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A HISTORIOGRAFIA SOBRE A SECA NO CEARÁ: SUJEITOS, FONTES E ABORDAGENS

Por:   •  21/3/2019  •  Artigo  •  4.934 Palavras (20 Páginas)  •  294 Visualizações

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A HISTORIOGRAFIA SOBRE A SECA NO CEARÁ: SUJEITOS, FONTES E ABORDAGENS

Kércia Andressa Vitoriano Gonçalves[1]

Welligton Costa Borges[2]

Francisco Gleison da Costa Monteiro[3]

 

Resumo:

O presente artigo tem como objetivo a análise de obras recentes que retratam a seca no Ceará, partindo da perspectiva de que a seca é um fenômeno climático e social. O trabalho abrange uma análise conceitual sobre os estudos da seca, com ênfase nos sujeitos retirantes e nas migrações. Também procura ampliar as discursões sobre as abordagens teóricas que foram dadas nessas pesquisas que, a partir do tema do trabalho e das migrações, tem em suas análises a História Social Inglesa como ponto nodal de suas problemáticas, cuja análise procura centrar nos sujeitos da classe menos favorecida da sociedade, aqueles que estavam à margem da história.

Palavras-Chave: Historiografia; Seca; Imigrantes.  

Ao relatar problemas decorrente das secas, é necessário analisar, através da criticidade, as diversas perspectivas e imaginários que se constituiu sobre esse fenômeno. Pois, se tornaram realidades que foram sendo apropriadas e cristalizadas através de visões baseadas na pobreza, barbáries, fome, doenças, calamidades e atraso. Decorrente disto, a imagem que se constitui sobre sertão está, até os dias atuais, diretamente ligada as secas. Nesse sentido, tornou-se legitimo analises historiográficas, na qual, apresentam diversos paralelos e perspectivas sobre o fenômeno e os sujeitos. Pensamentos voltados para a seca, não somente como um fenômeno climático, mas social, que se constitui como base de modificações de vidas.  As visões sobre seca e migrações tem fundamentado produções de trabalhos hegemônicos, sobretudo da memória cearense. Parte dessas produções, se constituiu através da historiografia, ponto nodal na produção deste artigo. São história de homens e mulheres, jovens e crianças, que deixavam seu local de origem, suas vidas, para moldarem novas perspectivas em algum lugar que lhes garantam o sustento.  

A seca se tornou sinônimo de retirantes, que assolados pela fome, erem obrigados a vagar pelas estradas e cidades, na procura de subsídios para sobrevivência. Porém, é importante que se desconstrua o imaginário de que a seca lhes oferecia somente miséria, esse se constituía também como um momento em que o sertanejo mudava de rota e tinha possibilidade de viver experiencias de vida e de trabalho. Nesse sentido, este trabalho pretende analisar as diversas perspectivas sobre a seca e movimentos migratórios, observar as modificações de vida dos sujeitos decorrentes no período de seca, o posicionamento político de ajuda frente a problemática das multidões de flagelados, como também seu caráter social e cultural na vida dos migrantes e das cidades que o recebiam.  

O recrutamento de imigrantes como operários de obras públicas, tornou-se umas das medidas governamentais para afastar as multidões de flagelados das cidades, e enquadrava-se nas novas experiências que os migrantes adquiriam no decorrer de suas caminhadas. Essa linha de análise é observada, sobretudo na Tese do autor Tyrone Apollo denominada Proletários da Seca: Arranjos e desarranjos nas fronteiras do trabalho, onde aborda os trabalhos destinados aos migrantes, através das comissões de socorros. Ao decorrer do trabalho, o autor afirma que para que se tivesse acesso aos socorros, por parte das comissões, eram impostas as condições de prestarem serviços em obras públicas, a exemplo deste fato cita algumas ferrovias, entre elas as de Sobral e Baturité, sendo construídas, em quase sua totalidade, pelos flagelados. A vertente de analise abordada pelo Tyrone Apollo torna-se importante pelo fato de nos possibilitar visualizar as “soluções”, através dos imigrantes, que a população cearense teve, sobretudo para satisfazer os interesses da elite local.    

Os interesses da elite estavam diretamente ligados as necessidades dos retirantes, na qual aproveitavam-se de suas condições para explorarem nas obras públicas, ou seja, não se tinha uma via de mão dupla, mas constituiu-se uma exploração velada pelos discursos de caridade e bondade. Nesse sentido o autor Frederico de Castro Neves afirma que:

Todas essas atividades e representações, entre muitas outras, apresentavam-se como partes de um conjunto composto por inúmeras ações de caridade, que era seu elemento motivador e legitimador. Com isso, a caridade recobria o tecido social e entrelaçava seus fios, constituindo-se como elemento organizador da relação com os pobres e legitimador da ordem social que naturalizava a pobreza. (NEVE, 2014: 118)

        Ou seja, na perspectiva apresentada pelo autor na citação acima, a caridade servia de elo que ligava a sociedade, como também um meio de ligação com os pobres. Mas é importante ressaltar que haviam diferentes formas de caridade. A caridade tida pelo autor como “oficial”, era advinda das comissões de socorros, comissão essa responsável pelo acolhimento e ajuda aos retirantes das secas, na qual, era organizada pelo Império. Essa forma de ajuda particular era exercida pelo Estado e tinha como figura principal o imperador, isto é, os migrantes, a priori dependiam das “esmolas” dadas pelas comissões, porém, essas mesmas comissões eram as responsáveis por direcionar os flagelados da seca para trabalhos de obras públicas, apresentados pelo autor como sendo de caráter explorativo e abusivo.

        Na perspectiva abordada, os imigrantes recrutados para construírem obras públicas, contribuía para o desenvolvimento da nação, ou seja, conflito entre modernidade e pobreza. Afinal, utilizar-se de milhares de pessoas, pobres, sem esperanças, desprovidas de subsídios básicos para sobrevivência, como meio de aproveitamento, economia e lucros, já que seria inevitável dispor de recursos para o acolhimento dos pobres. A mudança de rotina, o deslocamento de seus locais de origem, interferiam diretamente na vida daqueles indivíduos, sendo a fome o elemento principal de mudança de vida. A quantidade de retirantes nos períodos de seca era numerosos e isso interferia também na vida e rotina de cidades, nesse sentido os imigrantes eram vistos como um problema e algo que deveria ser combatido pelos órgãos públicos.

        A visão que se tinha sobre os retirantes era de medo e insegurança, pois, em algumas cidades e fazendas, havia relatos de furtos e saques por onde os imigrantes passavam. A exemplo dito, na tese no autor Tyrone Apollo, é apresentado que em Quixeramobim, em 1877, foram relatados casos de grupos armados furtando locais, passando por todos os obstáculos para tentar saciar sua fome. Nesse sentido o medo tornava-se inevitável dentro desse contexto de barbárie, onde, decorrente disto as ações caridosas, não consistiam na bondade das pessoas, mas ajudavam os flagelados, simplesmente pelo receio de saques e violência. Sendo assim, o autor afirma que diversas pequenas obras eram propostas aos imigrantes, para que pudessem dar-lhes ocupação por um curto período.

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