Gilles Deleuze (1981). Francis Bacon: lógica Da Sensação
Monografias: Gilles Deleuze (1981). Francis Bacon: lógica Da Sensação. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: LAYRA00 • 12/5/2014 • 1.855 Palavras (8 Páginas) • 648 Visualizações
Prólogo
Cada uma das rubricas que se seguem considera um aspecto dos quadros de Bacon em
uma ordem que vai do mais simples ao mais complexo. Mas esta ordem é relativa e só é
válida sob uma lógica geral da sensação.
De fato todos os aspéctos coexistem. Eles convergem na cor, em uma “sensação
colorante”, que é auge desta lógica. Cada um dos aspectos pode servir de tema para uma
seqüência particular na história da pintura.
Os quadros citados aparecem progressivamente. São reproduzidos e designados por um
número que remete a sua reprodução em um segundo tomo deste livro. Agradecemos a
Senhorita Valérie Beston, da galeria Marlborough, pela ajuda preciosa a qual nos foi
prestada.
I – O redondo, a pista
Um redondo delimita seguidamente o lugar onde está sentado o personagem, esta é a
Figura. Sentado, deitado, inclinado ou outra coisa. Este redondo, ou este oval, toma mais
ou menos lugar: ele pode transbordar as laterais do quadro, estar no centro de um tríptico,
etc… Quase sempre ele é redobrado, ou ainda substituído, pelo redondo da cadeira onde
o personagem está sentado, pelo oval da cama onde o personagem está deitado. Ele se
espalha pelas pastilhas que cercam uma parte do corpo do personagem, ou no círculo
giratório que envolve o corpo. Mas mesmo os dois camponeses só formam uma Figura
com relação a uma terra arrebatada, estreitamente contida no oval em um pote.
Resumindo, o quadro comporta uma pista, uma espécie de circo como lugar. É um
procedimento muito simples que consiste em isolar a Figura. Existem outros
procedimentos de isolamento: colocar a Figura em um cubo, ou antes em um
paralelepípedo de vidro ou gelo; fazê-la colar sobre um raio, sobre uma barra estirada,
como que sobre um arco magnético de um círculo infinito; combinar todos esses meios, o
redondo, o cubo e a barra, como que em um estranho sofá largo e arqueado de Bacon.
Estes são os lugares. De todo modo Bacon não esconde que tais procedimentos são quase
que rudimentares, graças à sutileza de sua combinação. O importante é que eles não
limitam a Figura à imobilidade; pelo contrário, eles tornam sensível uma espécie de
encaminhamento, de exploração da Figura em seu lugar, ou sobre si mesma. É um campo
operacional. A relação da Figura com seu lugar isolante define um fato: o fato é…, o que
tem lugar… E a Figura, assim isolada, torna-se uma Imagem, um Ícone.
Não é só o quadro que é uma realidade isolada (um fato), nem só o tríptico em três
painéis isolados que, sobretudo, não devemos reunir em um só e mesmo quadro, mas a
Figura ela-mesma é que está isolada neste quadro, pelo redondo ou pelo paralelepípedo.
Tradução de: Deleuze, Gilles (1981) Francis Bacon: Logique de la Sensation. Paris: aux
éditions de la différence. por Silvio Ferraz e Annita Costa Malufe – sem revisão.
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Por que? Bacon repete dizendo: para conjurar o caráter figurativo, ilustrativo, narrativo,
que a Figura teria necessariamente se não estivesse isolada. A pintura não tem nem
modelo a representar, nem história a contar. Desde então ela tem como que duas vias
possíveis para escapar ao figurativo: seguir no sentido de uma forma pura, por abstração;
ou no sentido de um puro figural, por extração e isolamento. Se o pintor tende à Figura,
se ele toma a segunda via, isto será para opor o “figural” ao figurativo1. A primeira
condição é a de isolar a Figura. O figurativo (a representação) implica, de fato, em
relacionar uma imagem a um objeto e buscar ilustrá-lo; mas ela implica também a relação
de uma imagem com outras imagens em um conjunto composto que oferece precisamente
para cada um o seu objeto. A narrativa é o correlato da ilustração. Entre duas figuras, há
sempre uma história que se insinua ou tende a se insinuar, para animar o conjunto
ilustrado2. Isolar é então o modo o mais simples, necessário, mas não o suficiente, para
romper com a representação, quebrar a narrativa, impedir a ilustração, liberar a Figura:
para deter-se no fato.
Evidentemente o problema é mais complicado: será que não existiria um outro tipo de
relação entre as Figuras, não narrativo, e que portanto não destacaria nenhuma figuração?
Figuras diversas que levariam ao mesmo fato, que pertenceriam a um só e mesmo fato
único, ao invés de remeter a uma história e de remeter a objetos diferentes em um
conjunto de figuração? Relações não narrativas entre Figuras, e relações não ilustrativas
entre Figuras e fatos? Bacon não parou de fazer Figuras acopladas, que não contam
nenhuma história. E quanto mais os painéis separados de um tríptico têm uma relação
intensa entre si, menos esta relação é narrativa. Com modéstia, Bacon reconhece que a
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