O Nascimento da Cultura Afroamericana
Por: cintiamary • 11/9/2016 • Resenha • 1.656 Palavras (7 Páginas) • 361 Visualizações
O nascimento da cultura afroamericana – Mintz and Price (Ed. 1992, trad. 2003)
Prefácio
- As leituras e apropriações do livro: muito criticado devido a uma leitura de que eles negavam a existência de uma herança africana nas Américas.
Divisão entre os teóricos = principal limitação/dificuldade da ideias: incapacidade de examinar a aculturação e os fenômenos fora do Caribe.
A importância de examinar os processos de desenvolvimento da cultura afro-americana.
- Optam por não alterar a versão do ensaio de 1973, trocando apenas algumas terminologias e referências.
Introdução
- Diferenças no povoamento do novo mundo entre africanos e europeus
Europeus: oriundos de uma mesma nação, cultura relativamente homogênea, maioria livre.
Africanos: retirados de diferentes lugares do continente (diversidade lingüística e étnica), heranças culturais diversificadas, maioria escravizada.
- Pressupostos e entendimento culturais subjacentes (sociedades aparentadas e de contatos intensos), mas não é uma mesma cultura.
- O elemento da escravidão = a diferença de status e poder provoca problemas na reordenação ou continuidade cultural, ex: a falta de mulheres no Novo Mundo e estabelecimento de instituições europeias.
Cap. 1 – O modelo do encontro
- Critica ao “modelo bipartido de contato cultural” que coloca uma cultura europeia e outra africana em contato durante a diáspora, que levam a dois erros:
1- A existência de uma herança cultural generalizada da África ocidental levada para as Américas
- A cultura africana na América contempla dois elementos:
- Os princípios gramaticais => orientações cognitivas: pressupostos básicos sobre as relações sociais (valores, como lidar em sociedade) e sobre o funcionamento fenomenológico do mundo (crenças ligadas à causalidade) => necessidade de se estudar melhor essas orientações.
- Formas socioculturais = dimensão social
“Uma herança cultural africana, largamente compartilhada pelas pessoas importadas por uma nova colônia, terá que ser definida em termos menos concretos, concentrando-se mais nos valores e menos nas formas socioculturais, e até tentando identificar princípios “gramaticais” inconscientes que pudessem estar subjacentes à resposta comportamental e fossem capazes de moldá-la.” P. 27-28
- Necessidade de criação de novas instituições no Novo Mundo => Cultura intimamente ligada as formas institucionais que a articulam.
- Sacerdotes e sacerdotisas sim, mas templos e corpo sacerdotal não; príncipes e princesas sim, mas corte e monarquia não.
“De uma perspectiva transatlântica, os princípios, pressupostos e modos de compreensão culturais de nível profundo, compartilhados pelos africanos de qualquer colônia do Novo Mundo – em geral um aglomerado etnicamente heterogêneo de indivíduos -, teriam sido um recurso limitado, apesar de crucial. É que eles podem ter servido de catalisadores nos processos pelos quais os indivíduos de diversas sociedades forjaram novas instituições, e podem ter fornecido alguns arcabouços dentro dos quais foi possível desenvolver novas formas. Entretanto, (...) a despeito da provável importância desses princípios generalizados, os africanos de qualquer colônia do Novo Mundo só se transformaram de fato numa comunidade e começaram a compartilhar uma cultura na medida e na velocidade que eles mesmos criaram.” P. 33
2- A idéia de que os africanos de uma colônia vieram de um grupo cultural particular, ex: Achantis no Suriname e Daomeanos no Haiti.
- Ideia normalmente baseada na comparação => necessidade de estudos que busquem demografia, a proveniência.
- Diferentes grupos de africanos eram transportados para a América (transportados ao acaso).
Portanto, questiona a idéia de uma cultura única e fixa: entender o que se perdeu, o que modificou – focar no processo
“Considerando-se o contexto social das primeiras colônias do Mundo Novo, os encontros de africanos de vinte ou mais sociedades diferentes uns com os outros e com seus dominadores europeus não podem ser interpretados em termos de dois (ou até de muitos) “corpos” (diferentes) de crenças e valores, cada um deles coerente, funcional e intacto. Os africanos que chegaram ao Novo Mundo não compuseram grupos logo de saída. Na verdade, na maioria dos casos, talvez fosse até mais exato vê-los como multidões, aliás multidões muito heterogêneas. Sem diminuir a importância provável de um núcleo de valores comuns e da ocorrência de situações em que alguns escravos de origem comum podem, efetivamente, haver-se agregado, a verdade é que estas não foram, a princípio, comunidades de pessoas, e só puderam transformar-se em comunidades através de processos de mudança cultural. O que os escravos compartilhavam no começo, inegavelmente, era sua escravização; todo – ou quase todo – o resto teve que ser criado por eles. Para que as comunidades de escravos ganhassem forma, tiveram que ser criados padrões normativos de conduta, e tais padrões só podiam ser criados com base em determinadas formas de interação.” P. 37-38.
- Necessidade de distinguir o social do cultural, mas devem ser analisadas juntas => Ex. da língua (línguas africanas => pídgin => crioulo) = é necessário analisar além dos objetos, palavras traços (cultura), as relações sociais conduzidas através deles (sociorelacional).
Contato e fluxos socioculturais nas sociedades escravocratas
- O sistema escravista carrega consigo uma contradição central: a relação entre a maioria escrava e a minoria euroamericana => o escravizado era considerado um bem e passível de serem tratados como animais, entretanto, eram reconhecidos como humanos e capazes. => não eram dois mundos hermeticamente fechados (idealização).
- Principal forma de contado => comunicação e delegação de poder; trabalho na casa do senhor, relações sexuais, comércio
- Relação de conflito (“dar e tomar”) => consciência de senhores e escravos que usavam formas diferentes de confronto => poder/dependência senhorial x resistência escrava => interdependência
- Os escravos afetavam a vida do senhor = controle de alguns setores, influência na cultura senhorial
- A cultura nessas relações: materiais culturais mediados pelas relações interpessoais, ex: cozinheiras = surgimento de uma comida crioula.
- Os processos de formação cultural não foram unilaterais, nem homogêneos.
- “Julgamos, antes, que uma interpretação adequada desses processos deve começar por um exame criterioso do que se conhece sobre os pontos de contato entre pessoas escravizadas e livres, e sobre os tipos de instituições (domésticas, econômicas, religiosas e políticas) desenvolvidas por cada grupo para favorecer seus interesses”. P. 55
- Apesar de importante, o sistema de status não controla todas as interações entre esses indivíduos. => Mas há normas de interação que buscam o controle dessas relações pelo europeu.
O Setor Escravo
- Entretanto, é importante pensar que esses setores, apesar de próximos, eram extremamente separados => relação contraditória, ex: mãe e filho - capataz.
- Instituições criadas pelos escravos = dentro do poder senhorial, mas fora de suas instituições => criação de instituições próprias separadas: as plantações de subsistência, o comércio.
- Criação de instituições eficazes entre os escravos que transformam um grupo misto em comunidade.
- Nesse sentido, as instituições são criadas para dar coerência, sentido e certo grau de autonomia dentro da escravidão.
Primórdios das sociedades e culturas afro-americanas
- Inicialmente, era necessário romper com os traumas da escravização (captura, viagem) => surgimento dos primeiros laços sociais ainda em solo africano => shipmate “parceiros de bordo”, malungo.
- Existência de pressupostos comuns na África => o tráfico de escravos cria novos vínculos sociais => com novos vínculos, novos sistemas culturais surgem. Ex: religião = pressupostos de causalidade e adivinhação em comum => novos vínculos sociais durante a escravização, novas estruturas institucionais => refabricação dos conteúdos culturais.
- Os laços criados em torno dessa nova cultura afro-americana se sobrepõem aos laços existentes entre grupos homogêneos
- A cultura afro-americana é dinâmica = o ataque à identidade pessoal do africano provocado pela escravização cria a necessidade de reafirmação da identidade do indivíduo => a heterogeneidade cultural dos escravos cria um sentimento de aceitação das diferenças culturais.
Cap. 5 - O que foi mantido e sobreviveu
- Propõe a substituição da idéia de continuidade direta pelos níveis de continuidade = é necessário analisar a herança afro-americana para além dos elementos culturais, deve-se levar em consideração o contexto social em que estão inseridos. Ex: entalhes dos quilombolas no Suriname parecido com os dos Acãs, mas foram criados no século XIX nas Guianas.
- “Perigos da extrapolação retroativa para a África” = pode haver continuidades, mas há também modificações. As continuidades diretas são exceções. Ex: comunidade Rada e cultos afro-cubanos.
- A manutenção e a sobrevivência cultural tem forte relação com a continuidade dos corpos de pessoal especializado. Ex: dificuldade em manter um rito religioso sem os sacerdotes, comunidade Rada em Trinidad.
Cap. 6 – Parentesco e papéis sexuais
- Importância de uma análise histórica partindo do continente africano para entender a ascensão da cultura afro-americana e suas instituições = vai além dos estudos etnográficos para entender a família negra.
“Um de nossos postulados principais tem sido que nem o contexto social nem as tradições culturais, por si mesmos, são capazes de explicar uma forma institucional afro-americana, e que o desenvolvimento das instituições deve ser visto em seu pleno contexto histórico.” P. 90
- Importância de distinguir os conceitos das instituições a se estudar. Ex: família é variável.
- Os escravos diante da ausência de parentes verdadeiros associaram os novos laços sociais aos de parentesco. A estabilidade do grupo dependeria do contexto escravista em que estava inserido. Ex: estabilidade da mão de obra, convivência do grupo, manutenção ou separação de famílias.
- Os laços de parentesco estão diretamente ligadas à noção de comunidade e, consequentemente ao Novo Mundo.
- A articulação de laços de parentesco depende da estabilidade da mão de obra
- Grande instabilidade e fluxo de mão de obra = dificuldade de criar laços genealógicos significativos.
- Constituição de pequenos grupos familiares = importância na cooperação econômica.
- O ambiente doméstico deixa muito claro a complexa relação de autonomia e submissão entre escravos e senhores.
- Divisão sexual do trabalho = continuidade em alguns lugares. Ex: mulheres feirantes no Haiti e Jamaica. => ligada aos conceitos da África Ocidental a respeito do comportamento feminino e masculino, a experiência na colônia pode ter reforçado essa divisão dos papéis.
Cap. 7 – Conclusão
- “as continuidades entre o velho e o Novo Mundo devem ser determinadas com base na compreensão das condições básicas em que ocorreram as migrações de africanos escravizados.” P. 111
- Uso de material documental e especulações
- A proliferação de novas instituições sociais foi precondição e a base das continuidades na cultura.
- As novas instituições estão enraizadas nas relações entre senhor e escravo, algumas mais que outras.
- Durante as trocas culturais, esses elementos se recriam ou se remodelam.
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