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A ENCOMENDAÇÃO DAS ALMAS NO MUNICÍPIO DE ORIXIMINÁ (1970-2016)

Por:   •  7/10/2019  •  Artigo  •  8.640 Palavras (35 Páginas)  •  157 Visualizações

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A ENCOMENDAÇÃO DAS ALMAS NO MUNICÍPIO DE ORIXIMINÁ

(1970-2016)[1]*

Pedro Pimentel Simões Filho[2]**

Resumo: O presente artigo visa analisar a tradição da encomendação das almas praticada na cidade de Oriximiná, região Oeste do Estado do Pará, entre 1970 e 2016. O foco será dado às modificações que esta manifestação de cunho religioso-cultural sofreu no decorrer das últimas cinco décadas. Além de aprofundar o ritual em si, interessa sobretudo, o quanto o processo de urbanização, que se acelerou em consequência da implantação da Mineração Rio do Norte, impactou nesta tradição de origem genuinamente europeia medieval. Por conseguinte, a pesquisa é desenvolvida em três tópicos, abordando o primeiro a preocupação com os mortos enquanto fenômeno histórico-cultural; o segundo, a sequência do ritual da encomendação e, por fim, o último tópico, referente aos impactos e ressignificações mais recentes.

Palavras-chave: encomendação das almas, tradição, ressignificação, Amazônia.

Abstract: This article aims to analyze the tradition of the recommendation of souls practiced in the city of Oriximiná, western region of the State of Pará, between 1970 and 2016. The focus will be given upon the changes that this manifestation of religious-cultural character has passed through within the five decades. In addition to deepening the ritual itself, it is of particular interest to know how much the process of urbanization, which has accelerated as a result of the implementation of Rio do Norte Mining, has impacted on this tradition of genuinely medieval European origin. Therefore, the research is developed in three topics, being the first about the concern with the dead as a historical-cultural phenomenon, the second about the sequence of the ritual and, finally, the last topic about the most recent impacts and resignifications.

Keywords: recommendation of souls, tradition, resignification, Amazon Region.

Introdução

        O presente artigo aborda a encomendação das almas, tal como foi praticada no município de Oriximiná entre 1970 e 2016. Pelo fato de esse recorte temporal permitir, em sua totalidade, o levantamento de fontes orais, pretende-se identificar, a partir da memória de “encomendadores”, as modificações que esta tradição de cunho cultural e religiosa sofreu nas últimas décadas. Será dada atenção aos contextos envolventes que ou favoreceram ou desencadearam as referidas mudanças, sobretudo o processo de urbanização, que se acelerou em consequência da implantação da Mineração Rio do Norte, nos anos 1970.

        Convém assinalar que a prática de “encomendar as almas” não se restringe ao município em questão e nem ao Brasil como um todo. Vinícius Eufrásio e Edite Rocha (2016) apontam que a encomendação das almas é um ritual religioso com uma “base norteadora de princípios” que “está relacionada às práticas católicas da Europa medieval”. Será, pois, necessário aprofundar também essa longínqua origem dessa manifestação.

        A metodologia utilizada abrange os três tópicos do artigo, sendo estes analisados por um viés qualitativo. A metodologia qualitativa preocupa-se em aprofundar e interpretar determinados aspectos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Ela fornece ainda uma análise mais detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento, entre outros. Assim, o primeiro tópico do presente artigo abordará, mediante um estudo bibliográfico, as raízes culturais e religiosas da encomendação das almas no medievo europeu. Autores renomados, como Jean-Claude Schmitt (1999), Jean Delumeau (2009) e Laura de Souza e Mello (1986), contribuirão para elucidar a relação do homem e da mulher medieval com a morte e os mortos.

        Em seguida, no segundo tópico, far-se-á uma descrição etnográfica da encomendação das almas em Oriximiná. O método usado será a análise da memória de encomendadores enquanto sujeitos-chave da presente pesquisa. Nesse contexto, interessa, sobretudo, o ritual da encomendação das almas seguido por eles, ano após ano, na Semana Santa. Vale ressaltar que o próprio investigador convive com estas pessoas que mantém a tradição viva até os dias de hoje. Como descrito por Triviños (1987, p. 121), “a etnografia é uma forma específica de investigação qualitativa, admitindo ser ela referente ao estudo da cultura”. Para ele, certas posições devem ser levadas em consideração como o reconhecimento a) da existência de um mundo cultural desconhecido, b) da necessidade de descrever o modo de vida de um povo para compreender melhor o funcionamento de sua sociedade e c) da participação ativa na vida dos sujeitos analisados a fim de conhecê-las melhor (TRIVIÑOS, 1987, p. 121).

        Enfim, no terceiro e último tópico serão aprofundadas as modificações que se fizeram sentir na encomendação das almas em Oriximiná, entre 1970 e 2016, em razão das mudanças que implicam a sociedade local de modo geral. Sobretudo, a implantação do projeto Mineração Rio do Norte, com a subsequente urbanização desordenada, marcada pela chegada de novos habitantes e a multiplicação de igrejas, exigiram dos encomendadores das almas – sem que esses se dessem conta disso – uma ressignificação do antigo ritual praticado por eles.

        As entrevistas serão embasadas em trabalhos de historiadores consagrados, como Eric Hobsbawm e Terence Ranger (1997), que discorreram sobre a “invenção” e constante readaptação das tradições. Neste sentido o fenômeno cultural da encomendação das almas não é tratado como uma tradição que virou obsoleta e passada, mas como uma prática em constante transformação.

1. A preocupação com a morte e os mortos

        Neste primeiro tópico trabalhar-se-á a morte e os mortos no período medieval europeu, com foco nas crenças religiosas e no imaginário social a eles associados. O casal Dias (1953) mostrou que a “encomendação das almas” é uma tradição muito popular desde o medievo em Portugal, mas que a prática remete também a tempos anteriores e a povos diferentes. De fato, cada sociedade engendrou sua própria representação do além e daqueles que se foram como, também, de a interação desses com os que ficaram.

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