A Estágio Iniciação Cientifica
Por: Marilia Martins • 14/11/2022 • Artigo • 3.777 Palavras (16 Páginas) • 119 Visualizações
REDE DE ÓDIO: A MATERIALIZAÇÃO DO RESSENTIMENTO HUMANO NA BASE NIETZSCHIANA[a].
ALMEIDA, Marília Martins
Licencianda em Filosofia no Centro Universitário Internacional Uninter
SOBRENOME, Nome do Professor orientador convidado (o nome do professor Corretor deve ser colocado após a primeira postagem e correção)
RESUMO
Analisando a narrativa do filme “Rede de Ódio”, traçaremos nesse artigo um breve estudo sobre o conceito de ressentimento elaborado por Friedrich Wilhelm Nietzsche. Ao comparar a narrativa polonesa, a pesquisa bibliográfica do filosofo e de seus principais comentadores no Brasil, pretende-se despertar uma reflexão sobre as crescentes manifestações de ódio no ambiente virtual.
Palavras-chave: Nietzsche; Ressentimento; Cinema; Filosofia; Ódio; Redes Sociais;
- Introdução
O estudo intitulado “Coutering Online Hate Speech”, publicado pela Unesco em 2015, ressalta a importância de olharmos com maior atenção para a crescente onda de discursos de ódio no ambiente virtual. Em dezembro do mesmo ano, a subsecretária geral da ONU, Cristina Gallach, alertou para o uso desses discursos como estimulo a conflitos entre diferentes grupos sociais, fato reafirmado recentemente pela própria organização ao divulgar um relatório especial que considera o tema um “grande desafio para a dignidade humana” (Nações Unidas, 2020). Tal problemática serve como pano de fundo para a narrativa do filme polonês “Rede do ódio”. Lançado em 2020 pela plataforma Netflix, o longa-metragem, narra a história de Tomasz Giemza, um jovem que diante de uma série de frustrações pessoais, usa as redes sociais para manejar seu ódio. Entretanto suas ações online rompem a barreira virtual, afetando diretamente a vida de pessoas ao provocar uma série de conflitos em ambientes públicos.
Um dos principais filósofos que se debruçou sobre o tema do ódio no cenário contemporâneo foi o alemão Friedrich Nietzsche em seu livro “Genealogia da Moral – Uma polêmica” (2009). Nesta obra, o filósofo expõe parte de sua crítica aos valores morais que norteiam a sociedade, destacando o ressentimento como um dos principais afetos ligados ao ódio e a vingança do tipo humano que ele intitula como escravo, fraco, ressentido.
Diante dessa relação, a principal questão deste artigo é identificar se o protagonista do filme polonês apresenta as características do tipo ressentido apontadas por Nietzsche. Para responde-la, apresentaremos uma breve explanação sobre o projeto crítico do filosofo, feito a partir do que ele chama de procedimento genealógico, ilustrando como o ressentimento se torna criador e legislador de valores e após relaciona-los a narrativa, traçar um paralelo, nos limites do tema deste estudo, entre a filosofia de Nietzsche e o momento atual.
- Metodologia
Para desenvolver o estudo pretendido, utilizaremos a pesquisa bibliográfica, que segundo Brasileiro (2021), permite ao pesquisador e leitor tomar conhecimento das principais concepções e descobertas a cerca de um tema, considerando tanto fontes primárias como secundárias. Pra tal, optamos pela abordagem qualitativa de autores especializados na teoria de Nietzsche, como Marton (2006), e seus esclarecimentos acerca da inversão de valores realizada pelo tipo ressentido e em Mosé (2018), que associa as críticas de Nietzsche à verdade com as mudanças geradas pelo advento da internet no comportamento social. Bem como em Kehl (2020), que ao correlacionar o ponto de vista nietzschiano ao psicanalítico, indica como o ressentimento pode gerar ganhos psíquicos ao buscar se desresponsabilizar pelos seus atos.
- Uma Filosofia a golpes de martelo.
Tido como um dos pensadores mais polêmicos da contemporaneidade, a obra de Nietzsche se caracteriza por um extenso e intenso projeto crítico direcionado principalmente aos conceitos metafísicos, preceitos religiosos, valores morais e tendências culturais. Através do que chama de “transvaloração dos valores”, Nietzsche pretende “tornar móvel, maleável, fluído” (Mosé, 2018b, e-book) todas as sentenças que se dizem absolutas. Dessa forma, a metáfora do martelo é empregada para ilustrar o empenho do filosofo em destruir os valores dominantes e engessados, que segundo ele, foram criados a partir dos ideais metafísicos.
Seguindo a análise de Mosé (2018b), Nietzsche considera que ao fundar-se na ideia do completo, eterno e imutável, tanto a tradição metafísica como religiosa, coloca a verdade no lugar de origem total, perfeita e sem história. Entretanto, alinhado com conceitos do filosofo Pré socrático Heráclito e do pensador moderno Schopenhauer, o alemão concebe como marca do mundo, da vida e do ser humano, o constante movimento de expansão e resistência que dá lugar a mudança e a transitoriedade. Tal movimento é o que Nietzsche chama de vontade de potência, um conjunto de múltiplas forças que movidas constantemente pelo desejo de expansão, criação e domínio, lutam entre si. Ao conceber o mundo como vontade de potência, Nietzsche afirma o sofrimento como algo inerente ao movimento da vida. Mudar e resistir implicam em dor, em desconforto enquanto que a transitoriedade gera dúvidas e aflições. Dessa forma, estabelecer critérios imutáveis aos fenômenos instáveis, se remete a necessidade psicológica do ser humano de se manter fixo e confortável.
“Reduzir algo desconhecido a algo conhecido, alivia, acalma, satisfaz e, além disso, dá uma sensação de poder. Com o desconhecido vem o perigo, a inquietação, a preocupação – o primeiro instinto se volta para a eliminação desses estados desagradáveis. (...) Consequência: uma espécie de determinação de causas prevalece sempre mais, se concentra num sistema e enfim se sobressai dominante, ou seja, simplesmente excluindo outras causas e explicações.” [b](NIETZSCHE, 2019, P. 54-55).
Seguindo o exposto, o que Nietzsche pretende denunciar é que a tentativa metafisica de estabelecer um mundo sem dor além de criar valores que negam a pluralidade da vida, são formas de exercer poder, mantendo a concepção heterogênea que inviabiliza a possibilidade de mudança, reinterpretação e atualização. Como bem expõe Mosé (2018b), pensar o mundo é codifica-lo e o fazemos através da linguagem, porém, de acordo com Nietzsche, o grande erro disso é que ao longo da história o homem passou a considerar como verdades eternas e imutáveis, nomes e conceitos criados por ele mesmo. “A unidade da palavra, não garante a unidade da coisa” (NIETZSCHE, 2000, p. 25). Sendo a vida um fluxo constante e potente, não há discurso que possa abarca-la e sendo o homem esse complexo de vontades, os valores fundamentados por esses discursos não são neutros ou universais, e sim criações humanas que “respondem ao jogo de forças temporal da história” (Mosé, 2018b), portando podem e devem ser questionados.
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