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O que faz das pessoas o que elas são?

Por:   •  16/11/2023  •  Abstract  •  1.257 Palavras (6 Páginas)  •  57 Visualizações

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-O que faz das pessoas o que elas são?

- Como assim?

- Tipo, todos nós temos a mesma configuração, olhos, boca, nariz, orelhas. O que faz de você Lucie e de mim Fran?

-Não sei, o jeito que aparentamos? Você aparenta como Fran, e eu como Lucie.

- Então gêmeos são uma pessoa só? Não é isso, acho que a resposta são os arranjos e rearranjos das coisas que eu penso, uma junção de ideias, logo, eu sou Fran, e você, é Lucie.

Assim, existem micro pessoas e macro pessoas, cada casa, dentre suas paredes, possui micro pessoas, que pensam com sua alteridade e forma própria, mas são moldadas pelo ambiente. A cultura é um fator que elimina a ideia de um ser único e 100% original, a sociedade molda as micro pessoas, desde os primórdios de quem elas são, através de seus bisavós, avós e pais que passam adiante as tradições e modos, e todos desempenham um papel, papel esse que compõem as macro pessoas.

Uma casa é uma macro pessoa, dentro da formação das quatro paredes, todos desempenham um papel de convívio, e se esse papel não é desempenhado, o organismo entra em colapso. Todos carregarão seus papéis no gerenciamento desse organismo grande até mesmo fora da sua pele. O clássico “Você pode deixar o lugar do qual você veio, mas ele nunca deixará você”.

-E por que isso é importante?

-Por que eu não consigo esquecer a minha macro pessoa, o lugar de onde vim.

-Gosto de quem você é, talvez eu goste do papel que você costumava desempenhar.

-Eu era uma enfermeira.

-Uma enfermeira? Talvez eu deva parar de dar atenção pra você quando estiver fora de si.

-Não falo de uma maneira literal, me refiro ao fato de ter uma mãe quebrada, me fez querer cuidar e juntar as partes.

-Defina “quebrada”.

-Ela não expressa muito, mas tem a ver com meu pai.

-Não precisa falar disso se não quiser, sabe disso, né?

-Não tem problema, eu gosto de falar sobre as coisas.

-Certeza?

-Absoluta, ela sempre me contou muitas histórias sobre o meu pai, sobre o papel que ele tinha que desempenhar, de onde veio, na verdade era bem simples: uma hora ele apanhava, outra hora meu avô batia. O que o tornava um catador de cacos, eu venho de uma linhagem de catadores.

-Fazemos o seguinte, toda vez que disser algo no sentido figurado, traduz, certo?

-Ok, me desculpe, me refiro a forma da qual ele amava, perdoava todas as canalhices do pai, as surras, as torturas psicológicas, as chantagens, tudo!

-E como isso o tornava um catador?

-Ele apanhava mas estava sempre por perto, catando migalhas de amor, pequenos elogios, adorava ser elogiado.

-Deve ser o que o fez conhecer sua mãe.

-Não, meu pai vivia no campo, era um homem pobre. Em outros tempos, o alívio de ter filhos advinha do ganho de mão de obra, apesar do também aumento de bocas para alimentar. Eram poucos os momentos em que ele experimentava o sabor de não dar tarefas ao tempo, assumia sua aleatoriedade. Ele chutava bola no pasto, andava distâncias enormes a fundo de um mar verde e infinito, mas não tão infinito.

-Beleza, poeta, mas o que isso tem a ver com ele conhecer sua mãe?

-Aí que está, em uma de suas viagens, acabou chutando sua bola para o outro lado da cerca, nessa época, o governo incentivava a mudança de pessoas para onde ele vivia, era barato comprar, mas difícil manter. Minha mãe chegou em uma dessas oportunidades, vinha de uma família calorosa, o pai era sapateiro, a mãe saía para vender roupas pela cidade. Numa tarde, ela cantava do lado de fora enquanto passava a roupa de trabalho do meu avô, quando uma bola veio pingando e parou no seu pé. “É minha!” - meu pai gritou. A reação dela, como de se esperar, foi um susto, que veio junto da desconfiança: quem é esse garoto?

-Viraram amigos?

-Mais do que isso, claro, meu pai não era dos mais bobos, depois da primeira, passou a chutar a bola sem querer mais vezes por cima da cerca.

-Um verdadeiro galanteador, aposto.

-Ele tinha a coragem de buscar o que queria, cativava pelo que falava, não pelo que aparentava, sabia que o jeito de conquistar qualquer coisa na sua vida, tanto por sua beleza quanto pelo seu dinheiro, era através da repetição.

-E daí, como surgiu o romance?

-Calma, eu vou chegar lá. Meu pai tornava o seu amor uma droga, era caloroso e visível, difícil de largar. Minha mãe foi pega pelo sacrifício, amava alguém que a amava como cristo. Isto é, as desculpas dadas para as escapadas nem sempre eram aceitas, não era incomum que ele a visse cheio de hematomas.

-Me desculpa, mas não tem como isso não ficar tóxico, não é saudável, é angustiante.

-Eu sei, mas era o que era. Ele chegou ao ponto que não conseguia dissociar o amor da dor, ambos caminhavam de mãos dadas. A beleza que a minha mãe refletia segundo ela mesma, era sua palidez, que para o meu pai representava um linear entre

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