PODER, BIOPOLÍTICA E GOVERNAMENTALIDADE EM MICHEL FOUCAULT
Artigo: PODER, BIOPOLÍTICA E GOVERNAMENTALIDADE EM MICHEL FOUCAULT. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: DaviSantos9830 • 15/1/2015 • 3.857 Palavras (16 Páginas) • 618 Visualizações
Introdução
Este trabalho é fruto de sentimentos distintos, embora convergentes, de desconforto e
curiosidade frente ao pensamento de Michel Foucault. A curiosidade se fez presente desde o
início a partir da descoberta de uma perspectiva diferenciada e extremamente fecunda sobre o
fenômeno do poder, a analítica do poder. Acostumado com a idéia de que aonde há poder há
Estado, parodiando o famoso dito popular aonde há fumaça há fogo, pode-se imaginar o
estranhamento e a curiosidade teórica causados pelo autor da Microfísica do poder. O
desconforto aparece quando se é forçado, diante dos escritos de Foucault, a sempre retomar o
caminho escolhido e lançar-se a uma perspectiva diferente para tentar compreendê-lo. A analítica
do poder surpreende o leitor apressado e em posição confortável, à sombra das teorias do poder
que o remetem à instituição do Estado, quando espera encontrar em seu lugar uma feliz
alternativa às teorias políticas em voga, como se Foucault propusesse através da primeira uma
negação ou substituição das segundas. Nada disso. O autor não pretende realizar uma Teoria do
Poder. O poder não é o ponto de chegada e, mesmo se fosse, toda a sua busca seria em vão.
Conforme vai dizer o autor, não se pode surpreendê-lo, pois ele, O Poder, “não existe”.
Evidentemente, o esforço adotado em trabalhar o pensamento de Foucault a partir de uma
certa visão de conjunto não quer dizer o mesmo que tentar realizar a tarefa de sistematização
teórica tantas vezes recusada pelo autor – a razão desta recusa se esclarecerá adiante, quando
levarmos em conta a atitude filosófica que consiste em “problematizar” saberes e práticas; de
outro modo, o que se pretende a partir da tematização de um conjunto considerável de escritos de
Foucault, sob as temáticas do poder, biopolítica e governamentalidade, é uma espécie de diálogo
entre os diferentes pontos de vista adotados pelo autor, o que consiste em identificar os desvios,
esquecimentos (estratégicos!) e retomadas sobre temas comuns a partir de pontos distintos. Os
temas trabalhados pelo autor, ao mesmo tempo em que conjugam elementos comuns em suas
análises, diferenciam-se na medida em que emergem sobre um sempre renovado olhar. Desse
modo, verificam-se as seguintes situações no plano da análise: a identificação de tecnologias de
poder que se cruzam e se complementam no caminho que vai da individualização - o poder
disciplinar - à totalização - o poder de regulamentação da população; as variações do papel do
Estado, ora descentrado ora re-centrado no exercício de governo levado a cabo pelas tecnologias
de poder; o fenômeno da vida que se torna o alvo de uma multiplicação das formas de governo; a
reatualização do poder soberano de matar no âmbito do “biopoder”.
A retomada do trabalho de Foucault a partir do caminho indicado não se fez sem a
presença de interlocutores privilegiados que, em todo o momento desta dissertação, fizeram
enriquecer a discussão dos temas do poder, da biopolítica e da governamentalidade. No primeiro
capítulo, destaca-se a presença da leitura de Gilles Deleuze. Acredita-se que este autor contribui
de maneira significativa ao pensamento de Foucault ao trabalhar a noção de diagrama enquanto
mecanismo para se entender o poder na sua qualidade de disposição de forças, realidade sem
substância. A grade de análise proposta por Deleuze nos ajuda a entender o pensamento de
Foucault em seu aspecto crucial: o objetivo do pensamento e da investigação histórica não deve
ter como fim o poder ou seus modos de funcionamento, mas os processos a partir dos quais
viemos a ser o que somos a partir das práticas e relações de poder que fazemos funcionar ao
longo da história. O objetivo da análise sempre será, portanto, o sujeito enquanto efeito das
relações de poder. Vale destacar que em seus últimos trabalhos, como se pretendesse fechar o
círculo dentro do qual se realiza a constituição do sujeito na modernidade, mas também
expurgando-se de uma visão reducionista ou fortemente determinista, Foucault estudará a relação
entre os processos de assujeitamento e as práticas de subjetivação.
A tarefa principal proposta no primeiro capítulo é a de se levantar os elementos
fundamentais da analítica do poder. Foram considerados, dentre outros temas, a relação entre
saber e poder, a posição do Estado frente às relações de poder, a idéia de uma positividade do
poder, ou seja, a noção de que o poder produz saberes, práticas e subjetividades (como os “corpos
dódeis”, produtos da engrenagem disciplinar). Em contraponto, foram apresentadas duas críticas
relevantes à proposta de análise empreendida pelo pensador francês. Trata-se do filósofo
brasileiro José Guilherme Merquior, que reúne uma série de estudos que apontam para falhas e
lacunas
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