Braudel Obras Capitalistas
Por: marialuiza22222 • 12/6/2023 • Trabalho acadêmico • 4.434 Palavras (18 Páginas) • 65 Visualizações
Braudel é o autor de dois livros que hoje podem ser considerados “clássicos” da historiografia do século XX, O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II, editado pela primeira vez em 1949, e Civilização material, economia e capitalismo, Séculos XV-XVIII, publicado em 1979. Duas grandes obras da historiografia contemporânea, que não são apenas a espinha dorsal da obra historiográfica construída por nosso autor. São também duas análises historiográficas que, de uma perspectiva original e inovadora, revolucionaram profundamente as explicações e interpretações existentes sobre os temas cruciais que abordam: o nascimento do mundo moderno, a gênese da atual civilização latino-americana, o papel primordial do mar Mediterrâneo na história universal, a explicação teórica e histórica das estruturas essenciais do capitalismo e da modernidade, as razões profundas da expansão da civilização européia por todo o globo ou os possíveis cenários futuros dos descentramentos e rearranjos planetários das atuais economias-mundo, entre outros. Duas obras que hoje constituem ponto de referência obrigatório e imprescindível para uma grande parte dos historiadores e cientistas sociais contemporâneos.
Foi durante a experiência de cárcere (1940-1945) que se constituiu a arquitetura definitiva do futuro livro O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II. Foi também nesse período que Braudel deu forma à sua O Personagem singular hipótese teórica sobre a geo-história e a sua teoria das diferentes temporalidades histórica
O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico ja época de Felipe II. Nela, Braudel pôde sintetizar mais de vinte anos de trabalhos e pesquisas em arquivos do espaço mediterrânico – com a única exceção do Egito –, onde se refletiu todo o acúmulo de experiências e situações singulares da vida de Braudel, que vimos resumindo até aqui. Em O Mediterrâneo, Braudel torna completamente explícita, pela primeira vez, muitas das reflexões teóricas e das sensibilidades historiográficas despertadas por suas experiências lorenesas, parisienses, argelinas e brasileiras. O Personagem Ali também todas elas se articularam pela primeira vez, num sistema de explicação global, coerente e completamente consciente.
Tendo já mencionado anteriormente a relevância de certas situações e experiências vividas para a conformação da personalidade individual e intelectual. 0 Fernand Braudel e as Ciências Humanas tual de nosso autor, podemos procurar reconstruir o impacto específico dessas mesmas situações e experiências biográficas, na construção particular desta tese de doutorado, originalmente apresentada na Sorbonne em 1947 e difundida entre o grande público a partir de sua publicação em 1949. Ao definir-se, em sua primeira versão, como um projeto de tese doutoral em 1923, ela se apresentava como uma tradicional tese de história diplomática, militar, política e événementielle, corrente entre os jovens historiadores egressos da Sorbonne. Concebida na origem como uma simples análise da política diplomática de Felipe II no Mediterrâneo, esse projeto inicial da obra era o resultado natural dos estudos do curso de história, que Braudel havia feito na Sorbonne, com vistas à conquista dos graus acadêmicos. Obtivera sua licenciatura em julho de 1921, seu diploma em estudos superiores em 1922 e fora aprovado no exame de agregação em história em agosto de 1923
Durante a permanência de nosso autor na Argélia, nos anos 20 e 30, todos os países do Magreb viviam uma intensa propagação da idéia e do tema da “latinidade”, como uma fonte compartilhada de identidade cultural e civilizatória. É a época em que se reforça a idéia de uma América propriamente “latina”, durante a qual funda-se na França o “Centro de Estudos Mediterrâneos”, dirigido por Paul Valery e concentrado no estudo de todos os países que circundam este mar. A idéia de um mundo latino, partindo de seu núcleo europeu e presente em todo o norte de África e inclusive na América Latina, foi abertamente promovida pelos países da Europa ocidental mediterrânea. Projetou-se como um tema de debate importante no período entre-guerras, no qual inscreve-se a experiência argelina de Fernand Braudel. O centro real dessa postulada latinidade se encontraria justamente no próprio mar Mediterrâneo. Observando-o desde o Magreb – e imerso nesse debate também presente na Argélia em torno da latinidade –, Braudel se viu lentamente levado a repensar o projeto de sua tese doutoral, situando no centro de seu estudo aquele que os antigos romanos chamavam orgulhosamente de “Mare Nostrum”. Essa mudança de perspectiva, onde o Mediterrâneo torna-se o “centro da história” do velho mundo, será alimentada e consolidada a partir de um reencontro e de dois novos encontros intelectuais, realizados por Braudel em 1930 e 1931. Depois de inserir-se ativamente no meio acadêmico e cultural argelino, filiando-se à Sociedade Histórica Argelina e chegando a secretário geral adjunto da entidade e de seu periódico, a Revue Africaine, Braudel começa a participar também da organização do Segundo Congresso Nacional de Ciências Históricas, celebrado em Argel entre 14 e 16 de abril de 1930. Dele, participaram, entre muitos outros, seu antigo professor Henri Hauser e o diretor e promotor da Revue de Synthèse Historique, Henri Berr. O reencontro com Hauser implicou para Braudel pôr-se a par dos novos desenvolvimentos da historiografia econômica e social francesa, uma vez que Hauser já era então membro da equipe dos Annales d’Histoire Economique et Sociale. Desde o ano anterior, os Annales haviam lançado uma franca ofensiva contra a história tradicional, promovendo a nova área dos estudos históri
La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II, obra dividida em três partes, cada qual com uma maneira específica de abordar o passado, forma uma “décomposition de l’histoire en plans étagés”.11 A primeira parte e, certamente a mais representativa, trata da “geo-história”, da relação entre o homem e o meio, de como as características geográficas são parte da história; além das descrições dos espaços geográficos abordados, relacionando-os sempre com a cultura e a sociedade pertencente a estes. Apresenta tanto montanhas, planícies e ilhas quanto o clima e mesmo as rotas de navegação e de transporte terrestre. São quase trezentas páginas dedicadas a um tipo específico de história que se diferencia das costumeiras introduções geográficas “inutilement placées au seuil de tant de livres”.
Em seguida, na segunda parte do livro, o autor se preocupa com a história “lentamente ritmada” – sociedades, tradições religiosas, sistemas econômicos; com as civilizações, como preferia dizer. É o espaço destinado basicamente ao estudo dos dois grandes impérios rivais que dominavam o Mediterrâneo. Sua análise perpassa tanto aspectos sócio-econômicos quanto culturais dos turcos e espanhóis do mediterrâneo, ainda que Braudel seja criticado pela falta de ênfase na cultura e nas mentalidades. É uma história de permanências e mudanças somente percebidas por meio do estudo de períodos relativamente extensos, por vezes séculos.
...