A Realeza Sagrada nos Primeiros Séculos da Idade Média
Por: Mariac28 • 16/11/2019 • Resenha • 2.335 Palavras (10 Páginas) • 190 Visualizações
BLOCH, Marc. “A Realeza Sagrada nos Primeiros séculos da Idade Média”, In: Os Reis Taumaturgos: O Caráter Sobrenatural do Poder Régio na França e Inglaterra. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. P.68-87.
1. Resumo
A obra “Os Reis Taumaturgos” de Marc Bloch discute a respeito dos milagres efetuados pelos reis da França e da Inglaterra que os concebia através do toque régio (toque da mão do rei seguido pelo sinal da cruz), um rito que garantia ao rei um caráter sagrado, uma vez que, detinha o poder de curar miraculosamente as escrófulas, doença vigente nesse contexto dos séculos XI e XII na Europa.
Logo de início há uma preocupação em esclarecer o traçado das origens dessa realeza sagrada, com foco nos dois países europeus já citados, e, tendo em vista que “os reis da França e da Inglaterra puderam tornar-se médicos milagrosos porque já eram havia muito tempo, personagens sagradas” (BLOCH, p. 70), o autor analisa primeiro as velhas realezas germânicas, para indicar de que modo o caráter sagrado da realeza veio a ser reconhecido pelo povo (senso comum) do período tratado. Entretanto, “essas ideias e instituições são muito mal conhecidas. Por falta de uma literatura escrita, toda a Germânia anterior ao cristianismo permanecerá para sempre irremediavelmente obscura” (BLOCH, p. 70).
Em meio a clarões sobre a respectiva realeza germânica, sabe-se que, tal como todos os povos no mesmo estágio de civilização estava também impregnada de caráter religioso. Entre os germânicos, os reis eram escolhidos apenas em famílias nobres, que estavam permeadas hereditariamente por alguma virtude sagrada. Dessa forma, percebe-se que a ideia de legitimidade pessoal era fraca, o que era considerada era a legitimidade dinástica, muito forte para escolher o soberano. Julgava-se que tais reis primitivos possuíam certo poder miraculoso, já que eram dotados de uma virtude divina, e, a força miraculosa que os envolvia geralmente era concebida para fins coletivos destinados a obter o bem-estar do grupo como um todo, e não dirigida para fins particulares.
Com o advento do cristianismo, essa concepção sagrada atribuída aos reis germânicos foi privada de seu apoio natural: o paganismo. Nesse momento inicial, os reis passaram a subsistir apenas na qualidade de chefes de Estado, e, “após as invasões, seu poder político foi até mais forte do que nunca; pelo menos oficialmente, eles cessaram de ser tidos como personagens divinas” (BLOCH, p. 73), mas, claro que, as velhas ideias não se esvaeceram em um instante, continuou ainda a viver na consciência popular, secretamente. Para evidenciar as permanências, Bloch exemplifica:
Muitas personagens pertencentes às casas reais anglo-saxãs foram depois da morte veneradas como santos, e o mesmo aconteceu com os merovíngios, embora em escala menos. Não que essas linhagens fossem particularmente fecundas em virtudes religiosas ou privadas, longe disso; mas de bom grado se rendia culto aos membros das famílias que se estava habituado a considerar sagradas (BLOCH, p. 73).
Aos soberanos germânicos, como os merovíngios, depois das invasões encontraram-se reinando num país profundamente romanizado a tradição do povo conquistado oferecia todos os esplendores da religião imperial, que constituiu um “maravilhoso instrumento de governo, que os bárbaros deixaram-no desaparecer” (BLOCH, p. 73). O culto imperial desapareceu na Gália ao mesmo tempo em que a dominação romana, pois, os merovíngios não se arvoraram em sucessores do Império e evitaram a reproduzir a intitulação antiga (por resquício de respeito ou indiferença), que evocava o caráter sagrado do príncipe.
Mais tarde, Carlos Magno renovou o elo com a tradição romana e o Império ressuscitou, mas foi totalmente cristão, a religião imperial pagã em sua essência, não adentrou nesse contexto (no oriente, em Bizâncio, os imperadores ainda se caracterizavam de divinos por essa questão dinástica). Entretanto, os soberanos do ocidente tornavam-se sagrados graças à instituição da consagração eclesiástica através do rito fundamental: a unção (rito considerado inútil para os bizantinos, já que a religião imperial ainda vigorava).
Em suma, nos reinos surgidos das invasões um grande número de reminiscências de origens diversas, fossem germânicas fossem romano-orientais, mantinha em torno da realeza uma atmosfera de veneração quase religiosa, mas nenhuma instituição regular corporificava esse sentimento vago. Foi a Bíblia o que enfim forneceu o meio de reintegrar na legalidade cristã a realeza sagrada das idades antigas (BLOCH, p. 75).
Ou seja, os reis medievais ao passarem para o monoteísmo se tornam “cópias” dos reis do Velho Testamento. Os reis que vieram a. C. eram as prefiguras, seus anunciadores já os que vieram d. C. eram sua reprodução, a personificação de Cristo, lembrando que, no grego “Cristo” significa “o escolhido”, “o ungido” = rei. Os reis teriam então uma mescla de poderes e faculdades espirituais, por meio do rito da unção, assim como os bispos. Os monarcas se veem como a ponte entre dois mundos: o secular e o eclesiástico.
Conforme Bloch (1993), outro rito de origem diversa foi unido ao da unção, a coroação. Carlos Magno, ao ser proclamado imperador recebera do papa Leão III, em 800, uma coroa, imitadas das monarquias orientais. A partir disto, os dois ritos tornaram quase indissociáveis, necessários para consagrar um imperador e também um rei. Assim nasceu a sagração, “os reis haviam se tornado, segundo a expressão bíblica “ungidos do Senhor”, defendidos contra as violências dos maus pelo preceito divino” (BLOCH, p. 78).
Tanto a França capetíngia quanto a Inglaterra normanda, não renegaram essa tradição carolíngia, e, em ambos os monarcas foram considerados sagrados. De acordo com Pierre de Blois (francês), seu monarca podia também curar os doentes, indo além no que diz respeito à santidade do rei. O primeiro soberano francês taumaturgo -tido como capaz de curar- foi Roberto, o Pio, extremamente devoto, que assim como em seus conselheiros tinha fé em seu poder miraculoso. Sua corte se esforçou em atrair doentes escrofulosos para serem tratados -através do toque- e expandirem sua fama, os sucessores de Roberto prosseguiram com o “dom”, estabelecendo a hereditariedade dos curandeiros.
Na Inglaterra, considera-se que houve uma imitação aos reis-médicos franceses. O primeiro taumaturgo inglês foi Henrique Beauclerc, que assim como Roberto II, incialmente tratava de indistintas enfermidades para depois se especializar nos casos de escrófula. Henrique I teve certa dificuldade com a opinião religiosa ao exercer seus atuar com seus poderes miraculosos, já que nesse contexto houve a reforma
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