A Historia Moderna Maquiavel e Skinner
Por: Thalya Rodrigues • 11/10/2022 • Artigo • 4.350 Palavras (18 Páginas) • 103 Visualizações
THALYA MARIA RODRIGUES
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
DISCIPLINA DE HISTÓRIA MODERNA
PRIMEIRA ATIVIDADE AVALIATIVA
PERÍODO: 2022.1
1. Discorra sobre a formação e os desdobramentos da ideia de “liberdade” na Itália entre séculos XII e XVI, indicando as críticas de Quentin Skinner a tese de Hans Baron sobre o Humanismo Cívico.
Na Europa, o século XV foi tido como ponte para o fim da idade média e o início do renascimento e da idade moderna. Desse modo, a nossa consciência histórica nos direciona a pensar nesse período como o fim de um regime e o início de outro, em um contexto completamente homogêneo. Além disso, algumas correntes historiográficas contribuíram para reforçar o pensamento de que esse tempo foi marcado por inovações que não possuíam vínculos com o período medieval, logo, a ideia de ruptura e renascença se estabelece. Partindo desse pressuposto, os termos “Idade das Trevas” e “Renascimento” ilustram, de forma evidente, essa questão e não estão isentos de interesses de grupos específicos dentro de determinado tempo. Em vista disso, o medievo foi posto em lugar de obscuridade, pois foi considerado que, nesse período, não era capaz de se produzir conhecimento. Em seguida, o século XV em diante é posto como tempo em que, finalmente, a antiga glória europeia, com raízes na antiguidade greco-romana, estava de volta. Essa ideia surgiu dentro do renascimento, pelos seus intelectuais mais relevantes, e foi reproduzida e intensificada ao longo do tempo.
Por conseguinte, a problematização e o debate de determinadas imagens, acerca das ideias que se estabeleceram na Europa do século XV, ganharam relevância. De uma lado, nesse embate, há Hans Baron, um historiador germano-britânico do século XX que produziu uma obra intitulada “Crise da Renascença Italiana”, por meio da qual exalta o movimento que ele designa como “humanismo cívico”. A tese de Baron defende que, no contexto do renascimento, a cidade-estado Florentina não só foi o centro difusor do humanismo cívico, como também, o berço para o nascimento dessa corrente a qual ele chamou de “inovadora e revolucionária", pois ela não possuía vínculo nenhum com os pensamentos que o circulavam no medievo. Esse movimento visava à reivindicação dos ideais republicanos e da liberdade cívica de Florença dentro de um espaço repleto de lutas políticas, produzindo algo que marcou os séculos posteriores ao seu surgimento. Para Baron, a primeira conscientização da sociedade e a busca por um movimento mais politizado haviam dado os primeiros passos nesse cenário.
Do outro lado desse embate, há Skinner, um historiador britânico que contraria o pensamento de Hans. Skinner pondera a ideia de que os valores do humanismo cívico – engajamento da vida política, a vida ativa e a defesa dos valores republicanos – não foram algo que nasceu exclusivamente em Florença (BARRAQUI,2012). Skinner usará como base para a formulação da sua tese o pensamento do historiador Kristeller, o qual tentou contestar a corrente que defendia o século XV como um período totalmente inovador, colocando que os intelectuais do Quatrocentos tiveram bases consideráveis de outras produções intelectuais que existiam na época medieval. A obra de Kristeller trouxe a possibilidade da desconstrução de uma imagem cristalizada sobre o renascimento ter sido uma época áurea e de mudanças radicais, pois, para ele, a renascença possui raízes medievais. Seguindo essa mesma ótica, o Skinner diz que o renascimento não somente tem uma dívida com os medievais, mas também com a escolástica, pois o desenvolvimento das ideias políticas renascentistas, especificamente em Florença, não teria sido simplesmente uma decorrência única de um fato exclusivo daquele contexto.
Partindo desse pressuposto, tais ideias não eram novas, mas, sim, um legado medieval, pois sempre existiu um elo entre os florentinos e o movimento do humanismo petrarquiano desde o século XIV. Dessa forma, podemos compreender o cenário descrito por Skinner das cidades-estado italianas anteriores ao século XV e como isso serve para a consolidação dos seus argumentos contra a tese de Hans Baron.
De acordo com Skinner, o conceito de liberdade foi bastante mobilizado desde o século XII. Partindo dessa ideia, podemos dizer que as primeiras cidades italianas começaram a se consolidar, assim como também a ideia de nação e que a única forma de governo legal naquele contexto seria a monarquia hereditária. Naquele período, as repúblicas eram governadas por cônsules, porém, na segunda metade do século XII, o poder dos cônsules foi substituído por uma forma mais estável de governo, exercida por um funcionário chamado de Podestá, o qual não devia ter vínculos com o local e, dessa forma, poderia ser imparcial na sua administração. Escolhido pelo conselho de cidadãos local, ele podia governar por um tempo limitado e exercia o poder efetivo nas cidades e, também, desafiava a subordinação ao imperador. Logo, é perceptível que as cidades estavam em busca de uma liberdade e de uma autonomia governamental.
Até certo ponto, pode-se dizer que cidades italianas possuíam uma certa independência, entretanto, ainda eram consideradas vassalas do Sacro Império Romano. Dessa forma, era comum que os imperadores realizassem várias investidas para imporem sua autonomia na península itálica. Assim, surge a necessidade de legitimar a independência das cidades italianas, especificamente Milão e Florença, por meio de armas ideológicas, pois era necessário respaldo legal para as suas aspirações, as quais consistiam na liberdade contra qualquer interferência externa e no direito de se autogovernarem.
À vista disso, fica evidente que a ideia de liberdade já estava presente nesse cenário como sinônimo de independência política e autogoverno. Por conseguinte, os juristas buscam utilizar o direito romano a partir do código Justiniano a fim de inserir as cidades-estados no arcabouço jurídico, fazendo interpretações inovadoras sobre ele. Ainda no século XII, foram escritos vários tratados sobre o que seria o “bom governo”, a inspiração era extraída dos romanos antigos, como, por exemplo, Cícero e Salústio, e embasada pelos pensamentos ciceroniana de justiça como objetivo das sociedades humanas, concórdia para formar o bem comum e o governo misto do tipo republicano.
As investidas contra o império também desembocaram em outras lutas, agora contra o papado. O papado estava tentando exercer um controle temporal sobre as cidades italianas e isso implicava na ideia de plenitudo potestatis – a plenitude do poder temporal e espiritual do papado. As cidades italianas começaram a elaborar uma ideologia para que as pretensões do papado pudessem ser afastadas. Por isso, Dante, em sua obra "Monarquia", lançou esperanças ao imperador – grande rival papal – para que a Itália pudesse ser pacificada. Além disso, Marsílio de Pádua, um intelectual italiano, também procurou construir uma ideologia que colocasse fim às investidas da Igreja sobre a sociedade italiana, instituindo que os membros do clero deveriam ser punidos com os tribunais civis e não eclesiásticos, como almejavam; e não poderiam ocupar cargos que impusesse ações coercitivas, visto que Cristo não havia posto isso em prática.
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