étnica, Oliveira Vianna tem seu livro Raça e Assimilação reeditado, ao mesmo tempo em que Arthur Ramos publica as obras de Nina Rodrigues e suas próprias contribuições. As várias imagens de negros que surgem nestas obras tentam responder as questões da suposta inferioridade da população brasileira, da mestiçagem, da identidade nacional e sugerem soluções variadas. A década de 1940 apresenta-se como período da definição das Ciências Sociais brasileiras.
O tema da raça aparece frequentemente nesta produção, agora através dos estudos de assimilação e aculturação ou da crítica ao racismo. Donald Pierson, cuja obra sobre os negros da Bahia fora publicada inicialmente nos Estados Unidos e Emilio Willems, considerado por alguns como um dos pioneiros da sociologia científica no Brasil, representam tal entonação através de revistas, jornais e de sua atuação docente. Arthur Ramos publica uma série de trabalhos de sistematização. Bastide participa do processo de formação das Ciências Sociais brasileiras, ao dialogar com diversas tendências sociológicas e antropológicas.
A partir de sua vinda ao Brasil, desenvolveu uma série de pesquisas sobre a população de origem africana no país, até 1954, ano em que retornou à França, e participou do inquérito sobre as relações racial em São Paulo, patrocinado pela UNESCO e publicado em 1955. Durante o período de permanência no país, tomou contato com as obras sobre as religiões afro-brasileiras e pesquisou o candomblé. Ao mesmo tempo, a década de 1930 representa um momento de reavivamento de racismos no mundo e no Brasil, seja através das discussões parlamentares, seja através da difusão de livros como Raça e Assimilação de Oliveira Vianna ou de setores racistas do governo Getúlio Vargas, que tomará matizes e desenvolvimentos diferenciados nas décadas de 1940 e 1950.
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