A Suficiência das Escrituras em sua Fé e Prática Pastoral
Por: Denis Souza Macedo • 5/9/2018 • Artigo • 2.762 Palavras (12 Páginas) • 203 Visualizações
A suficiência das Escrituras em sua fé e prática pastoral
A Bíblia é a revelação completa, perfeita e suficiente de um Deus inacessível que, por sua soberana vontade, desejou revelar-se ao homem. A ambigüidade da sentença é proposital para destacar que servimos a um Deus inalcançável, mas que se revela; perfeitamente santo, justo e poderoso, que tem prazer – por sua própria volição – em se relacionar com a criatura pecadora, depravada e limitada. Para satisfazer tal intento esse Deus deu aos homens sua Palavra. Nela Ele se revela. Através dela, pelo ministério do Espírito, converte e transforma o homem para que haja comunhão entre Criador e criatura. A esses, por Ele transformados para exercício de sua comunhão, deu o nome de igreja, reunião dos chamados para seu reino: “(...) a igreja é o reino de Cristo, e ele não reina senão por sua Palavra”*. João Calvino via as Escrituras Sagradas como suficiente para os salvos, perfeita e que contém a verdadeira “filosofia cristã”. Tal entendimento rejeita qualquer tentativa de “completar” a revelação por meio de presságios, visões ou iluminações. Tanto à época da Reforma como agora não são poucos os que se auto-intitulam espirituais. Esses se arvoram de uma suposta intimidade com o Espírito para levar o povo a uma revelação diversa da encontrada nas Escrituras, demonstrando que consideram a Palavra insuficiente. Vale destacar o seguinte parágrafo desta parte do texto :
Essa forma de misticismo ainda está presente na igreja e tem sido prejudicial para o povo de Deus, acarretando desvio espiritual e teológico, deslocando o “eixo hermenêutico” da Palavra para a experiência mística, afastando-nos da Palavra e, conseqüentemente, do Deus da Palavra.
O movimento protestante é um movimento de retorno à Palavra. “Somos herdeiros dos princípios bíblicos da Reforma. (...) a Palavra de Deus é fonte de autoridade de Deus para nosso pensar, crer, sentir e agir. A Palavra de Deus é suficiente.” Não que os reformadores desprezassem por completo a tradição, mas o eixo deslocou-se para a compreensão pessoal da Palavra. A igreja romana, em oposição, confere primazia a tradição. A Bíblia não é a única autoridade da igreja, mas é a única infalível. Os Credos e catecismos eram considerados pelos reformadores, tendo o próprio Calvino, e também Lutero, os redigido. Porém, somente a Bíblia é incondicionalmente autoridade. “O credo é uma resposta do homem à Palavra de Deus, resumindo os artigos essenciais da fé cristã”. Eles pressupõem a fé, mas não têm o poder de gerá-la. “Sola Scriptura” gera a fé para a salvação.
* Os textos entre aspas foram retirados do capítulo em apresso, do livro João Calvino – 500 anos. Há casos em que são citações de outros autores (principalmente Calvino) o que sempre será indicado, no decorrer do trabalho
O autor da Bíblia é Deus. Os homens – escolhidos por Ele – usados para a redação do texto sagrado são autores secundários. O Espírito chamou esses homens, revelou-se a eles de maneira especial, usou de suas características de caráter e personalidade para que escrevessem da maneira que Ele, Santo Espírito, quis que escrevessem. Além disso, Ele preservou os registros feitos e guiou seu povo para que reconhecesse o que por Ele foi inspirado. Calvino afirmou que o que distingue nossa religião de outras é que Deus nos falou. E ainda: “todos quantos desejam beneficiar-se das Escrituras devem aceitar antes isto como um princípio estabelecido, a saber: que a lei e os profetas (...) foram ditados pelo Espírito Santo”.² (pág. 74)
Apesar disso Calvino não negava a participação humana no registro das Escrituras. Ele considerava, conforme observação de W. Gray Crampton, que cada autor sagrado escreveu em seu próprio estilo, e todos eles foram movidos pelo Espírito Santo para escreverem a verdade infalível. Realmente, cada estilo de autor foi nele mesmo produzido pela providência de Deus.ência de Deus. Para João Calvino, nas Escrituras temos todos os livros que Deus quis que fossem preservados para nossa edificação.
Mas o que assegura ao homem comum ser a Bíblia a Palavra de Deus? Será o testemunho da igreja? É a autoridade do clero, presbitério ou dos teólogos que assegura a relevância e autoridade à Bíblia? Calvino considerava blasfêmia subordinar a autoridade das Escrituras ao arbítrio de homens. Ele diz: “Essa Palavra, portanto, antecede à igreja: Se o fundamento da igreja é a doutrina profética e apostólica, impõe-se a esta a certeza própria antes que aquela começasse a existir”. (pág. 76) Somente pela ação do Espírito podemos reconhecer a origem divina da Palavra. “A carne não é capaz de tão alta sabedoria como compreender a Deus e o que a Deus pertence, sem ser iluminada pelo Espírito Santo”. A autoridade da Palavra está nela, desde sempre. O homem corrompido não enxerga. Somente o Santo Espírito abre nossos olhos
Na verdade o homem, por si mesmo, é tão incapaz de entender os mistérios de Deus quanto um asno é incapaz de entender a harmonia musical. A sinceridade clara e sem rodeios de Calvino demonstra também como ele considerava distantes entre si as sabedorias de Deus e do homem (Is. 55.8,9). Para Calvino a “revelação é um ato de condescendência divina”. Deus, em sua Palavra, “se acomoda à nossa capacidade”, balbuciando a sua Palavra a nós como as amas fazem com as crianças. O grande reformador chegou a dizer que Deus se acomoda “à estupidez do povo”. Ele adapta-se à linguagem humana e ao “nível humano de compreensão”. Isso não quer dizer que a Palavra seja tosca e simplória. Aliás, para esclarecer esse ponto, vale a pequena citação, que também serve para exemplificar como Calvino temperava aquilo que alguns chamam de “teoria da acomodação de Calvino”:
Se Deus, acomodando-se à tacanha capacidade dos homens, fala em um estilo humilde e acessível, esse método de ensino é desprezado como simples demais; porém, se ele se manifesta em estilo mais elevado, com vistas a imprimir mais autoridade à sua Palavra, os homens (...) dirão que ela é obscura demais. Como esses dois vícios são por mais prevalecentes no mundo, o Espírito Santo assim tempera seu estilo, para que a sublimidade das verdades que ensina não fique oculta daqueles que porventura sejam de uma capacidade mais débil, contanto que (...) tragam consigo um desejo solícito de ser instruídos.
Ainda que adaptável ao entendimento humano, a Palavra de Deus permanece misteriosa para os que não crêem ou que desejam entendê-la por sua própria sabedoria. “De nenhum efeito é a Palavra sem a iluminação do Espírito” (pag. 79).
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