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Justiça - O Que é Fazer A Coisa Certa

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Por:   •  3/12/2014  •  10.096 Palavras (41 Páginas)  •  1.616 Visualizações

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No verão de 2004, o furacão Charley pôs-se a rugir no Golfo do México e varreu a Flórida até ao Oceano Atlântico. A tempestade, que levou 22 vidas e causou prejuízos de 11 bilhões de dólares,1 deixou também em seu rastro uma discussão sobre preços extorsivos.

Num posto de gasolina em Orlando, sacos de gelo de dois dólares passaram a ser vendidos por dez dólares. Sem energia para refrigeradores ou ar condicionado em pleno mês de agosto, verão no hemisfério norte, muitas pessoas não tinham alternativa senão pagar mais pelo gelo. Árvores derrubadas aumentaram a procura por serrotes e consertos de telhados. Prestadores de serviços cobraram 23 mil dólares para tirar duas árvores de um telhado. Lojas que antes vendiam normalmente pequenos geradores domésticos por 250 dólares pediam agora 2 mil dólares. Por uma noite em um quarto de motel que normalmente custaria 40 dólares2 cobraram 160 a uma mulher de 77 anos que fugia do furacão com o marido idoso e a filha deficiente.

Muitos habitantes da Flórida mostraram-se revoltados com os preços abusivos. “Depois da tempestade vêm os abutres” foi uma das manchetes do USA Today. Um morador, ao saber que deveria pagar 10.500 dólares para remover uma árvore que caíra em seu telhado, disse que era errado que as pessoas “tentassem capitalizar à custa das dificuldades e da miséria dos outros”. Charlie Crist, procurador-geral do estado, concordou: “Estou impressionado com o nível de ganância que alguns certamente têm na alma ao se aproveitar de outros que sofrem em consequência de um furacão.”3

A Flórida tem uma lei contra preços abusivos e, após o furacão, o gabinete do procurador-geral recebeu mais de duzentas reclamações. Alguns dos reclamantes ganharam ações judiciais. Uma filial do Days Inn, em West Palm Beach, teve de pagar 70 mil dólares em multas e restituições por cobranças excessivas aos clientes.4

Entretanto, quando Crist exigiu o cumprimento da lei sobre preços extorsivos, alguns economistas argumentaram que a lei — e o ultraje público — baseava-se em um equívoco. Nos tempos medievais, filósofos e teólogos acreditavam que a troca de mercadorias deveria ser regida por um “preço justo”, determinado pela tradição ou pelo valor intrínseco das coisas. Mas nas sociedades de mercado, observaram os economistas, os preços são fixados de acordo com a oferta e a procura. Não existe o que se denomina “preço justo”.

Thomas Sowell, economista partidário do livre mercado, considerou o termo “extorsão” aqui aplicado uma “expressão emocionalmente poderosa porém economicamente sem sentido, à qual a maioria dos economistas não dá atenção, porque lhes parece vaga demais”. Em artigo no Tampa Tribune, Sowell procurou explicar “como “os preços abusivos” ajudaram os cidadãos da Flórida”. As despesas aumentam “quando os preços são significativamente mais altos do que aqueles aos quais as pessoas estão acostumadas”, escreveu Sowell. Mas “os níveis de preços aos quais você porventura está acostumado” não são moralmente sacrossantos. Eles não são mais “especiais ou “justos” do que outros preços” que as condições do mercado — incluindo as provocadas por um furacão — possam acarretar.5

Preços mais altos de gelo, água engarrafada, consertos em telhados, geradores e quartos de motel têm a vantagem, argumentou Sowell, de limitar o uso pelos consumidores, aumentando o incentivo para que empresas de locais mais afastados forneçam as mercadorias e os serviços de maior necessidade depois do furacão. Se um saco de gelo alcança dez dólares quando a Flórida enfrenta falta de energia no calor de agosto, os fabricantes de gelo considerarão vantajoso produzir e transportar mais. Não há nada injusto nesses preços, explicou Sowell; eles simplesmente refletem o valor que compradores e vendedores resolvem atribuir às coisas quando as compram e vendem.6

Jeff Jacoby, comentarista econômico que escreve para o Boston Globe, criticou as leis para preços abusivos de forma semelhante: “Não é extorsão cobrar o que o mercado pode suportar. Não é ganância nem falta de pudor. É assim que mercadorias e serviços são fornecidos em uma sociedade livre.” Jacoby reconheceu que “os picos de preços são irritantes, especialmente para alguém cuja vida acaba de ser lançada em um turbilhão por uma tempestade mortal”. Mas a ira pública não é justificativa para que se interfira no livre mercado. Por meio de incentivos aos fornecedores para que produzam mais mercadorias necessárias, os preços aparentemente exorbitantes “trazem mais benefícios do que malefícios”. Jacoby conclui: “Infernizar os comerciantes não vai acelerar a recuperação da Flórida. Deixá-los trabalhar vai.”7

O procurador-geral Crist (um republicano que mais tarde seria eleito governador da Flórida) publicou um texto em um jornal de Tampa defendendo a lei contra o abuso de preços: “Em tempos de emergência, o governo não pode ficar à sombra enquanto são cobrados às pessoas preços inescrupulosos no momento em que elas tentam salvar suas vidas ou procuram as mercadorias básicas para suas famílias depois de um furacão.”8 Crist repudiou a ideia de que esses preços “inescrupulosos” sejam reflexo de um comércio verdadeiramente livre:

Não se trata de uma situação normal de livre mercado, na qual pessoas que desejam comprar algo decidem livremente entrar no mercado e encontram pessoas dispostas a vender-lhes o que desejam, na qual um preço obedece à lei da oferta e da procura. Numa situação de emergência, compradores coagidos não têm liberdade. A compra de artigos básicos e a busca de abrigo seguro são algo que lhes é imposto.9

A discussão sobre abuso de preços provocada pelo furacão Charley levanta graves questões sobre moral e lei: É errado que vendedores de mercadorias e serviços se aproveitem de um desastre natural, cobrando tanto quanto o mercado possa suportar? Em caso positivo, o que, se é que existe algo, a lei deve fazer a respeito disso? O estado deve proibir abuso de preços mesmo que, ao agir assim, interfira na liberdade de compradores e vendedores de negociar da maneira que escolherem?

Bem-estar, liberdade e virtude

Estas questões não dizem respeito apenas à maneira como os indivíduos devem tratar uns aos outros. Também dizem respeito a como a lei deve ser e como a sociedade deve se organizar. São questões sobre justiça. Para responder a elas, precisamos explorar o significado de justiça. Na verdade, já começamos a fazer isso. Se você prestar atenção ao debate, notará que os argumentos a favor das leis relativas ao abuso de preços e contra

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