A "Convoque Seu Buda": análises socioculturais sobre as críticas do rap
Por: Geovanna Coelho • 29/5/2019 • Resenha • 2.028 Palavras (9 Páginas) • 529 Visualizações
Desigualdade social. Hipocrisia. Especulação imobiliária. Pobreza. Dor. Violência. Protestos. Capitalismo opressor. Dominador e dominados. Massa de manobra. Alienação. Submissão. Coerção. “Drogas”. Falta de moradia. Fome. Desemprego. Opressão. Consumismo exacerbado. Sofrimento. Injustiças. Mídia manipuladora. Vidas jogadas e esquecidas. Lutas diárias. Preconceito. Ostentação. Reformas. Paz. Esperança. Essas são algumas das principais temáticas que fazem do álbum “Convoque seu Buda” (Anexo 1), uma obra singular em meio às críticas análises realizadas pelas Ciências Sociais e Humanas na contemporaneidade, sob uma perspectiva de estudo aprofundado acerca da dinâmica política, econômica, religiosa, cultural e social dos diferentes povos ao redor do planeta. Inicialmente, a própria denominação do álbum já corrobora para uma quebra de perspectivas e paradigmas hegemônicos: “convocar o seu Buda” remete a duas abordagens diferenciadas – o pedido para que cada indivíduo, em sua singularidade, atente para os problemas que fazem parte do corpo social, assim como também remete à filosofia de vida budista, contrapondo-se às religiões tradicionalmente em vigência, a exemplo do catolicismo. Especificamente, pode-se dizer que Kleber Cavalcante Gomes, mais conhecido como Criolo, filho de pais nordestinos, rapper brasileiro, denuncia em seu terceiro álbum, uma série de questões perturbadoras e conflituosas do atual meio social do Brasil. “Convoque seu Buda” é claramente o apogeu de um trabalho que demonstra a sensibilidade de Criolo em entender as máculas que marcaram o passado e ainda se encontram presentes na sociedade brasileira. Torna-se imprescindível destacar a multiculturalidade, assim como os diversos níveis e grupos sociais retratados por Criolo, tendo em vista as correlações que ele consegue estabelecer para propagar o ideário de um grande Brasil, o qual necessita de paz, justiça e cujos filhos e filhas pedem socorro, em contraposição a uma limitada minoria que concentra poderes e riquezas, estando tal definição expressa no trecho da música “Cartão de Visita”, ao dizer: “O opressor é omisso e o sistema é cupim”. Levando em consideração uma coletânea de entrevistas concedidas pelo rapper, é fundamental lembrar que ele não abdica da sua força para tentar melhorar o cotidiano que o cerca, determinando que a arte, pelo menos no seu caso, acaba se constituindo como o principal propulsor da revitalização social. “Convoque se Buda” faz parte de uma progressão, sendo visto como um álbum amadurecido, capaz de refletir os pensamentos de um homem consciente do seu papel como cidadão e que se insere, direta e indiretamente, como pessoa que possui o dever de contribuir com as mudanças. “Como é importante a gente ver, viver e sentir cada pequena ação que acontece, a gente se reconhece mais forte, a gente se vê um ser humano capaz, quando qualquer adolescente percebe que ele é capaz de fazer algo, que ele é capaz de uma mudança, que ele é capaz de contribuir com algo maior... é uma libertação”, afirma Criolo em entrevista concedida ao Portal Geledés.
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Anexo 1: Capa do álbum “Convoque seu Buda” (2014)
É fundamental, antes de quaisquer análises do álbum propriamente dito, integrar o movimento social do qual Criolo faz parte e pelo qual luta, levando em consideração que o seu grito se estende para todos os oprimidos, não possuindo perspectivas dissidentes. Desde a sua origem no cenário nacional, o rap não é considerado um movimento musical legítimo, estando sempre associado à violência e às calamidades vivenciadas pelo gueto. Ou seja, a própria música do rapper emana denúncia e resistência frente aos problemas vivenciados por uma grande massa que se encontra excluída e é inferiorizada, tendo em vista que tais constructos ideológicos podem ser percebidos ao longo de todas as faixas de músicas do álbum “Convoque seu Buda”. As multifaces dos indivíduos brasileiros são construídas, ao mesmo tempo em que se confere identidade a uma grande massa esquecida e que, portanto, torna-se marginalizada. Certamente, esse aspecto levanta incertezas referentes às dicotomias dominador versus dominado, opressor versus oprimido, Estado versus povo, e assim sucessivamente. A disposição desses polos de atuação e influência dos poderes em trânsito no corpo social é essencial para elucidar pontos de vista acerca do Brasil. Tais inferências tornam-se demasiadamente relevantes, por exemplo, para se compreender as inúmeras disparidades socioeconômicas que permeiam os questionamentos contemporâneos. Criolo explora os diversos patamares sociais, caracterizando-os. Ele dá voz aos humilhados: “menino no farol” (letra da música “Cartão de Visita”), “padeiro, fiscal que é partideiro, motorista, bicheiro e DJ cobrador” (letra da música “Fermento pra Massa”), “rosto do carvoeiro” (letra da música “Duas de Cinco”), entre outros. Ademais, dentro desse processo de revolução, emanam do seio do ativismo social, jovens que buscam indagar a realidade que os cerca, buscando responder perguntas que antes pareciam inaceitáveis. A juventude evolui e ao longo da sua maturação, ela consegue constituir uma série importante para o entendimento dos fatores históricos que condicionam um determinado status quo. Antonio Carlos Brandão e Milton Fernandes Duarte abordam esse fato, de maneira ousada e consciente, ao determinar que
Os jovens não foram apenas novos atores históricos que surgiram na cena do já tumultuado debate político-cultural das últimas décadas. Com um novo discurso e uma nova prática social, eles possibilitaram o exercício mais sistemático de um tipo de crítica social que, até então, nunca se vira ou ouvira.
Dessa forma, tem-se a figura de Criolo. Nascido em São Paulo, fruto do movimento rap e ainda assim sendo um homem em constante ressignificação, tendo em vista que essas reformulações se refletem em suas produções. Como já foi expresso anteriormente, a simbologia de resistência encarnada no rapper é fundamental para se quebrar estigmas e paradigmas que visam excluir os indivíduos da periferia. A típica degradação social. Apesar da proximidade geográfica, encurtada com o advento das tecnologias da informação, os seres humanos encontram-se cada vez mais distantes. Seriam essas análises, “as duas faces de uma mesma moeda”. As manifestações artísticas são importantes, desde que não se originem do preto, do favelado, do garoto do subúrbio. É dentro desse imaginário que Criolo faz as suas observações, percebendo a força que brota dos versos que rimam e se entrelaçam. Inclusive, no álbum “Convoque seu Buda”, o rapper consegue mencionar importantes nomes (dentre eles, pode-se citar Jean Paul Sartre, Friedrich Nietzsche, Eric Hobsbawn, Maquiavel, entre outros), contribuindo com um exame detalhado acerca do poder revolucionário da educação, assim como enfatiza a desconstrução de estereótipos pré-formulados. Retomando esta informação, torna-se possível perceber a genialidade do trabalhado desenvolvido pelo rapper ao se perceber, por exemplo, a intertextualidade discursiva da música “Duas de Cinco” com o poema “No Meio do Caminho” de Carlos Drummond de Andrade. Trata-se justamente da fusão entre o erudito e o popular, de forma a abrir os olhos dos ouvintes sobre o que está além das linhas visíveis do sistema capitalista dominante, o que se encontra além da tal “gente indigesta” (trecho da música “Cartão de Visita”). O sincretismo religioso marca presença, combinando justamente a pluralidade de crenças existentes na totalidade do território brasileiro – “Shiva e Ganesh” e “Oxalá” (letra da música “Convoque seu Buda”), “Deus” e “Padin Ciço” (letra da música “Esquiva de Esgrima”), “Ilê” e “Onã” (letra da música “Fio de Prumo”). Tais menções típicas de uma religiosidade heterogênea são compreendidas a partir de expressões e versos musicais muito bem elaborados. Dessa forma, Criolo reforça a necessidade de união e aglutinação de todas as pessoas, independentemente do plano ideológico particular desses indivíduos. A própria composição da musicalidade do álbum está pautada em diversos gêneros musicais, os quais estão inseridos dentro de outras perspectivas, a exemplo do samba de raiz, reggae, forró, rap underground, MPB. Um dos artigos publicados pela Revista Fórum exalta o álbum “Convoque seu Buda” como sendo o manifesto místico de um poeta antropófago, denotando assim a visão de um artista moderno, embasado por virtudes libertadoras, revolucionárias e ousadas, responsável por traçar as linhas e entrelinhas de um país edificado com a vida de milhões. Milhões estes que, na maioria dos casos, são subjugados pelo avanço de um sistema opressor. As marcas imperantes no mundo globalizado são mais valiosas que a alimentação, a moradia, a saúde e a educação básica das classes sociais pobres. A manutenção de privilégios e regalias é fundamental para o glamour e o exibicionismo de uma pequena parcela humana, em contraposição às revoltas surdas de quem clama por justiça e igualdade. A manipulação midiática, o controle político, o avanço constante e progressivo de alas radicalistas são motores para a consecução de objetivos escusos. A nítida desigualdade que possui reflexos negativos nos mais diversos âmbitos sociais, produzindo assim o preconceito, a intolerância, a discriminação, a crueldade e os incontáveis dramas vivenciados no Brasil contemporâneo.
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