UM OLHAR SOBRE O FAUSTO DE GOETHE, SUA RELAÇÃO COM A TRAGÉDIA GREGA E COM O TRÁGICO MODERNO¹

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MATO GROSSO DO SUL

CURSO DE LETRAS/INGLÊS

Wildilene Pereira Moreira*

UM OLHAR SOBRE O FAUSTO DE GOETHE, SUA RELAÇÃO COM A TRAGÉDIA GREGA E COM O TRÁGICO MODERNO¹

RESUMO: O grande poeta nacional da Alemanha, Johann Wolfgang Goethe, marca a história da literatura ocidental com sua peça Fausto (1808), a obra inspirada no histórico e lendário personagem Doutor Fausto – médico, alquimista e charlatão que faz uma aposta com o diabo em troca de conhecimento e prazeres – evoca alguns conceitos da tragédia, segundo o modelo aristotélico, e ao mesmo tempo, transgride as concepções clássicas. O presente trabalho, busca analisar possíveis elementos da tragédia grega presente na obra de Goethe, tomando por base a Poética de Aristóteles. Num segundo momento, pretende-se levantar alguns pontos relevantes da literatura alemã concernente à época de produção de Fausto e, ainda refletir sobre relação com o trágico moderno e, a capacidade de transgressão da obra frente às outras representações da lenda.

Palavras chave: tragédia, literatura alemã, modernidade.

APRESENTAÇÃO

A obra Faust, der Tragodie ester Teil (1808), intitulada de tragédia pelo próprio autor, marca a literatura alemã, considerando que desde o enredo até sua estrutura, é possível encontrar elementos que, simultaneamente, retomam e transgridem as concepções sobre a tragédia clássica. Nesse sentido, percebem-se que suas obras, embora ambientadas por importantes períodos literários como o classicismo, o sturm und drang e o romantismo, não se enquadram em um padrão estético preestabelecido, como obra única, a peça de Goethe torna-se um enigma literário e cultural.

O Fausto em Goethe se apresenta de forma única, o autor entrou em contado com a lenda do Dr. Fausto em 1725, ainda jovem, o poeta alemão encantou-se pela lenda baseada na misteriosa vida do histórico personagem Dr. Fausto cuja morte trágica serviu de fonte para a lenda popular publicada em 1587, numa feira em Frankfurt; a peça de Goethe, dessa forma, torna-se um enigma literário e cultural, sendo instrumento de pesquisas e trabalhos. O distanciamento da peça do poeta alemão em relação à lenda original é vista já no início da obra; o pacto converte-se em uma aposta, e a condenação torna-se salvação, desse modo, o personagem adquire um papel excepcional sendo, ainda, considerado um herói moderno. Como afirma Shattuck, “O Fausto de Goethe merece as muitas honras que recebeu, por dois motivos. Primeiro, Goethe identificou uma das grandes situações dramáticas que afligem e impelem os seres humanos no mundo moderno.(SHATTUCK, 2000, p. 97)”; assim, justifica-se o interesse pela análise da obra, e sua relação com a modernidade.        

A POSIÇÃO DA OBRA DE GOETHE NA LITERATURA ALEMÃ: APONTAMENTOS GERAIS

As concepções literárias no território alemão do século XVIII revelam grandes autores, que movidos por um novo pensamento, estético exploram um diferente conceito de gênio literário. Nesse sentido, Johann Wolfgang Goethe surge como ilustre representante da literatura Alemã.

A posição de Goethe na literatura Alemã: apontamentos

O palco da história da Literatura Alemã recebeu grandes autores que se destacaram na literatura ocidental. É o caso de Johan Wolfgang Goethe. Tão difícil quanto precisar datas, ou estabelecer o momento exato das mudanças das escolas literárias é restringir um autor somente a um período. O autor de Ur Faust, por sua autonomia e originalidade produziu obras multifacetadas que transitaram entre um e outro período.

As obras de Goethe não só marcaram o início de movimentos literários importantes, como também revisitaram a sua maneira conceitos estéticos já estabelecidos. Assim, é imprescindível retomar alguns pontos relevantes da literatura alemã em geral. O movimento humanista e a Reforma Protestante prenunciam uma nova literatura na Alemanha, uma literatura engajada, que rompe com os ensinamentos da igreja. Esse espírito apresentará obras com sátiras religiosas a respeito das falhas e fraquezas desta ou daquela religião (Sebastian Brant, Thomas Murner). Nas escolas, surge um teatro de cunho didático e moralizante.

Este é o cenário do século XVI, que será marcado também por um fenômeno político-social advindo da tradução da Bíblia dos originais hebraicos e gregos para o alemão-padrão que temos hoje. Este fato resultará numa gramática formada por dialetos do sul, com a sintaxe e o vocabulário popular e a linguagem burocrática da Alemanha central (Saxônia). No fim do mesmo século a imprensa já se encontra com uma tradição de 100 anos e por consequência vê-se uma difusão maior de livros populares.

Dentre esses livros está uma das maiores heranças deste período, A história do Dr. Fausto, narrativa com base no Dr. Fausto – figura histórica que viveu entre 1480-1543 – o mistério que envolve sua morte deu origem a lenda de autor anônimo, publicada em 1587 como D. Johann Fausten ou Volksbuch (livro popular) e, mais tarde será a legendária personificação do espírito renascentista ávido por conhecimento. Essa temática será de extrema importância para a literatura alemã, e por que não dizer, para a literatura ocidental. As primeiras versões podem ser vistas em Marlowe, dramaturgo inglês, no século XVI; Goethe (primeira versão) e Kingler, no século XVIII; novamente com Goethe (Fausto I e II), Grabbe, Lenau e Heine, no XIX; e Thomas Mann, Fernando Pessoa, no século XX, além de outras alusões e analogias a respeito do tema.

Como aponta Heise e Rohl, o tempo avança com significativas mudanças no campo político-social, e, sobretudo, nas artes, nesse período, a lírica barroca com seu universo desarmônico e a magia de sua linguagem terão forte influência nos séculos seguintes. A subjetividade vista nas canções de amor de Paul Fleming anunciam a lírica de Goethe em sua fase pré-romântica. Chega-se ao século XVIII, o Século das Luzes, as transformações que marcam esse período produzem um indivíduo que, guiado pela razão, anseia por conhecimento, colocando em xeque os conceitos já estabelecidos sobre a igreja, o estado, e a sociedade. Neste momento, conceituar um estilo torna-se tarefa difícil, uma vez que, algumas tendências coexistem no campo literário. A saber, o Pietismo, o Iluminismo, e o Rococó.