A FRAGILIDADE DO ENSINO DE FILOSOFIA EM TEMPOS DE CRISE
Por: Lilian Ribeiro Antonio • 3/4/2018 • Artigo • 1.650 Palavras (7 Páginas) • 239 Visualizações
A FRAGILIDADE DO ENSINO DE FILOSOFIA EM TEMPOS DE CRISE
No contexto atual, temos que lidar - mais uma vez - com o desmonte da educação e o ataque à presença das disciplinas de humanidades no currículo, se faz pertinente uma retomada histórica do lugar da filosofia enquanto disciplina no ensino básico. É fundamental observar as razões e des-razões que guiam sua frágil presença, atentando-se às suas raízes ideológicas e as possíveis semelhanças dos discursos em cada contexto. A fala de Sérgio Cardoso no 1º Encontro de Professores de Filosofia, sediado em Santos em 1985, avalia o percurso da luta pela volta da Filosofia para 2º grau e nos permite observar um “fundo de consenso” entre o discurso do movimento de oposição ao regime e defesa ao ensino de Filosofia e o discurso oficial.
Em 1971 a filosofia é banida do núcleo comum do 2º grau pelo regime militar, dando lugar às disciplinas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. Tal medida vem em consonância com o projeto político e econômico do período, para cuja realização se impunha um viés profissionalizante e tecnocrata à educação.
A mobilização em defesa da presença da filosofia no ensino básico, segundo Cardoso, ganhou contornos eficazes somente em 1976 frente às ofensivas do MEC para efetivação das reformas na educação. O movimento se opunha à educação profissionalizante e à falsa democratização da educação, promovida pela massificação do ensino privado. A luta era politicamente ampla: visava o despertar do tecido social por meio de uma consciência da cidadania, ao passo em que expunha a tentativa de instrumentalização da sociedade em função do projeto político e econômico.
Neste contexto, faz sentido constatar que o discurso de resistência pela retomada e revitalização do ensino de filosofia tomava a mesma enquanto uma ferramenta com o potencial de ativar a indolência conservadora, ou a rebeldia também conservadora; e de instaurar um espaço de cidadania. Em 1978, contudo, a dita “abertura democrática à educação” mudou o quadro político e, ao mesmo passo, mudam também as considerações do Estado quanto ao ensino de filosofia - cuja importância da presença no 2º grau passou a ser reconhecida.
O discurso oficial apoiou-se em uma visão de filosofia enquanto um bem cultural. Esta premissa gerou uma aparente aproximação entre este e o discurso do movimento de oposição, uma vez que este também colocou a filosofia no status de cultura.
A partir de 1980 há consenso até mesmo por parte do MEC quanto ao fracasso das reformas. Em 1981 o ministro Rubem Ludwig envia observadores dos órgãos técnicos para o 1º encontro nacional de chefes de departamento de filosofia, demonstrando interesse pelo problema. Em outubro do mesmo ano um grupo de professores universitários é convidado à Brasília para escrever um documento sobre a disciplina no currículo. Em seguida novos estudos foram realizados sob a orientação da ministra Esther de Figueiredo Ferraz. Um deles, o parecer nº 108/83 do Conselho Federal de Educação, recomenda a não-obrigatoriedade da habilitação profissional (formação específica), apologizando uma formação geral com acesso à cultura. Desta perspectiva surge a atitude favorável ao retorno da filosofia ao currículo.
Isto se faz, contudo, de modo conservador, por meio do parecer nº 334/83 do CEGRAU (Câmara de Ensino do 1º e 2º grau), da então ministra da educação Ana Bernardes S. Rocha, que argumenta que a educação deve permitir o educando a situar-se e tornar-se uma pessoa de seu tempo, encontrando e elaborando valores, e definindo as razões de sua existência. Ela afirma: “os valores do uso da razão estão no contexto filosófico”, justificando assim a necessidade da filosofia no seio deste projeto de educação.
O conservadorismo fica explícito no texto: “a oportunidade de fazer filosofia durante o período de escolarização pode representar a abertura de horizontes existenciais e a preparação para colocar-se na posição social que couber a cada indivíduo, tendo ele de estar sempre em intersecção com a vida de outros seres semelhantes” (parecer 334/83). A filosofia volta, mas insere-se no campo das convicções e valores, enquanto um modo privilegiado de acesso à cultura, representando uma tentativa de “educação moral” em seu sentido mais pobre e possuindo caráter normativo.
Embora confluam na defesa da presença da filosofia no ensino, o discurso do movimento de professores não se alinha ao discurso oficial. É fácil confundir, no entanto, na medida em que a tensão do contexto circunstanciou a produção de textos sem rigor, segundo Cardoso, gerando uma semelhança na linguagem que - uma leitura desavisada - pode assimilar a definição da filosofia enquanto disciplina moralizante. Isto fica evidente no mencionado documento de 1981 solicitado aos professores pelo MEC, que coloca a filosofia como “análise e articulação da experiência humana, cultural, científica e sociopolítica, visando a compreensão global do sentido da existência” e afirma o trabalho do filósofo como uma busca por “organizar o sentido e a coerência globais dos eventos naturais e culturais que o cercam”.
É claro que o significado da palavra “sentido” empregado no texto de 1981 não é o mesmo que o utilizado no texto da ministra Rocha, mas um equívoco interpretativo não seria infundado. Cardoso aponta que a valorização da filosofia enquanto um bem cultural, normalmente acompanhada da educação generalista, por parte dos professores não a coloca como um instrumento moralizante, mas sim em uma perspectiva “Humanística e Cívica”. Isto fica evidente na carta do Departamento de Filosofia da USP redigida em 1983 para o secretário de educação Paulo de Tarso Santos, que resgata traços do humanismo clássico e enuncia a dimensão emancipatória e cívica da filosofia:
a Filosofia se constitui como uma das formas de expressão cultural consagrada há milhares de anos (...) privar os alunos do segundo grau do acesso a esta disciplina é privar-lhes de uma parte importante de sua própria história, é impedir que tenham acesso a uma esfera de saber que, ao lado dos demais, permitirá que elaborem da melhor maneira possível, sua visão crítica do mundo (...) Entendemos que o contato com todas as formas de expressão da cultura não é um privilégio, mas um direito de todos os cidadãos. (carta do Departamento de Filosofia da USP ao secretário de Educação Paulo de Tarso Santos, 1983)
Ademais a diferença dos discursos, Cardoso considera vantajoso o que chamou de “fundo de consenso” - uma vez que, como transparece a carta, o movimento vai também na direção da filosofia enquanto bem cultural - o que teria
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