A Natureza Humana
Pesquisas Acadêmicas: A Natureza Humana. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: adrianosh • 26/3/2015 • 7.043 Palavras (29 Páginas) • 396 Visualizações
PRIMEIRA PARTE
A sutura epistemológica
“Tudo nos incita a pôr termo à visão de uma
natureza não humana e de um homem não natural.”
Serge Moscovici
1. A ciência fechada
A evidência estéril
Todos sabemos que somos animais da classe dos mamíferos, da ordem dos
primatas, da família dos hominídeos, do gênero homo, da espécie sapiens, que o nosso
corpo é uma máquina com trinta bilhões de células, controlada e procriada por um
sistema genético que se constituiu no decurso de uma longa evolução natural de 2 a 3
bilhões de anos, que o cérebro com que pensamos, a boca com que falamos, a mão com
que escrevemos, são órgãos biológicos, mas este conhecimento é tão inoperante como
o que nos informa que o nosso organismo é constituído por combinações de carbono,
de hidrogênio, de oxigênio e de azoto.
Admitimos, desde Darwin, que somos filhos de primatas, embora não nos
consideremos primatas. Convencemo-nos de que, descendentes da árvore genealógica
tropical em que vivia o nosso antepassado, dela nos escapamos para sempre, para
construirmos, fora da natureza, o reino independente da cultura.
O nosso destino é, evidentemente, excepcional em relação aos animais, incluindo os
primatas que domesticamos, reduzimos, reprimimos e metemos em jaulas ou em
reservas; fomos nós que edificamos cidades de pedra e de aço, inventamos máquinas,
criarmos poemas e sinfonias, navegamos no espaço; como não havíamos, pois, de
acreditar que, embora vindos da natureza, não tenhamos passado a ser extra naturais
e sobrenaturais? Desde Descartes que pensamos contra a natureza, certos de que a
nossa missão é dominá-la, subjugá-la, conquistá-la. O cristianismo é a religião de um
homem cuja morte sobrenatural escapa ao destino comum das criaturas vivas; o
humanismo é a filosofia de um homem cuja vida sobrenatural escapa a esse destino:
homem que é sujeito num mundo de objetos e soberano num mundo de sujeitos. Por
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outro lado: embora todos os homens provenham da mesma espécie, homo sapiens,
esse traço comum da natureza continua a ser negado ao homem pelo homem, que não
reconhece o seu semelhante no estrangeiro, ou que monopoliza á plena qualidade de
homem. O próprio filósofo grego encarava o persa como um bárbaro e o escravo
como uma ferramenta animada. E, se fomos obrigados a admitir hoje em dia que
todos os homens são homens, apressamo-nos à excluir aqueles a que chamamos
“desumanos”.
No entanto, o tema da natureza humana não parou de suscitar interrogação, de
Sócrates e Montaigne e a Pascal, mas só se descobriu o desconhecido, a incerteza, a
contradição, o erro. Não alimentava um conhecimento, mas sim a dúvida sobre o
conhecimento. Quando, finalmente, com Jean-Jacques Rousseau, a natureza' humana
emergiu como plenitude, virtude, bondade, foi para nos considerarmos
imediatamente exilados e para a deplorar como um paraíso irremediavelmente
perdido. Em seguida, não foi preciso muito para descobrir que esse paraíso era tão
imaginário como o outro.
Paradigma inexistente de Pascal, paraíso perdido de Rousseau, a ideia da natureza
humana ainda havia de perder o núcleo, tornar-se protoplasma informe quando se
adquiriu consciência da evolução histórica e da diversidade das civilizações: se os
homens são tão diferentes no espaço e no tempo, se se transformam de acordo com as
sociedades, nesse caso a natureza humana não passa de uma matéria-prima maleável
que só adquire forma por influência da cultura ou da história. Além disso, na medida
em que a ideia de natureza humana foi imobilizada pelo conservantismo, a fim de ser
mobilizada contra a transformação social, a ideologia do progresso chegou à
conclusão de que, para haver transformação no homem, este não podia ter natureza
humana. Deste modo, esvaziada por todos os lados de virtudes, de riqueza, de
dinamismo, a natureza humana surge como um resíduo amorfo, inerte, monótono:
aquilo de que o homem se desfez, e não aquilo que o constitui.
M as não é certo que a natureza comporta um princípio de variedade que é
testemunhado pelos milhões de espécies vivas? Não comporta um princípio de
transformação? Não comporta em si própria a evolução, que conduziu ao homem?
Será a natureza humana desprovida de qualidades biológicas?
A casa isolada
Poder-se-ia supor que a extensão ao homem dos métodos quantitativos e das
formas de objetivação próprias das ciências da natureza fosse romper a insularidade
humanista, reintegrando o homem no universo, e que a filosofia do homem
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