Os Países Subdesenvolvido

LASCOSTE, Yves: Os países subdesenvolvimento. São Paulo: Difel, 1977(p. 7-30)

O problema dos países subdesenvolvidos colocou-se no fim da Segunda Guerra Mundial. Durante pouco mais de quinze anos, uma quantidade bastante considerável de livros e artigos foi publicada, tanto sobre os problemas do subdesenvolvimento em geral, como sobre seus aspectos particulares nos diferentes países. As transformações que o mundo sofreu depois do fim da segunda Guerra Mundial, particularmente o recuo considerável da dominação colonial e a criação da ONU tiveram múltiplasconseqüências no domínio das idéias. A visão do mundo da maior parte dos ocidentais, a imagem que faziam de si mesmos, sua maneira de considerar o resto da humanidade, evoluíram sensivelmente. Durante vários séculos, dividiram a humanidade em cristãos e pagãos, depois em civilizados e "selvagens", considerando-se os primeiros, evidentemente, como portadores de urna superioridade incontestável e congênita sobre os segundos.    Entre as duas guerras, os "civilizados" estavam de acordo quanto ao mérito de serem também os "civilizadores"; quanto aos "selvagens, a maioria tinha-se transformado em "povos que não podemos deixar entregues a si mesmos" ( sic). No final da guerra, estas concepções, apesar de não desaparecerem total, foram substituídas por uma visão singularmente nova do mundo: um pequeno número de países ricos estava envolvido por uma grande massa de países pobres. Os ocidentais levados a tomar consciência de que cerca de três quartos humanidade passavam fome, que estavam privados de instrumentos de cuidados pessoais, que estavam muitas vezes sem trabalho. A Fome é sem dúvida tão velha quanto o gênero humano, mas sua "descoberta", seu reconhecimento oficial no fim da guerra foram conseqüências de profundas transforma- se políticas: enquanto existiam os elos estreitos da dominação políticas colonial, e enquanto se procurava mantê-los por bem ou por mal, admitir que as populações colonizadas estavam na miséria era, numa certa medida, reconhecer o fracasso desta famosa missão civilizadora, álibi ideológico da colonização.    As publicações da organização das nações unidos os representantes dos países subdesenvolvidos são majoritários contribuíram bastante para a tomada de consciência da existência de um pequeno grupo de países muito ricos e de uma multidão de países pobres. Um terço dos seres humanos vive em países cuja renda nacional por habitante e por ano é inferior a 50 dólares_ e mais da metade dos homens se encontra em Estados cujas rendas por pessoa são interiores a 100 dólares. Em 1954,_ para o conjunto dos países subdesenvolvidos, a renda nacional por habitante e por ano era de 65 dólares, enquanto era de 586 dólares ·para o grupo  dos países desenvolvidos ( 1 870 nos Estados Unidos).    A segunda foi de um fenômeno completamente novo: o extraordinário aumento da população mundial a partir do começo do século xx. Sua taxa de crescimento anual média, que durante séculos foi inferior a 0,3% e que ainda era de 0,5% no fim do século XIX, cresceu brutalmente: 1% em 1940, 2%atualmente. A "explosão demográfica" é tal que, se foram necessários sem dúvida mais de 300 000 anos para povoar a terra de 3 bilhões de seres humanos, bastarão trinta anos para lhe ajuntar outros) bilhões; a humanidade contava possivelmente com 250 milhões de homens no começo da era cristã.Ora, e este é o fato essencial, a massa das populações pobres,que já não chega a fazer face às suas necessidades atuais,contribuir com uma parte essencial neste aumento. O conjunto dos países subdesenvolvidos, que constitui atualmente uma massa de 2 400 milhões de homens, registrará de agora até 1990-95 um aumento de 146% aproximadamente (no caso de uma hipótese média); enquanto que o grupo dos países desenvolvidos {os, 600 milhões de homens, só crescerá cerca de 50%.A noção de subdesenvolvimento é indissociável destes dois fatos fundamentais: 1. - Os povos subalimentados formam atualmente cerca de três  quartos da humanidade; 2. - Sua massa vai ser multiplicada por cerca de 2,5 nos próximos quarenta anos.    A ideologia dos movimentos nacionais nos países colonizados, as lutas que precederam sua independência, a conferencia realizada em Bandung pelos representantes do Estado da África e da Ásia, e tantos outros fatos, reforçaram a idéia de um agrupamento dos países subdesenvolvidos numa espécie de aliança reivindicativa em relação aos ocidentais, considerados como a causa direta ou indireta do subdesenvolvimento. A expressão Terceiro Mundo é bem preferível a de "Nações Proletárias". Esta expressão de A. Toynbee, que evoca a existência de um "proletariado exterior do Ocidente", foi popularizada por P. Moussa. Apesar de ter tido certo sucesso, pois seduz pelas tinturas pseudomarxistas, está sujeita a uma forte caução: implica, com efeito, na existência entre os países de relações de produção que existem no seio de uma sociedade. Trata-se de uma falsificação do marxismo, pois conduz a considerar a população de cada Estado como um todo, e de fato como urn9, sociedade sem classes. Ora, os países subdesenvolvidos não são povoados somente por explorados; contam com exploradores poderosos. Por seu lado, o conceito de Terceiro Mundo não apresenta este inconveniente. Ele não postula erradamente a existência entre os países de relações de produção precisas e deixa porta aberta a explicações mais complexas. Assim como oTerceiro Estado de 1789 era uma formação política ambígua, formada de classes sociais que, apesar de aliadas naquele momento,não eram menos antagônicas (burguesia, começo de proletariado operário, camponeses) , o Terceiro Mundo é uma realidade ambígua, formada de exploradores e explorados.    O termo Terceiro Mundo tem, além disso, uma outra significação profunda que dispensa referências à história da França:o Terceiro Mundo é um terceiro conjunto de países; o primeiro a se constituir historicamente foi o dos países desenvolvidos capitalistas; o segundo, o grupo dos países desenvolvido socialistas.    Hoje, as divergências sino-soviéticas, os redemoinhos que agitam a América Latina, tornaram caducas tais concepções. Mesmo tomado num sentido político, a expressão Terceiro Mundo do recobre atualmente a África, a América Latina e a Ásia, inclusive a China, que tende a se tornar a. líder de um socialismo adaptado às realidades do subdesenvolvimento. Mas países sub os desenvolvidos da Europa não são geralmente considerados como parte deste grande conjunto. Com efeito, seu comportamento na vida política internacional é diferente, seja porque procuram reforçar seus elos c0m a Europa Ocidental, seja porque conservam estreitas relações com a União Soviética. Somente a Iugoslávia, que pratica uma diplomacia "neutralista à semelhança dos outros países subdesenvolvidos, é considerado como fazendo parte do Terceiro Mundo. Do conceito de Terceiro Mundo se extrai um último sentido,ainda mais geral: um terceiro é uma " terceira pessoa"e, por extensão, "uma pessoa estranha" ( Littré). Para o homem de um país desenvolvido, o Terceiro Mundo é pois o que se encontra fora de seu mundo, fora do mundo "normal". É aquilo que é estranho ao grupo dos países desenvolvidos. .

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