Husserl - Artigo
Por: geraldohill • 2/5/2018 • Pesquisas Acadêmicas • 6.531 Palavras (27 Páginas) • 192 Visualizações
ARTIGO ORIGINAL DOI: 10.5216/phi.v21i1.37795
PHILÓSOPHOS, GOIÂNIA, V. 21, N. 1, P.13-36, JAN./JUN. 2016. 131
O SENTIDO DO IDEALISMO DE
HUSSERL1
Carlos Morujão (UCPortuguesa)2
cmorujao@fch.lisboa.ucp.pt
Resumo: O presente ensaio propõe-se explicitar o sentido do idealismo de
Husserl, entre as Ideias I (de 1913) e as Meditações Cartesianas (de 1931). A
primeira formulação do idealismo, na obra de 1913, apresenta-o como o resultado da distinção entre a consciência e o mundo, baseada na diferença entre os respectivos modos de doação: a primeira dando-se absolutamente e
sem perspectivas ou adumbramentos, o segundo dando-se como pólo de
identidade numa multiplicidade de adumbramentos. A insuficiência desta
formulação para fundar uma tese idealista evidencia-se no facto de Husserl
ter, de imediato, acrescentado uma outra: a saber, a distinção entre o modo
de ser absoluto da consciência (nulla res indiget ad existendum) e o modo de ser
contingente e intencional do mundo. Porém, o sentido final destas duas distinções será apenas esclarecido nas Meditações Cartesianas. Nesta obra, Husserl caracteriza o seu idealismo – distinguindo-o do idealismo psicológico
(Berkeley) e do idealismo de Kant – como uma auto-explicitação consequente do Ego enquanto sujeito de todo o conhecimento possível. Como corolá-
rio desta definição, «mundo que efectivamente é» apenas poderá significar
«mundo constituído na consciência».
Palavras-chave: Idealismo; análise intencional; adumbramento; constituição.
AS TRÊS TESES DO IDEALISMO DE HUSSERL
Com o presente ensaio proponho-me explicitar o sentido
do idealismo de Husserl, entre as Ideias I (de 1913) e as Meditações Cartesianas (de 1931). E se me permito insistir, desde já, sobre a necessidade de se ter em consideração estes
1 Recebido: 28-09-2015/ Aceito: 12-02-2016/ Publicado online: 28-08-2016.
2 Carlos Morujão é Professor Associado da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal.Carlos Morujão
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limites temporais, é porque não me proponho abordar algumas problemáticas que com a questão do idealismo husserliano mantêm alguma proximidade, como seja a da
«neutralidade metafísica» da fenomenologia enquanto psicologia descritiva, que Husserl defendeu nas Investigações
Lógicas. Não penso, todavia, que em 1913 Husserl tenha
abandonado esta posição. Pelo contrário – e nisto também
insistirei, para melhor compreensão do que direi mais adiante –, julgo que ela, não só permaneceu válida para Husserl, como também estará na base da sua insistência no
facto de o «idealismo» das Ideias não se poder confundir sobre qualquer outra forma historicamente conhecida de idealismo, seja ele de tipo gnosiológico, seja de tipo
metafísico3.
Como já foi notado, Husserl, naquelas duas obras que
referi no início, fornece-nos três justificações, não inteiramente coincidentes, para o seu idealismo. O problema com
o que eu entendo serem as duas primeiras justificações, que
se encontram em Ideias I – mas com o qual já não deparamos na terceira –, reside no facto de Husserl não as classificar como justificações de uma qualquer forma de idealismo,
embora seja como tal que aparecem identificadas no índice
temático desta obra. Elaborado por Ludwig Landgrebe, ele
foi, todavia, como é sabido, autorizado pelo próprio Husserl, facto que, por isso, qualquer interpretação deverá ter
em conta. De acordo com a primeira justificação – chamarlhe-ei, de agora em diante, a Tese 1, ou T1 –, que encon-
3 Não me deterei, igualmente, no que diz Husserl acerca da natureza do seu idealismo em
(HUSSERL 1954, pp. 269-276). Creio, no entanto, que, quer a caracterização que aí é feita do
idealismo fenomenológico, quer a justificação apresentada do carácter transcendental da fenomenologia, retomam, quanto ao essencial, o que já fora dito por Husserl nas Meditações Cartesianas.
Cf. (HUSSERL 1954, pp. 271-272).ARTIGO ORIGINAL O SENTIDO DO IDEALISMO DE HUSSERL
PHILÓSOPHOS, GOIÂNIA, V.21, N.1, P.13-36, JAN./JUN. 2016. 15
tramos no § 42 da obra de 1913, há um idealismo fenomenológico que resulta da distinção entre a consciência e o
mundo, baseada numa diferença entre os respectivos modos de doação: a primeira dando-se absolutamente, ou seja,
sem perspectivas nem adumbramentos (Abschattungen), o
segundo dando-se como pólo de identidade de uma multiplicidade de adumbramentos. A insuficiência desta primeira justificação para fundar por si só uma tese idealista
(admitindo que é isso que ela faz) pode deduzir-se do facto
de Husserl ter, quase de imediato, acrescentado uma outra
– a que chamarei Tese 2, ou T2 –, a saber, a distinção entre
o modo de ser absoluto da consciência e o modo de ser
contingente e intencional do mundo. Esta segunda distin-
ção é formulada por Husserl, no § 49 de Ideias I, com o auxílio da conhecida definição de substância, por Descartes,
no Livro I dos Princípios de Filosofia: tal como a substância
para Descartes, a consciência para Husserl nulla re indiget
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