Fetiche da Mercadoria
Por: Bruno Rafael • 27/3/2016 • Artigo • 28.370 Palavras (114 Páginas) • 451 Visualizações
O fetiche da mercadoria
Em seu site oficial na internet, a corporação McDonald’s diz orgulhosa do gosto e do valor da sua comida, de seu serviço amigável e rápido, na limpeza de suas demais instalações e da “experiência McDonald’s”. Mas essa experiência só se concretiza totalmente diante de um componente extra e intangível: a satisfação do cliente. Esse cliente, ainda segundo o discurso corporativo, sente-se bem vindo ao McDonald’s porque ali ele encontra um espaço que é um oásis amigável e confortável num mundo agitado, um lugar onde poderá relaxar divertir-se e ter uma folga no seu dia, enfim, o McDonalds torna se uma casa longe de casa.
A relação entre a experiência e o lugar, e com o serviço oferecido, é algo que está presente no discurso e na imagem das mais diversas marcas. Já vimos o quanto essa “experiência do lugar” foi um dos objetivos centrais no negócio McDonald’s, especialmente na gestão Kroc: oferecer um lugar confortável, seguro, limpo, claro e bem como um serviço eficiente e amigável. Ainda hoje, as novas marcas que surgem no ramo de alimentação continuam a fazer uso intensivo da “experiência do lugar”, até mesmo muitas vezes, como contraponto à experiência sugerida pelo McDonald’s, com a sua iluminação intensa e sua decoração de plástico.
É o caso da marca Startbucks, como já observamos a principal representante dos novos modelos de “café” que surgiram nos Estados Unidos nos anos 80 e que se intensificaram na década de 1990. Segundo o fundador da Startbucks Corporation. Howard Schultz, nada o deixa mais furioso do que ouvir a critica comparando a sua marca a uma rede de lojas de desconto ou a um restaurante de Fast – Food. E diz “não que eu não admire a maneira como a Wall Mart e o Mc Donalds desenvolveram suas empresas, pois há muito a aprender com o sucesso deles. Mas a imagem que projetam nos produtos é muito distante do tom que cultivamos na Startbucks, de estilo e elegância... Na Startbucks, mantemos o projeto conforme os mesmos padrões elevados que exigimos do nosso café”.
Schultz está se referindo, basicamente, à experiência do longo que seus cafés procuram oferecer, com mobília esterilizada, iluminação parcial e onde se pode tomar um café expresso ao som de jazz. Mas é curioso notar como a promessa dessa experiência é idêntica a do discurso McDonalds: a Startbucks “é mais que um café”. É o romance da experiência com o café... Uma extensão da própria casa... Um oásis, um pequeno espaço na vizinhança onde se pode fazer uma pausa... Nas lojas Startbucks as pessoas fazem um intervalo de cinco a dez minutos que as afasta da rotina da vida diária... Em uma sociedade cada vez mais fragmentada, nossas lojas oferecem um momento de tranquilidade para que os clientes possam reunir seus pensamentos e centrar-se. As pessoas na Startbucks sorriem para você, atendem com rapidez, não o incomodam. Uma visita à Startbucks pode ser uma breve escapada durante um dia... “Uma brisa fresca...”.
Poderíamos, também, fazer referência à marca de roupas, chamada grife. Aqui, também, é comum se afirmar que o lugar, o serviço, o atendimento, são fundamentais para a venda: a iluminação da loja, a forma como as roupas são dispostas seriam determinantes para atrair o olhar do consumidor. E muitas vezes, aqui também se tecem discursos “profundos” sobre a relação entre roupas e a “experiência do lugar”. Há um consenso entre os profissionais de marketing de que a imagem e marca devem ser a promessa e a realização de uma experiência. E, obviamente, o espaço no qual uma determinada marca se materializa – a começar pelas embalagens – é algo que não pode ser descartado.
Mas como entender a redação entre marca e a experiência do lugar quando, conforme já vimos aproximadamente 50 por cento das vendas nos McDonald’s dos Estados Unidos são realizadas, atualmente através do sistema drive thru? Enquanto isso, na Startbucks, apesar da “experiência do lugar” prometida, a grande receita do negocio provém da venda em copos “para viagem”, desenvolvidos com uma tampa que permite as pessoas circular mais livremente com ele nas mãos, o que se tornou uma verdadeira mania (ou necessidade?) nas grandes cidades americanas."
Nesse mesmo contexto, as famosas marcas de roupa são disputadas “quase a tapa” – especialmente nos feriados e finais de semana -, em espaços de compra como os outlets, onde não há nada especial em termos de “lugar”. Pelo contrario, as lojas não tem nenhum luxo, o atendimento se reduz ao mínimo e os espaços onde as roupas são provadas – quando é possível são, muitas vezes, precários. O grande atrativo desses novos espaços de compra é simples, como se pode ler em seus folders: as marcas vendidas. E se fossemos adiante nessa questão, veríamos que o sucesso das novas marcas “virtuais”, ou seja, as que sugeriram e são veiculadas através da internet (caso Amazonas.com), não tem conexão alguma com qualquer tipo de “experiência do lugar”. Se não se trata do “lugar” e, nem mesmo, de o consumidor acreditar, racionalmente, nas imagens de marca veiculadas pela propaganda, de que experiência se trata, então? Que “prazer real” a marca oferece ao sujeito para que ele lhe corresponda? Sim, porque certamente algum tipo de prazer a marca oferece a essa sociedade sedenta por ela. Os profissionais do mercado também se fazem essa pergunta o tempo todo e, em que pesem os discursos “românticos” que os publicitários formulam – ao mesmo tempo em que buscam novos meios de criar diferentes imagens que possam traduzir a “experiência da marca” e manter seus nomes no mercado – os estrategistas de marketing já admitem que o lugar da marca seja a “mente do consumidor”; portanto, quando se trata de se referir a uma experiência do lugar, é preciso se voltar para essa “mente”, na qual a marca nasce e deve permanecer.
Isso posta surge o desafio maior para esses profissionais do mercado, que é compreender como funciona a “mente humana” para que se possa prever o comportamento no ato da compra, o que está levando o marketing a apelar para a psicanalise a fim de entender que sujeito é esse que a racionalidade cientifica não consegue mais explicar. Com efeito, as pesquisas tradicionais do consumidor – as que consistem em escalar, um grupo de pessoas para desferir diante da proposta do lançamento de um novo produto ou serviço – parecem não dar mais conta da complexidade da situação em que se encontra a sociedade atual. Isso porque, dizem os especialistas no assunto, “ao ser escalado para participar de um grupo de pesquisa o sujeito vira uma personagem: abandona sua espontaneidade, intuição, caprichos e esconde qualquer vestígio de excentricidade. Assume ares de uma personalidade madura e racional. O resultado é um retrato fora de foco. São as respostas tão formais e politicamente corretas quanto irreais”.
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