A Cultura Histórica sobre a Conquista da América nas Canções do Festival Folclórico de Parintins (1998)
Por: Lucas da Mota • 21/11/2017 • Monografia • 8.577 Palavras (35 Páginas) • 253 Visualizações
O Passado da Conquista da América nas Canções do Festival Folclórico de Parintins (1998)
Lucas da Mota Farias[1]
Resumo: Este trabalho tem como tema a cultura histórica sobre a conquista da América difundida nas letras de duas canções – A Conquista e Continente Perdido –, entoadas pela Associação Folclórica Boi Garantido no Festival Folclórico de Parintins em 1998. Para realização desta tarefa, buscamos compreender essas canções como objetos complexos e multifacetados que veiculam memórias e representações sociais - tanto do passado quanto do presente - que incidem sobre as subjetividades e os discursos identitários.
Palavras-chaves: Canções; Conquista da América; Cultura Histórica.
Abstract: The theme of this work is the historical culture about the conquer of America widespead by two songs – A Conquista and Continente Perdido – peformed by the Associação Folclórica Boi Garantido in the Festival Folclórico de Parintins in the year of 1998. For this purpose, we seek to understand these songs in their complexity and ambiguity. That means an approach aiming for the memories and social representations - of the past, as well as of the present – which impacts in the subjectivities and the identitary discourses.
culture, and also to understand the historical path that made a folk movement of boi-bumbá turn in to a massive show as the Festival Folclórico de Parintins.
Keywords: Songs; The Conquest of America; Historical Culture
Introdução
Desde 1965, a cidade amazonense de Parintins promove a cada ano, no mês de junho, um Festival Folclórico onde se realizam diversas manifestações culturais: cordões de pássaros, quadrilhas juninas e apresentações de grupos de Boi-Bumbá. Com o passar do tempo, estas últimas tornaram-se cada vez mais proeminentes, caracterizando o próprio festival. Os Bois-Bumbás[2] chegaram aos parintinenses, no início do século XX, como um folguedo, festa de caráter popular que agrega música, dança e representação teatral em torno da morte e ressurreição de um boi mítico. Segundo Maria da Conceição Salazar Cano (2012), trata-se de uma “manifestação cultural vinculada ao catolicismo popular e às camadas marginalizadas da sociedade brasileira que apresenta tanto um caráter religioso e ritualístico quanto uma forma de diversão e entretenimento”. Antes marcado pela espontaneidade das ruas, este folguedo se consolidou, durante a década de 1990, como um espetáculo massivo e altamente organizado que atraiu atenção da mídia nacional e internacional, e de diversos agentes da indústria cultural e do turismo na região (CAVALCANTI, 2000).
O espetáculo de Boi-Bumbá passou a ser realizado no Festival de Parintins, no formato de uma competição em que duas associações folclóricas (grupo de foliões ou boi carnavalesco), conhecidas como o Boi Garantido e o Boi Caprichoso, se apresentam, em uma arena, durante três noites do final do mês de junho. Trata-se da apresentação de diversas linguagens artísticas (canções, alegorias, danças coreografadas e encenações) que são julgadas por uma comissão de jurados que tem o papel de definir a Associação campeã de cada edição do Festival Folclórico de Parintins (BRAGA, 2002). Segundo Sérgio Braga (2002), cada Associação produz suas apresentações a partir de um tema específico, estipulado pelos membros da própria Associação, a cada edição do festival, sempre ligado à cultura e identidades da região amazônica.
Em meio à diversidade de temas levados à arena anualmente, nos chamou atenção o tema abordado pela Associação Boi Garantido no Festival Folclórico de Parintins, no ano de 1998. Para aquele ano, os membros deste boi-bumbá elegeram como tema de suas apresentações o seguinte enunciado: “500 anos do passado para construir o futuro”. Esta escolha esteve relacionada à proximidade das comemorações do quinto centenário de chegada dos portugueses ao Brasil, que se completaria no ano de 2000. Segundo os roteiristas da diretoria de arte do Boi Garantido,
A temática do Garantido no XXXIII Festival Folclórico de Parintins, remete a várias abordagens no sentido histórico e folclórico-cultural das contribuições indígenas, brancas e negras para a formação da denominada “Civilização Cabocla da Amazônia” (Apud BRAGA, 2002: 63).
Esta temática suscitou-nos o desejo de estudar as representações do passado veiculadas nas letras das canções “A Conquista” e “Continente Perdido” que fizeram parte das apresentações do Boi Garantido naquele ano. Este estudo está em sintonia com as discussões historiográficas sobre os usos sociais do passado. Nesta perspectiva, apresentamos aqui um estudo da cultura histórica expressa nas letras dessas duas músicas, observando, especialmente, o modo como o passado da conquista da América ganha sentidos e significados por meio das representações da América e das ações/relações dos sujeitos históricos (indígenas, europeus e africanos) envolvidos neste acontecimento. Será que a cultura histórica perpetuada nestas músicas ainda carrega traços de uma história colonialista e eurocêntrica que constrói a superioridade do colonizador europeu, a inferioridade dos povos indígenas e africanos, legitimando práticas de exclusão, marginalização e escravização? Quais os significados da atuação indígena e europeia neste passado colonial? Será que as memórias narradas nas canções do Boi Garantido permitem a emergência de “outras” visões do passado? Como estas memórias se relacionam com as histórias difundidas nos livros didáticos escolares e na historiografia acadêmica? São questões que buscamos discutir na análise das letras das canções.
Entendemos que as representações do passado da conquista da América inscritas nas canções do Boi Garantido constituem memórias históricas, recordações e lembranças de acontecimentos passados. Como atos de rememorização do passado, tais representações expressam uma determinada cultura histórica. Apoiados nas reflexões de Sánchez Marcos, entendemos o conceito de cultura histórica como uma “nueva manera de pensar y comprender la relación efectiva y afectiva que un grupo humano mantiene con el pasado” (2009: 1). Trata-se de uma categoria de estudo que pretende estudar os processos de elaboração/difusão da história em diferentes linguagens, para além da história acadêmica. Nesta perspectiva, trata-se de rastrear os estratos e processos de memória histórica social, prestando atenção aos agentes que as constroem e aos meios de sua difusão, às representações que divulga e às suas formas de recepção pela sociedade (SÁNCHEZ MARCOS, 2009).
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