O SUBÚRBIO NA BELLE ÉPOQUE EM “CLARA DOS ANJOS”
Por: MihLee • 7/4/2017 • Trabalho acadêmico • 1.582 Palavras (7 Páginas) • 494 Visualizações
Universidade Nove de Julho – Uninove
Curso: História
Disciplina: História do Brasil Republicano: o liberalismo oligárquico
O SUBÚRBIO NA BELLE ÉPOQUE EM “CLARA DOS ANJOS”
TÍTULO: CLARA DOS ANJOS - CONTO
COLETÂNEA: HISTÓRIAS E SONHOS
AUTOR: LIMA BARRETO
GÊNERO: ROMANCE
DATAÇÃO: 1920
VEICULAÇÃO: REVISTA SOUZA CRUZ
Em Clara dos Anjos, um conto publicado em 1920 na coletânea Histórias e Sonhos, Lima Barreto dá voz à silenciada gente dos subúrbios do Rio de Janeiro, num momento em que a elite carioca empurrava a população para os lugares mais recônditos da cidade com a justificativa de modernizá-la.
Era o auge da Belle Époque no país, e o presidente Rodrigues Alves dá ênfase em seu governo para uma ampla reforma na cidade do Rio de Janeiro, em três distintas áreas, o porto, a remodelação do centro e o saneamento da cidade. O Rio de Janeiro era o principal porto de exportação e importação e como capital da República, era a vitrine do país, que deveria atrair os estrangeiros. Mas, ao contrário, a cidade era acometida por endemias, que além de vitimarem a população, eram ainda mais vorazes com os estrangeiros. O Rio de Janeiro apresentava focos permanentes de inúmeras doenças, as mais ameaçadoras eram a varicela e a febre amarela, e desde o século XIX, a cidade tinha a indesejável reputação de “túmulo do estrangeiro”.
O porto possuía instalações obsoletas e a estrutura viária da cidade provinha em grande parte do período colonial, o que tornava impossível o transporte de cargas, sendo que não havia espaço para veículos como caminhões e os de tração animal ao mesmo tempo no vão apertado das múltiplas vielas.
Nicolau Sevcenko (2003) comenta o assunto:
"Muito cedo, ficou evidente [...] o anacronismo da velha estrutura urbana do Rio de Janeiro diante das demandas dos novos tempos. O antigo cais não permitia que atracassem os navios de maior calado que predominavam então, obrigando a um sistema lento e dispendioso de transbordo. As ruelas estreitas, recurvas e em declive, típicas de uma cidade colonial, dificultavam a conexão entre o terminal portuário, os troncos ferroviários e a rede de armazéns e estabelecimentos do comércio de atacado e varejo da cidade. As áreas pantanosas faziam da febre tifóide, do impaludismo, da varíola e da febre amarela endemias inextirpáveis. E o que era mais terrível: o medo das doenças, somado às suspeitas para com uma comunidade de mestiços em constante turbulência política, intimidava os europeus, que se mostravam então parcimoniosos e precavidos com seus capitais, braços e técnicas no momento em que era mais ávida a expectativa por eles. (SEVCENKO, 2003, p.40-41).
Para enfrentar todos esses problemas, um time de técnicos foi nomeado pelo presidente Rodrigues Alves: o engenheiro Lauro Müller para a reforma dos portos, o médico sanitarista Oswaldo Cruz para o saneamento, e o engenheiro urbanista Pereira Passos, os três com poderes ilimitados para a execução de suas tarefas.
No caso da reforma urbana, grandes obras de demolição no centro da cidade foram realizadas, destruindo os cortiços, habitados por populares, para a abertura de grandes avenidas. Essas reformas visavam atender as expectativas da elite local com os olhos voltados para as estéticas europeias, envergonhada pela presença de pobres e negros circulando pelas ruas da capital na época. O principal efeito dessa prática foi:
“a redução da promiscuidade social em que vivia a população da cidade, especialmente no centro. A população que se comprimia nas áreas afetadas pelo bota-abaixo de Pereira Passos teve ou de apertar-se mais no que ficou intocado, ou de subir os morros adjacentes, ou de deslocar-se para a Cidade Nova e para os subúrbios da Central. Abriu-se espaço para o mundo elegante que anteriormente se limitava aos bairros chiques, como Botafogo, e se espremia na rua do Ouvidor (CARVALHO, 1987, p. 40).
E foi contra tudo isso que Lima Barreto começou a fazer denúncias através de sua escrita. Na obra Clara dos Anjos, o autor mostra a realidade brasileira a partir dos espaços urbanos apresentados por ele. Na visão de Lima Barreto, os problemas da cidade centravam-se no advento da modernidade, que atuava no empobrecimento das massas. Sua escrita crítica faz com que possamos analisar a sociedade da época, e é dentro desse contexto de conflitos e mudanças durante o governo de Rodrigues Alves, que o autor começa o esboço de Clara dos Anjos, retratando a vida no subúrbio. O subúrbio segundo o próprio Lima Barreto é “o refúgio dos infelizes. Os que perderam o emprego, as fortunas; os que faliram nos negócios, enfim, todos os que perderam (ou nunca tiveram poder econômico) vão se aninhar lá”. (BARRETO, 2002, p.74.)
O romance Clara dos Anjos começou a ser escrito em 1904, embora não passasse nessa época do roteiro, nasceu da intenção de Lima Barreto de escrever uma grande obra sobre a história da escravidão negra no Brasil. O livro só foi concluído entre 1920 e 1922 e Lima Barreto não o viu publicado.
A escrita de Barreto, de vanguarda, era apontada como autobiográfica demais por tratar de um universo pessoal, abordando questões e dilemas próprios. O Rio de Janeiro retratado em Clara dos Anjos era o mesmo do cotidiano do escritor, morador do subúrbio, de família humilde que dizia-se vítima do preconceito racial e lamentava por não haver reconhecimento de sua formação intelectual e capacidade produtiva. O crítico Sérgio Buarque de Holanda, no prefácio do romance Clara dos Anjos, (1996, pg.07) escreveu: "A obra deste escritor é, em grande parte, uma confissão mal escondida, confissão de amarguras íntima, de ressentimentos, de malogros pessoais, que nos seus melhores momentos ele soube transfigurar em arte."
Os dilemas do subúrbio inseridos na narrativa de Clara dos Anjos, as reformas urbanas e a sociedade que ele representou nada mais são do que a realidade vivida por ele no século XX.
Lima Barreto relata o cotidiano da família da mulata, filha de Joaquim, um humilde carteiro e de Engrácia, uma simples mulher que cuidava do lar. Clara, que sempre fora preservada pelos pais e mal saia de casa, então é seduzida por um rapaz de uma condição social um pouco melhor que a dela e que no conto se chama Júlio Costa, um cantor de modinha, filho de um funcionário da prefeitura.
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