Formação das Almas - Resenha
Por: Lasorv • 31/5/2017 • Resenha • 1.663 Palavras (7 Páginas) • 794 Visualizações
A legitimação do imaginário republicano
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. O imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
Leonardo Alexandre de Siqueira Oliveira[1]
O historiador José Murilo de Carvalho é doutor em ciência política pela Universidade de Stanford e professor titular do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autor de obras de grande referência acadêmica, principalmente ao que concerne o momento de gênese da República, reavalia o incipiente republicano colocando seu foco sobre a criação intelectual e exercício do imaginário da República.
Em seu livro, A formação das almas: O imaginário da República no Brasil (1990), Carvalho trata da análise sobre a construção da república através de seus imaginários e de seus diversos símbolos representativos.
Ao tecer os conflitos existentes e peculiares mediações político-ideológicas no desenrolar de sua obra, é significante a interpretação de ideologias incutidas nos simbolismos republicanos representados, com a finalidade de consolidação do novo regime que se aflorava. Para isso fora crucial, na eminência do processo de transição, a influência de aspirações republicanas, seja francesa, seja americana, e positivista, esclarecendo como esses modelos foram interpretados e adaptados às nuances nacionais pela elite política republicana no Brasil. Tendo a necessidade de apontar e criar personagens heróicos que substituíssem os ícones precedentes do período imperial. A República procuraria reconstruir o cenário nacional – no âmbito reificador – existente para que se ajustasse aos preceitos discursivos da “nova” ordem vigente.
José Murilo de Carvalho vai às origens destas iconologias ao analisar os modelos político-filosóficos norteadores da ideologia de propaganda republicana, que buscou instrumentos clássicos de legitimação do regime político que instaurara como justificativa racional na organização do poder. Sua tarefa foi discutir de maneira mais minuciosa o conteúdo implícito dos principais símbolos que foram utilizados por republicanos brasileiros, esboçando uma avaliação da recepção positiva ou negativa do público a que se destinava, e sua eficácia, para promover sua legitimação que dependeria da aceitação da “comunidade de imaginação”, ou “comunidade de sentido” [2].
Carvalho maneando a dicotomização dos modelos republicanos, americano e francês, caracterizando através de autores clássicos o pensamento – a idéia – de republicano, discute como esses modelos foram apoderados e incorporados pela elite republicana, assimilando-os aos interesses ferramenteiros de suas tramitações político-ideológicas.
Estavam à disposição três modelos: americano, positivista e francês. Os dois primeiros provinham de aspectos que se caracterizavam na organização do poder, por quanto que o último se inspirava na Revolução Francesa, se estruturando em aspectos institucionais calcados na intervenção popular.
O positivismo seria a mediatização entre os atos públicos das antigas republicas e o individualismo liberal “moderno”. O modelo americano, tendo Montesquieu como seu principal autor, se estruturaria nos interesses individuais sob o liberalismo, fazendo da coletividade uma soma dos interesses individuais de cada indivíduo[3]. O modelo francês, salientando a fase jacobina, aproximava-se ao estilo dos antigos com a intervenção direta do povo no governo, na idéia de virtude cívica, com ênfase no coletivo[4].
O modelo de republica a ser adotado deveria se preocupar com a solução dos problemas vigentes, mostrando um avanço sobre o sistema precedente, ou seja, o Império representaria o atraso se comparado com o novo modelo.
Findada a monarquia os grupos ideológicos se faziam muito bem divididos, pró-republica, conforme seus interesses quer pessoais ou econômicos. O modelo positivista foi assimilado pelo magote de militares, os latifundiários amalgamaram-se ao liberalismo americano, ora que os profissionais liberais alinhavaram-se ao modelo jacobino francês. Ao passo que, tiveram que encontrar a afabilidade de substituir o governo anterior objetivando a construção de uma “nação” que emoldurasse suas convicções.
O Brasil, cunhado da tradição Ibérica, salientava aspectos integrativos, participatórios, afetivos, em contraposição ao individualismo, egoísmo, materialismo característico dos anglo-saxões.
A falta de identidade existente no Brasil, antes e depois da proclamação da república, impossibilitou o fundamento tanto da republica dos antigos como a república moderna. Para Carvalho a busca por uma identidade coletiva para o país, de um alicerce para a construção da nação, “seria tarefa que iria perseguir a geração intelectual da primeira república (1889-1930)” (p.32).
A virtude republicana era incompatível com as premissas brasileiras. Por um lado devido ao desenvolvimento do comércio e por outro pela intensa especulação financeira. Especulação essa que nascera a Republica, através do enriquecimento pessoal, apesar de grandes denúncias.
O Estado seria a salvaguarda de seus privilegiados predadores, pois
se via nele o condutor de seus interesses políticos e econômicos, não pela afirmação de um direito de cidadão, mas pela porta do poder do Estado.
Recém proclamada a República, logo houve a preocupação de designar atores, construir heróis, criar mitos de origem, a fim de edificar uma versão oficial para o fato histórico que ocorrera. Reduziria, essencialmente, a parte do acaso nos acontecimentos.
Carvalho trata das várias proclamações que ocorreram no Brasil, ou seja, a disputa de nomes que definiria a república “fundada”. Uma briga pela delimitação do papel de cada ator, o famigerado no teatro republicano, Deodoro da Fonseca, Benjamim Constant, Quintino Bocaiúva e Floriano Peixoto, não deixando de farar o título de fundador da República.
O mito de origem procuraria instituir uma versão vertedora dos fatos, real ou imaginada, que daria acepção e lidimidade à vicissitude sobrelevada. Este mito procuraria, dentro do novo regime, determinar a verdade do estado de condição auferido em objeção às vivezas precedentes e/ou mesmo às aspirações oposicionistas existentes. As transmissões dos fatos contrairiam potenciais apropriadores para a manipulação das idéias de caráter parcial, concernente aos seus preceitos pleiteadores de desejabilidade e sublimidade do novo estado de condição, conduzido por uma versão mitificadora e por vezes abertamente distorcido. Caso paralelamente intrínseco a distorção que sofrerão os personagens citados acima.
O autor afirma que as marcas das contradições que são evidenciadas no início do regime são pistas da dificuldade de construir um mito original que fosse aceito por todos. Neste contexto, faltava uma figura suficientemente emblemática do 15 de novembro, visto que, os personagens disponíveis não correspondiam ao patamar histórico que se procurava, – Deodoro, Floriano e Constant – onde todo regime procura gerar uma imagem, um modelo para os segmentos da comunidade.
Para isso seria necessário revelar um mito a altura, construído sob o arcabouço imaginário. E como ícone e herói excelso do panteão republicano, Tiradentes fora escolhido por seus feitos aversivos ao Brasil do Antigo Regime e, por conseguinte, ao Império na figura do velho imperador. Seu vulto servia primorosamente às atribuições de mártir, de vítima, de misericordioso, ligado a imagem de Cristo como ferramenta manipuladora, visto a herança cristã portuguesa e a partir do empenho de seus construtores republicanos. Suas características lhe davam suporte para ampla aceitação e apropriação nos mais distintos grupos sociais, mesmo que de linhas político-ideológicas antagônicas – monarquistas, abolicionistas e republicanos.
Uma das maiores alegorias de estima pública na França seria a República na figura feminina. Sua incitação veio da Antiguidade grega e romana, onde a figura feminina representava os sentimentos, valores, idéias, a belicosidade, o ímpeto maternal. Não obstante, a tentativa de utilização da mesma simbologia por republicanos brasileiros se mostrou frustrada. José Murilo ao esclarecer peculiaridades das sociedades e das repúblicas brasileira e francesa, aborda que as explicações são expelidas em diversas direções dicotômicas. Seu fracasso estava pautado na falta de uma comunidade de imaginação, como a que havia na França. O Brasil não se fazia alicerçado em um terreno social e cultural firme, e na inexistência de uma base sustentativa, todo aparato de manipulação, de criação de símbolos, alegorias e mitos, a utilização de fatores legitimadores cairia na inércia, “quando não no ridículo” (p.89).
A instituição dos emblemas genuínos, a bandeira e hino nacional, obrigatórios para qualquer país, os quais findaram por tornasse bem mais representativos da Nação brasileira, em detrimento do Estado do que para o novo regime republicano, travaram batalhas de simbologia tendo os positivistas a vitória pela bandeira, adicionado a marca da monarquia, e o hino tendo como vitoriosos os valores da tradição cívica. Constituindo instrumentos de lógica formal para investigar o que está contido de modo valorativo e/ou de convicção política de um pequeno grupo ou mesmo de sociedades.
Retomando contendas já abordadas, fundamentalmente a introdução dos moldes filosóficos comtianos no Brasil, objetivando a promoção de uma ponderação sobre a arquitetação de um imaginário republicano com capacidade de unir o Estado brasileiro como Nação, José Murilo de Carvalho trata da “comunidade de sentido” ou “comunidade imaginada”, analisando os interesses de positivistas ortodoxos, criticando a República brasileira como não bem objetivada quanto a sua finalidade, e não os republicanos, mais intertida nas batalhas simbólicas baseadas no convencimento, impunhando-se o uso dos símbolos.
Num inventário sistemático dos conhecimentos provenientes da gênese da República brasileira, Carvalho conclui sua obra retratando o fracasso do novo regime quanto à legitimação do imaginário.
Para José Murilo de Carvalho o insucesso dos imaginários intentados pela República comprova-se em um caráter mais consistente nas tradições cívicas populares, bem mais afetivas ao período imperial e aos valores religiosos, indicando que a criação de um imaginário se tornou ineficiente e falho, apesar dos esforços de expandir a legitimidade, na tentativa de convencimento por parte de seus intentores. Isso se deu pela ausência de gênese popular e inadequação da simbologia republicana, que cairá no vazio.
Demonstrando grande afeição à monarquia, Carvalho encara o imaginário da República como unificador da nação, e, por não ter sucesso em seu pleiteio, não pode legitimar e disseminar seus símbolos construídos para conquistar a sociedade “ausente de identidade”, com exceção de mitos e símbolos já enraizados na população, seja pelo Império, seja pela religião.
“A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil” já em seu título, imprime o significado filosófico que esta brilhante obra traz, quer em sua base metodológica, quer em suas produções culturais e interpretações iconográficas que ainda podem ser foco de uma pesquisa mais minuciosa por seus estudos não terem se esgotado principalmente sobre as imagens apresentadas que podem gerar interrogações sobre que papéis estas desempenham socialmente.
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