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Resenha Sobrevivendo Livro Trabalho Lar e Botequim

Por:   •  3/12/2019  •  Resenha  •  1.372 Palavras (6 Páginas)  •  476 Visualizações

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Chalhoub introduz o primeiro capítulo, intitulado “Sobrevivendo”, enunciando o que pretende nele analisar: as condições de reprodução da vida material dos sujeitos da obra, os trabalhadores pobres da cidade do Rio de Janeiro do início do século XX. A partir daí, o autor divide o capítulo em cinco partes para melhor destrinchar as questões em torno dessa problemática central. Isso permite uma maior compreensão do texto e concatenação das ideias exploradas, sem interrupção do fluxo de leitura. A resenha, portanto, também será organizada na mesma divisão proposta pelo autor.

Na primeira parte, numa tentativa de, segundo Chalhoub, “reconstruir o esforço das classes dominantes em elaborar uma nova ética de trabalho no período pós-Abolição”, são abordadas as visões ideológicas da elite política acerca das classes baixas e do trabalho. Por meio da análise de debates na Câmara dos Deputados sobre a repressão da ociosidade, o autor consegue transmitir com muita clareza a mentalidade político-ideológica da classe política acerca do papel do pobre na construção de uma nação moderna e que pretendia sair de seu posto de subalternidade para equiparar-se aos países de capitalismo plenamente desenvolvido da Europa.

Ao importarem desde conceitos de compêndios ingleses, como o das “classes perigosas” a projetos de lei que impunham mecanismos de controle de corpos proletários, é possível perceber o desejo de, tanto na prática como na teoria, se construir uma ética de trabalho como a que Weber enxergara no protestantismo alemão e compatível com os valores capitalistas. Para incuti-la na população, há o desafio de se valorizar o trabalho numa sociedade até então escravista, propondo-se então a criação dos tipos “trabalhador” e “vadio”, de modo a  convencer um contingente populacional imenso que vivera um gradual processo de libertação a permanecer docilmente na labuta, numa tentativa de dissociá-la da memória da escravidão em favor da introdução da nova ordem burguesa. A própria repressão, incapaz por si mesma de manter essas massas em seus velhos grilhões, é apontada por Chalhoub como parte dessa estratégia visto que, como as próprias fontes apontam, não era dotada apenas de caráter punitivo, mas também para educar o infrator para o trabalho.

Seria interessante, ao trabalhar a questão do ócio, que o autor tivesse detalhado melhor o que seria a boa ociosidade dos deputados mencionada na página 47. Se o trabalho é o pagamento da dívida contraída por viver em sociedade, é difícil pensar até que ponto mesmo os ricos estariam isentos de contribuição. Compreensivelmente, não fariam parte das classes perigosas, afinal seriam, devido ao nascimento, moralmente educados e seus vícios em nada ameaçariam à ordem vigente. No entanto, ao descrever na página 50 que as classes altas seriam naturalmente mais inclinadas ao trabalho, como haveria lugar para um ócio, ainda que positivo e filosófico, das elites? Evidentemente tratam-se de trabalhos diferentes com conotações sociais distintas, contudo, um debate sobre essa contradição da ideologia trabalhista do início do século XX seria pertinente e válido de ser explorado nessa obra.

Em seguida, Chalhoub volta seu olhar de cima para baixo, para os conflitos envolvendo membros da classe trabalhadora associados a rivalidades étnicas e nacionais. Deste modo ele explora, ao mesmo tempo, as redes de solidariedade nacional entre patrícios e a concorrência feral pelas simpatias do patrão, palavra de ordem de um mercado de trabalho capitalista em formação, já extremamente saturado e logicamente com péssimas condições de trabalho. O autor faz uso extensivo de exemplos retirados de suas fontes (depoimentos policiais), mas que de fato são ilustrativos e por vezes cômicos, sem atrapalhar a narrativa mas, pelo contrário, engajando o leitor no texto. Ao descrever não somente situações individuais mas relatar também a frequência de cada tipo de ocorrência (entre conterrâneos ou entre brasileiros e imigrantes) e evidenciar a raça dos brasileiros envolvidos, Sidney Chalhoub consegue dar uma dimensão do quanto as rixas nacionais e étnicas influenciaram na desunião da classe trabalhadora carioca e na limitação do movimento operário, quadro muito visível em uma situação específica relatada na última parte do capítulo.

 

Em mais de uma ocasião, o sentimento antilusitano que já se fazia notável pelo menos desde antes da Independência é ressaltado pela aversão que muitos brasileiros nutriam pelos imigrantes portugueses recém-chegados e  que já dominavam o comércio e as habitações coletivas, não por menos sendo acusados de exploradores, avarentos e, muito sintomaticamente, de serem responsáveis pelo atraso do Brasil. É interessante observar que esse movimento partia tanto daqueles que eram de fato, naquele momento e historicamente, oprimidos pelos portugueses, que agora os preteriam na contratação de empregados e os despejavam de suas casas, mas também da elite, que inspirava-se nos europeus do Norte para criar para si um modelo de desenvolvimento desvinculado do passado colonial.

Na terceira parte do capítulo, Sidney Chalhoub resgata o paternalismo e as tensões presentes na relação patrão-empregado. Ao analisar novamente relatos policiais de situações ocorridas no ambiente de trabalho de pequenos e médios empreendimentos, com o nepotismo sendo uma ocorrência comum, é possível enxergar como a concretude do projeto de nova ética de trabalho das elites para o povo dependia do paternalismo e do patrimonialismo para se materializar na realidade brasileira. Segundo os próprios legisladores, uma pena adequada para um trabalhador desobediente (uma palavra por si só com carga paternalista) seria a mesma que os pais infligem aos filhos. Mesmo sem mergulhar demais em arquétipos sociológicos, é dificil afirmar que o novo modelo teria o mesmo sucesso não fossem as relações estreitas que uniam patrões e empregados e consequentemente, o interesse numa possibilidade tangível de ascensão profissional e social, situação exemplificada pelo autor no texto, que afirma que algo similar não era de modo algum atípico.

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