Fichamento. Carnavais, Malandros E Herois
Dissertações: Fichamento. Carnavais, Malandros E Herois. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: Gabrielbs • 7/7/2013 • 4.630 Palavras (19 Páginas) • 1.567 Visualizações
Parte I – Carnavais, paradas e procissões
“Classifico o carnaval e as festividades do Dia da Independência (ou Dia da Pátria) como rituais nacionais. Isso porque ambos são ritos fundados na possibilidade de dramatizar valores globais, críticos e abrangentes da nossa sociedade. Rituais nacionais contrastam claramente com outras formas de reunião específicas de certas regiões, segmentos, classes, grupos e categorias sociais, pois implicam um mínimo de sincronia” (p.45-46).
“Prefiro, pois, estabelecer uma dicotomia provisória entre ritos orientados para toda a ordem nacional e que ajudam a construir e a cristalizar uma identidade nacional abrangente como o carnaval e o Dia da Pátria, e aquelas dramatizações programadas que, ao contrário, têm outra ponta do mundo coletivo, pois aqui estamos centrados no santo padroeiro, no costume local, no chamado “folclore” ou tradição que pertence apenas àquela cidade, estado, região ou grupo social” (p.46).
“No Brasil, como em outras sociedades, há uma classificação dos eventos sociais segundo sua ocorrência. Os eventos que fazem parte da rotina do cotidiano chamado no Brasil de “dia a dia” ou simplesmente “vida”, e os eventos que estão situados fora desse “dia-a-dia” repetitivo e rotineiro: as “festas”, os “cerimoniais” (ou cerimônias), as “solenidades”, os “bailes”, “congressos”, “reuniões”, “encontros”, “conferências” etc., em que se chama a atenção para seu caráter aglutinador de pessoas, grupo e categorias sociais, sendo por isso mesmo acontecimentos que escapam da rotina na vida diária” (p.47).
“[...] no polo informal estariam as situações como “festas” e, no polo da formalidade, as situações marcadas como “solenidades”, termo mais adequado, talvez, para designar as reuniões em que se exige um mínimo de divisão interna e quando a estrutura hierarquizante aparece de modo manifesto” (p.48).
“[...] os eventos formais têm um sujeito ou um centro (para quem se faz a festa) e uma assistência. Mas os carnavais são momentos muito mais individualizados, sendo vistos como propriedade de todos e como momentos em que a sociedade se descentraliza. Daí o uso do adjetivo “carnaval” para situações de alto desentendimento, quando o bate-boca e a confusão atingem o limite da desordem porque todos falam ao mesmo tempo, sinal de uma descentralização máxima” (p.48-49).
“Embora não pretendendo classificar os eventos sociais brasileiros, a discussão já permite deduzir alguns princípios reveladores. O primeiro é a separação nítida entre um domínio do mundo cotidiano e outro: o universo dos acontecimentos extraordinários. A passagem de um domínio a outro é marcada por modificações no comportamento, e tais mudanças criam as condições para que eles sejam percebidos como especiais. Este é o subuniverso das festas e das solenidades” (p.49).
“O segundo princípio é a constatação de que, no Brasil, o domínio do extraordinário é segmentado. Nele estão contidos eventos previstos e imprevistos pelo sistema social. E, na categoria dos eventos previstos e constituídos explicitamente pela própria sociedade, uma dicotomização entre os acontecimentos altamente ordenados (as cerimônias, as solenidades, os congressos, os aniversários, os funerais, as reuniões etc.)” (p.49).
“[...] é possível relacionar os rituais fundados no princípio social da inversão, como é o caso dos carnavais, com a ação popular “espontânea” e extraordinária (isto é, não esperada e não planejada) das massas, como aconteceu no caso da destruição da estação das barcas que ligam o Rio de Janeiro a Niterói, em 1959, nesta última cidade” (p.49-51).
“Naturalmente, esse caso está relacionado a muitos outros, e todos se ligam, na sua universalidade, às condições de opressão e repressão a que é submetido o trabalhador urbano dos grandes centros brasileiros” (p.50).
“A especificidade do quebra-quebra (o nome é por si só significativo, indicando talvez a capacidade de destruir), a par de poder se constituir numa reação às condições gerais do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, como indicam Moisés e Martinez-Alier (1976), jaz neste tipo de reação moralizadora, em que a ação concreta é informada por uma reação moral e justa, quando os “fracos” estão indignados contra a ação aviltamente dos “fortes”, sejam eles representantes do Estado ou particulares” (p.51).
“A massa, então, não estaria reagindo somente contra alvos específicos, num plano de percepção abstrato, “político”, no sentido de valores, estratégias, ou alvos racionalmente, mas contra os intermediários que provocam sua espoliação como pessoa moral, isto é, um ser dotado de alma e de direito básico ao respeito, à consideração e um tratamento humano [...]” (p.51).
“No caso específico do carnaval do Rio de Janeiro, é possível pensar que essas possibilidades de ação violenta, moralizante e protegida pela “brincadeira” e pelo anonimato se dariam nos subúrbios com os blocos de Clóvis, como revela o trabalho de Alba Zaluar Guimarães (1978). De qualquer modo, é preciso não esquecer essa importante associação entre a festa, como um domínio especial, e as alternativas de ação que ela pode abrir, seja para voltar satisfeito ao cotidiano, seja para transformá-lo [...]” (p.52).
“As festas, então, são momentos extraordinários marcados pela alegria e por valores considerados altamente positivos. A rotina da vida diária é que é vista como negativa. Daí o cotidiano ser designado pela expressão dia a dia ou, mais significativamente, vida ou dura realidade da vida. Em outras palavras, sofre-se na vida, na rotina impiedosa e automática do cotidiano, em que o mundo é reprimido pelas hierarquias do poder e do “sabe com quem está falando?” (ver Capítulo IV), e, obviamente, do “cada coisa em seu lugar” (p.52).
“Tanto o carnaval quanto o Dia da Pátria são rituais nacionais e mobilizam a população das cidades onde se realizam, exigindo um tipo de tempo especial, vazio, isto é, sem trabalho, um feriado. O carnaval é realizado em três dias (domingo, segunda e terça-feira que antecedem imediatamente a Quaresma), ao passo que o Dia da Pátria (comemorado no dia sete de setembro) é oficialmente parte de uma semana, chamada “A Semana da Pátria” (p.53).
“Carnaval e Dia da Pátria constituem os dois rituais de maior duração no Brasil, sendo somente comparáveis à Semana Santa, devotada aos ritos que recriam a Paixão e Ressurreição de Cristo” (p. 53).
“[...]
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