Análise Do Filme PARADA 174 E Livro De Michel Foucault "Vigiar E Punir"
Pesquisas Acadêmicas: Análise Do Filme PARADA 174 E Livro De Michel Foucault "Vigiar E Punir". Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: karenfsogadelha • 11/2/2014 • 1.594 Palavras (7 Páginas) • 1.403 Visualizações
Vida Sitiada
O contexto histórico nos permite identificar diferentes estruturas punitivas, aplicadas em momentos distintos. No período monárquico, a punição era um cerimonial de soberania, em que as penas eram aplicadas em praça pública para servir de exemplo aos demais indivíduos da sociedade. O objetivo, neste sistema, seria o flagelo do corpo com a pretensão de purificação/redenção da alma. Os reis usavam do artifício da tortura como ritual de vingança contra aqueles que ousassem contrariar seu poder. Entretanto, com o passar do tempo, as pessoas começaram a repudiar a maneira brutal com que eram punidos os infratores. A partir deste momento (fenômeno), surge a necessidade de mudanças no sistema punitivo.
A ascensão da burguesia, em meados do século XVII, em conjunto com o ideário iluminista, possibilitou o surgimento dos chamados juristas reformadores, cujo discurso era o de que a punição deveria servir para requalificar os indivíduos como sujeitos de direito. Estes criaram um sistema punitivo disciplinador, que pode ser entendido como uma forma embrionária do nosso atual modelo punitivo-carcerário. Veremos, todavia, que esta forma, em sua essência, não se aplica.
Todas estas etapas que serviram para construir o atual entendimento sobre punição, sistema punitivo e sanção, tinham como objetivo principal a manutenção e legitimação daqueles que estavam no poder.
A prisão representa um marco histórico na justiça penal. Entretanto, Foucault afirma que a forma prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais, e ressalta, ainda, que seu significado muito se diferencia do atual. No passado, esta servia para repartir os indivíduos, fixá-los e distribui-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza.
O acesso à humanidade seria a consequência ideal a ser alcançado pelo infrator, ao sair da prisão. Esta instituição é considerada a pena das sociedades civilizadas, porém perigosa, quando não inútil. A ineficácia do sistema prisional está no fato de que o Judiciário, juntamente com o poder político e econômico, controla a norma, e os sujeitos que não se adequam a esse grupo serão excluídos, vítimas deste sistema.
A afirmação, todavia, de que o modelo prisional age com o intuito de ressocializar e restaurar o infrator é uma falácia, uma farsa. Os indivíduos são forjados. Observa-se como exemplo o personagem Sandro, do filme ‘’Última parada 174’’. Em sua infância, por medida socioeducativa, frequentou um tipo de instituição privativa de liberdade, em que era humilhado, subjugado e maltratado, impossibilitando qualquer tipo de regeneração e ressocialização, tornando-o cada vez mais rebelde e revoltado.
A prisão, portanto, não constrói um ‘’corpo dócil’’, até porque se deixassem de existir os chamados presidiários, esta perderia seu objeto, tornando-se uma instituição falida. Como exemplo, podemos citar as declarações dadas pelo Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que afirmou: “Prefiro morrer a ficar preso no Brasil”, e que repercutiram, até mesmo, sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal, que criticaram o sistema prisional brasileiro.
Foucault, em sua obra ‘’Vigiar e Punir’’, cita as instituições normatizadoras e disciplinadoras. A primeira seria a familiar, na qual começamos a agir de acordo com regras; nesse contexto, ficam evidentes as consequências negativas que a falta de uma estrutura familiar provocou na vida de Sandro, já que teve sua mãe morta quando ainda criança e viveu sem a presença da figura paterna. Logo, inicialmente, a disciplina é aprendida na família e posteriormente na escola, segunda instituição que ensina a obediência e a vigilância hierárquica. Esta foi outra instituição ausente na vida de Sandro, visto que abandonou os estudos cedo; fato inclusive representado no filme quando, em um ato disperso, deixa cair seu material escolar no mar, o que significou a quebra do vínculo do protagonista com os estudos. Como consequência do abandono escolar não foi alfabetizado, impedindo-o, no futuro, de cristalizar e expressar seus sentimentos em palavras; fato este que o impossibilitou de seguir sua carreira como “rapper”. Sandro adentra ao convívio social sem as bases consideradas necessárias para que sejam saudáveis as relações interpessoais.
Sem todos esses alicerces e repleto de traumas, Sandro adentra ao convívio social, onde leva o estigma de ser negro, pobre, favelado, iletrado e drogado, sendo assim marginalizado pela sociedade e pelo Estado; Estado este que normatiza certos padrões de comportamento, e que Sandro, por seu contexto histórico, não se encaixa nesses requisitos. A resposta social para este tipo de situação é a exclusão, tornando indivíduos, como ele, invisíveis.
Foucault afirma que são as instituições que impõem determinadas regras e que se os sujeitos não se adequarem a elas, serão excluídos, parando no sistema prisional, outra instituição normatizadora.
O Estado usa dessa instituição com o objetivo de transformar corpos, antes ‘’rebeldes’’, em corpos ‘’dóceis’’, com a única finalidade de explorar sua força física, sua força de trabalho, para a máxima obtenção de lucro. Isto, porém, é uma ideologia, representa um ocultamento da realidade, pois o sistema prisional é, na verdade, um micro espaço de ilegalidade e delinquência, no qual a polícia tem grande contribuição. A forma truculenta e agressiva com que a polícia age, reflexo do mau treinamento e preparo que recebe, acaba resultando em abordagens violentas, constrangedoras e, muitas vezes, sem fundamento; forma esta que acaba gerando revolta nos indivíduos, que perdem a confiança nesta instituição como garantidora de seus direitos.
O sistema punitivo privativo de liberdade não atende aos anseios de restauração e ressocialização. Podemos perceber que o comportamento delituoso de Sandro, dentro do ambiente carcerário, piorou, pois, neste cenário, conviveu com pessoas que cometeram crimes
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