A Questão Agraria No Brasil
Dissertações: A Questão Agraria No Brasil. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: paulokakaroto • 21/9/2014 • 4.717 Palavras (19 Páginas) • 399 Visualizações
INTRODUÇÃO
JOÃO PEDRO STEDILE
O conceito "questão agrária" pode ser trabalhado e interpretado de diversas formas, de acordo com a ênfase que se quer dar a diferentes aspectos do estudo da realidade agrária. Na literatura política, o conceito "questão agrária" sempre esteve mais afeto ao estudo dos problemas que a concentração da propriedade da terra trazia ao desenvolvimento das forças produtivas de uma determinada sociedade e sua influência no poder político. Na Sociologia, o conceito "questão agrária" é utilizado para explicar as formas como se desenvolvem as relações sociais, na organização da produção agrícola. Na Geografia, é comum a utilização da expressão "questão agrária" para explicar a forma como as sociedades, como as pessoas vão se apropriando da utilização do principal bem da natureza, que é a terra, e como vai ocorrendo a ocupação humana no território. Na História, o termo "questão agrária" é usado para ajudar a explicar a evolução da luta política e a luta de classes para o domínio e o controle dos territórios e da posse da terra.
Aqui, vamos trabalhar o conceito de "questão agrária" como o conjunto de interpretações e análises da realidade agrária, que procura explicar como se organiza a posse, a propriedade, o uso e a utilização das terras na sociedade brasileira.
Portanto, o objeto principal da coletânea de textos que estão reunidos neste livro é oferecer aos leitores as diferentes interpretações de como se desenvolveu a posse, a propriedade, o uso da terra e a organização da atividade agrícola no Brasil.
Os estudos acadêmicos e científicos da realidade agrária no Brasil lamentavelmente são muito recentes. Evidentemente, essa ausência e verdadeira carência de estudos sobre a nossa realidade, nos mais abrangentes aspectos, é consequência do longo período de "escuridão" científica que nos impuseram nos 400 anos de colonialismo. Basta lembrar que a primeira universidade brasileira surgiu apenas em 1903, a Universidade Cândido Mendes, por iniciativa de uma família de verdadeiros iluministas, que quiseram se dedicar à ciência. As universidades públicas foram criadas no Brasil somente após uma verdadeira revolução cultural ocorrida em 1922, por ocasião da Semana de Arte Moderna, que projetou a necessidade do TEXTO 01:
Disciplina: Geografia Agrária II
Prof. Dr. Adriano Rodrigues de Oliveira
surgimento de um pensamento nacional, brasileiro, que se dedicasse às artes, à cultura e à ciência nos seus mais diferentes aspectos.
A carência e a verdadeira ignorância sobre as questões agrárias em nosso país são frutos dessa submissão colonial, que impediu o desenvolvimento das ideias, das pesquisas e do pensamento nacional durante os 400 anos de colonialismo.
A história da bibliografia brasileira sobre a questão agrária é muito recente. A rigor, o primeiro grande debate de ideias e teses que interpretavam, de maneira diferente, as origens e as características da posse, da propriedade e do uso da terra no Brasil somente aconteceu na década de 1960. E aconteceu não pelo desenvolvimento da ciência nas universidades, nas academias - embora as universidades tenham também sido envolvidas por esse debate — mas, sim, pela necessidade política e sociológica dos partidos políticos.
Antes da década de 1960, surgiram alguns estudos da realidade agrária, pelo viés da historia econômica. Alguns pensadores realizaram importantes pesquisas sobre a historia econômica de nosso país e nesse contexto, trataram do processo de evolução da posse e da propriedade da terra no Brasil. O primeiro estudo mais sistemático sobre esse tema foi realizado por Roberto Simonsen, professor da Universidade de São Paulo - USP, um grande intelectual das elites industriais paulistas. Ele realizou um brilhante estudo da história econômica. A obra é um verdadeiro compêndio de suas aulas de História, ordenadas em uma espécie de guia de estudo, com quase 500 páginas. No seu conteúdo, o livro nos mostra a interpretação de Simonsen sobre a evolução da questão agrária no país, defendendo a tese de que sempre predominaram relações de produção capitalistas no desenvolvimento da agricultura brasileira.
Mas foi apenas na década de 1970 que se publicaram diversos estudos sobre a evolução da questão agrária no Brasil, construindo- se uma interpretação quase consensual do que havia sido a evolução da posse, da propriedade e do uso da terra, desde o início da colonização aos dias atuais, em especial a obra que se transformou em um clássico, O escravismo colonial, de Jacob Gorender (Editora Ática).
Uma interpretação da questão agrária brasileira
Primeiro período: de 50.000 a.C. a 1.500 d.C.
Partindo daquilo que hoje poderíamos afirmar ser a corrente hegemônica de interpretação da evolução da questão agrária no Brasil, vamos elencar alguns elementos para auxiliar o leitor a se situar no tempo e no espaço e, assim, compreender e interpretar melhor o debate havido na década de 1960, apresentado em síntese neste volume.
A primeira etapa da formação histórica do que Darcy Ribeiro chamaria mais tarde de "civilização brasileira" tem seus primórdios na ocupação do nosso território pelas correntes migratórias que vieram da Ásia, cruzando o estreito do Alasca e ocupando todo o continente americano. Segundo pesquisas antropológicas, há sinais comprovados da existência de vida humana no território brasileiro de 50 mil anos atrás. Foram encontrados diversos instrumentos e vestígios de presença humana no Estado do Piauí. Portanto, por ora, há fortes indícios de que a sociedade brasileira foi sendo for-mada e nosso território começou a ser habitado há 50 mil anos. Desde os primórdios da nossa sociedade até o ano de 1.500 d.C., a História registra que as populações que habitavam nosso território viviam em agrupamentos sociais, famílias, tribos, clãs, a maioria nômade, dedicando-se basicamente à caça, à pesca e à extração de frutas, dominando parcialmente a agricultura. Ou seja, como a natureza era pródiga no fornecimento dos alimentos para suas ne-cessidades básicas, os povos de nosso território pouco desenvolveram a agricultura. Domesticaram apenas algumas plantas existentes na natureza, em especial a mandioca, o amendoim, a banana, o abacaxi, o tabaco; muitas frutas silvestres também eram cultivadas. Essas tribos, em 1500, já cultivavam o milho, originário de outras regiões do continente, em especial da América andina
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