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O Último-Homem em Nietzsche

Por:   •  24/4/2016  •  Trabalho acadêmico  •  2.126 Palavras (9 Páginas)  •  392 Visualizações

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O Último-Homem em Nietzsche

Quando Frederich Nietzsche completou o seu magnum opus, Assim Falava Zaratustra, corria o ano de 1885. Era o fim do século XIX, e o século XX, com todas as suas promessas de corolário tecnológico e social, de culminar de progresso civilizacional com vista a, pela primeira vez, extinguirem-se as grandes pragas que durante toda a história da humanidade a tinham assolado (doença, pobreza extrema, guerra…).

Afigurava-se o início de uma nova era brilhante, a Era das Luzes, em que a ciência ocuparia o lugar da religião (símbolo cada vez mais notório de um primitivismo humano, contemplado progressivamente com mais condescendência) e bafejaria o homem com toda a sua graça e poder, para assim o satisfazer e preencher, dando-lhe tudo aquilo que ele desde sempre desejou: conforto, abundância alimentar, mobilidade, saúde.

Grandes tempos aproximavam-se e, no entanto, havia quem não olha-se com tal deferência para o futuro. O filósofo Nietzsche assumia-se como o porta-voz de uma «verdade incómoda»: o homem que tanto se desejava ─ o homem-satisfeito, realizado, feliz ─ não era mais que uma sombra do que deveria realmente ser. Não, a história não podia acabar ali, e, contudo, era o que muitos estavam à espera.

Onde a maioria via o culminar da realização humana, o estágio em que o ser humano seria finalmente livre de todos os fardos que tinha sido obrigado a suportar ao longo dos séculos, Nietzsche via decadência, apatia, marasmo. O Europeu moderno afigurava-se um homem domesticado, apaixonado pelas suas leis, sua cultura, os seus valores cristãos (mesmo com o cristianismo a perder poder) ─ ele está em fraco declínio.

Para enquadrarmos o último-homem na sociedade e sua realidade política, devemos falar um pouco da Teoria do Contrato Social, que apresenta-se como assaz aceite explicação da origem das sociedades. Muitos dos mais respeitados filósofos políticos ─ como John Locke, Thomas Hobbes ou Immanuel Kant ─ concordam com esta teoria. Esta enuncia que grupos de pessoas formam sociedades ao abdicar de certas liberdades para a autoridade de um governo comum em troca de proteção para as restantes das suas liberdades. Nas palavras de Thomas Hobbes, «Desejo de conforto, prazer, e medo da morte e feridas induzem os homens a obedecer a um poder comum.»

É importante atentar nas motivações enumeradas por Hobbes. Nietzsche acredita que estas motivações ─ o desejo de prazer, conforto e segurança; e o medo de doença e morte ─ são as características do último-homem. De acordo com Nietzsche, o objetivo do governo moderno é o de transformar toda a humanidade no último-homem. «É o objetivo de toda a cultura simplesmente gerar um obediente e civilizado animal, um animal doméstico».

O último-homem é a antítese do Ubermensh (super-homem, do qual já falarei). O último-homem não tem grandiosas aspirações. Ele meramente procura «ganhar a vida», estar confortável e satisfeito. «Nós não vemos nada hoje que queira ser maior. Nós suspeitamos que as coisas estão constantemente a progredir, progredir para algo mais confortável, mais medíocre, mais apático. Um já não fica rico ou pobre: ambos são demasiado cansativos. Quem é que ainda quer governar? Quem é que ainda quer obedecer? Ambos são demasiado cansativos. Nenhum pastor e um só rebanho! Todos querem o mesmo, todos são iguais.» (É impossível, numa sociedade em que algo como o facebook é o principal meio de comunicação entre as pessoas, não estabelecer uma ligação entre o que Nietzsche diz e o nosso tempo presente, em que a aprovação social através dos »gostos» é de tal maneira desejada, que cada vez menos pessoas se atravem a expressar-se de maneiras que possam ser do desagrado da maioria, reduzindo tudo e todos a um universal denominador comum, agradável, unânime, oco e promotor da ostracização de tudo o que caia fora desse denominador comum. Promove-se a igualdade, e não a diferença, de pensamento. O coletivo sobrepõe-se ao individual. E a originalidade e individualidade tornam-se cada vez mais mal-encarados.)

Para o europeu moderno, o niilismo encontra-se no seu estágio mais avançado: o homem não quer ir mais para além de si, não quer criar, «o seu solo ainda é rico o bastante para isso, mas um dia este solo será pobre e manso, e nenhuma árvore alta poderá nele crescer» (Nietzsche, Assim falava Zaratustra, p.18)

O homem está em declínio. Mas Zaratustra (a personagem que nos fala em Assim Falava Zaratustra) ama aqueles que querem declinar ─ pois é daqueles que nascerá o super-homem: valente, impetuoso, dinâmico, vivo.

Ah, sim. Não poderíamos falar do último-homem sem apresentar a sua completa antítese: O super-homem ─ aquele que vence o niilismo em que o homem moderno se afoga, supera todos os humanismos, toda a cultura que o prende em si mesmo, O modelo do super-homem está nos princípios do renascimento: valente, hábil, sem moral, ou seja, para além do bem e do mal, apenas guiando-se pela sua Vontade de Poder, a sua energia vital. O super-homem é aquele que aceita a vida como ela é: incerta, conflituosa e sem ilusões. Ele aceita as forças cósmicas incertas e contraditórias que os outros negam e temem.

O conceito de vontade de poder é importante, pois este representa o centro de gravidade do futuro Ubermensh. O super-homem, ao contrário do homem moderno, aprende a prezar o seu corpo, as suas vontades, os seus instintos, e até mesmo irracionalidades ─ o homem moderno está encarcerado nas suas febris racionalidades de tudo, que o impedem de movimentar-se sem antes pensar 10 vezes, e que o afastam da sua verdadeira natureza como homem. O futuro Ubermensh abraça as suas vontades, e recusa o ressentimento, pois ele possui amor-fati (amor e aceitação pelo seu destino),

Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!” – Nietzsche, Gaia Ciência, §276

O super-homem coloca, ao contrário do homem cristão, o ênfase da sua vida não numa prometida vida transcendental, mas na vida presente, que sabe estar destinado a viver, repetidamente, eternamente, através do Eterno Retorno.

O eterno Retorno apresenta-se como a «nova moral», o princípio através do qual o futuro homem irá reger a sua vida. Este preconiza o tempo como algo circular, uma serpente de boca na cauda. No círculo o princípio e o fim são

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