Product Placement: Marcas Comerciais Num Trecho de Rizoma Literário
Por: E_mano • 21/7/2021 • Artigo • 8.694 Palavras (35 Páginas) • 160 Visualizações
Product placement:
marcas comerciais num trecho de rizoma literário
João Anzanello Carrascoza
Product placement: hospedeiro da publicidade
Assim como vivemos materialmente no planeta Terra, contamos na comunicação interpessoal e, sobretudo, na esfera global da mídia, com um satélite de discursos que, à semelhança da Lua com as marés, impõe mudanças em nossa apreensão lógica de mundo, em nossos sentimentos e em nossas ações. Podemos dizer que neste satélite discursivo, ora uma face de novas formações discursivas está em evidência, ora outra face, então minguante, substitui-a, tirando as formações da luz e as desvalorizando numa zona de sombras.
No âmbito da imprensa mundial, por exemplo, enunciados que carregam palavras como quarentena, confinamento, letalidade, entre outras, imersos longo tempo na contraluz, de súbito, ganharam presença de alta percepção visual, como a lua cheia, no horizonte discursivo. Assim também se disseminou em nossa linguagem cotidiana formações discursivas do universo médico e biológico, colocando na memória social um léxico constituído por vírus, adaptação, hospedeiro etc. Léxico que, não por acaso, sempre manteve relação com o modus operandi da publicidade e suas estratégias retóricas e midiaticamente invasivas de “sobrevivência”, e cujos termos expressivos se encontravam apagados. Nosso intuito aqui é retomar alguns deles, à luz de uma reflexão sobre a gênese da publicidade e sua contaminação no plano das artes, em específico na literatura, por meio de uma tática de divulgação das marcas a que, na linguagem mercadológica, chamamos de product placement. Para tal empreita, vamos percorrer um pequeno trecho do imenso mapa que encampa a presença das marcas em obras de prosa e poesia, tantos nacionais quanto estrangeiras, sem uma ordem pré-determinada. Mais especificamente, nosso percurso é tanto diacrônico quanto sincrônico, comprometido apenas como sua configuração rizomática (Deleuze e Guattari, 1995), pela qual apresentamos uma bricolagem de células de exemplos de product literature colhidos por pesquisa e de partículas de nossas lembranças – a memória individual como um lugar contagiado pelas marcas comerciais com as quais entramos em contato ao longo da vida. Em estudo anterior sobre product placement como forma de presença e permanência da publicidade no sistema midiático cotidiano (Carrascoza, 2020), frisamos que a ação publicitária surgiu apoiada na lógica da interrupção, incorporando-se nos mass media com um padrão discursivo distinto, a fim de não ser confundida com o conteúdo informacional. Depois, adotou outros dois estratagemas, o entranhamento – com a inserção da mensagem persuasiva no interior da própria enunciação do veículo – e a homocromia – por meio da qual a publicidade mimetiza formatos artísticos comunicacionais. Em outras palavras: numa escala de adaptação criativa (para se manter viva), a publicidade passa a entranhar-se em seu veículo-hospedeiro (entranhamento), sem depender da interrupção para concretizar sua enunciação discursiva, e, um degrau acima, começa também a se disfarçar em materiais artísticos e de entretenimento (homocromia); e, com essas duas novas artimanhas, o product placement encontra o seu espaço nobre de disseminação. Mais comum é a adoção do product placement em peças de domínio audiovisual, como filmes de longa metragem, documentários, capítulos de telenovelas, episódios de ficção seriada sob demanda. Mas, como prenunciado, vamos aqui traçar alguns contornos de uma categoria de placement pouco estudado, o product literature, trazendo casos relevantes, clássicos e contemporâneos, sobre a divulgação de marcas em textos literários, seja de poesia, seja de prosa.
Ramas da publicidade no relvado literário
Como adiantamos, sem pleitear uma historiografia acerca da inserção de marcas e/ou produtos em obras literárias, o que nos obrigaria a buscar os casos pioneiros de product literature e seguir uma estrutura não rizomática, em respeito à hierarquia arbórea, ao contrário da que propomos, iniciamos com um exemplo antológico trazido por Kern (1997), sobre Santo Kyoden, escritor japonês que, no século XVIII, difundia nas histórias cômicas de seus livros a própria tabacaria da qual era proprietário. A absorção de elementos reconhecíveis do mundo físico, comerciais ou não, no plano da ficção, é uma ação matricial que ocorre não apenas na literatura, mas em qualquer outra arte. Manet, na composição de seu quadro Un bar aux Folis-Bergère, de 1882, incorpora à cena que retrata a cerveja Bass (fig. 1).
Figura 1: Quadro Un bar aux Folis-Bergère, Manet.
[pic 1]
Fonte:https://www.arteeblog.com/2019/08/analise-da-pintura-de-edouard-manet-bar.html
Estudos nos mostram que as feições de várias esculturas de Aleijadinho eram de figuras célebres em sua época, não como forma de homenagem a elas, mas como crítica às suas condutas. O poeta Tomás Antônio Gonzaga, em Cartas Chilenas, de 1789, ridicularizava o governador de Vila Rica, Luís da Cunha Meneses, consubstanciando-o nos traços do personagem Fanfarrão Minésio.
As sátiras de Santo Kyoden, promovendo a sua tabacaria, nos remetem ao poema “Tabacaria”, de Álvaro de Campos, um dos heterônimos criados por Fernando Pessoa (1993, p.252). Neste poema de cunho metafísico, embora não nomeie a loja de tabacos, essencial na reflexão de seus versos, o poeta a grafa com letra maiúscula, como se concedendo o status de marca absoluta:
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
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