A Origem da Palavra Decoro
Por: LETICEME • 11/12/2019 • Tese • 1.953 Palavras (8 Páginas) • 142 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
HISTÓRIA – MEMÓRIA E IMAGEM
Nomes: Letícia Cezar de Mello e Rebeca Stroparo
No início do mês de setembro de 1759, o rei português, D. José I, determinou a expulsão dos padres jesuítas de Portugal e demais domínios[1]. Na mesma ocasião, D. José enviou uma carta para o Cardeal Patriarca de Lisboa, d. Francisco de Saldanha da Gama, o qual havia sido nomeado pelo papa como Reformador Geral da Companhia de Jesus, informando-o das providências que havia tomado para, segundo o rei, fazer cessar os ataques que os jesuítas vinham fazendo contra ele e os seus vassalos[2] A Ordem dos jesuítas vinha perdendo espaço de influência junto ao rei desde o início do reinado, situação que foi agravada com as seguidas denúncias do governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, de que eles abusavam dos indígenas aldeados em suas missões, impedindo que os colonos os utilizassem como mão de obra. A Companhia de Jesus também envolvida no episódio conhecido como Guerra Guaranítica (1754-1756), quando foram acusados de agirem contra os interesses da Coroa portuguesa, mobilizando a resistência indígena à transferência de suas aldeias para território luso. Nesta sequência de conflitos, insere-se ainda a ação do jesuíta Gabriel Malagrida após o terremoto de 1755, culminando com a acusação de eles terem conspirado com os envolvidos no atentado sofrido por D. José I, em setembro de 1758. Aos poucos, a permanência da Companhia de Jesus em Portugal mostrou-se insustentável; expulsos do Paço Real, vieram a sofrer, em janeiro de 1759, o sequestro de seus bens e papéis, permanecendo detidos e proibidos de se comunicarem com quaisquer outras pessoas.[3]
Neste contexto de conflito entre a Coroa portuguesa e a Companhia de Jesus, adequadamente expresso na Lei de expulsão e na Carta ao Cardeal Patriarca, acima referidas, verifica-se o uso de certas palavras ou expressões que possibilitam discutir alguns aspectos da sociedade e da política lusa de meados do século XVIII. Particularmente, interessa explorar o uso e significados atribuídos ao termo decoro, como veremos adiante.
Para que tal palavra seja devidamente analisada, é necessário, primeiramente, uma breve pesquisa sobre sua origem numa língua morta: o latim. Decorum deriva do radical decor, que significa beleza[4]. Essa significação está presente na contemporaneidade, uma vez que decoração ainda consegue ser atrelada ao seu primeiro significado (decor), por exemplo. Com a diferença de que a beleza representada pela palavra decoração é aquela palpável, material e, de certa forma, relacionada à estética. Ambas as palavras descendem de um radical em comum e, novamente, de origem latina: decet, que significa “ser conveniente ou fazer algo que é bom”, e que servirá de radical para a composição da palavra decência. (Rodrigo Bastos p.48).
Nesse sentido, podemos notar como o uso da palavra estará relacionado a uma questão de proporção. Muitas são as obras de escritores e poetas romanos que levam a palavra decorum. Um exemplo, é o do poeta lírico romano Horácio, que em seu poema Odes[5], escreveu o verso: “Dulce et decorum est pro patria mori”, e pode ser traduzido como “é doce e adequado morrer pela própria pátria”[6], “é doce e belo morrer pela própria pátria”, ou até mesmo “é doce e nobre morrer pela própria pátria”[7]. Tendo em vista as possibilidades de tradução – vistas acima – da palavra latina decorum.
O “decoro”, ou “conveniência”, como analisado acima, foi um dos princípios ético retóricos fundamentais ao pensamento e à arte ocidental desde a antiguidade, consagrado pela longa tradição da Retórica e da Poética como preceito regular de adequação e conveniência de meios e fins, com esses fatos expostos, poderemos então, analisar algumas especificidades do uso dela no contexto do reinado de Dom José I, em Portugal.
Como já mencionado anteriormente, 1755 marca o ano no qual ocorreu o terremoto responsável pela destruição de Lisboa e, posteriormente, pela sua reconstrução. Em 1758, é elaborado um Alvará, “que estabelece os direitos públicos e particulares da reedificação da cidade de Lisboa” (conforme apontado no texto Luzes em Portugal: do terremoto à inauguração da estátua equestre do Reformador[8]), e D. José I outorga a intervenção na cidade. O plano formulado para a reforma, curiosamente, adota um aspecto de “correção”, ou melhor, de adequação que é incentivado através da retórica e da ação de agentes políticos que compõem a coroa portuguesa.
Um espaço público tal qual a cidade de Lisboa, carrega aspectos culturais do povo que habitava ali. A partir do momento em que a cidade é destruída, surge a oportunidade de reconstruí-la de acordo com uma estética mais '‘agradável’' e, assim, tornar a cidade um modelo de beleza, adequação e regularidade. No texto de Rodrigo Bastos[9], ele apresenta as ideias a respeito de cidade irregular e cidade regular do autor Paulo Santos. Este afirma que uma cidade irregular seria aquela que se forma de maneira espontânea, e se molda não de acordo com uma concepção geométrica, mas com as disposições das pessoas que transitam por ela. E, portanto, é genuína. Tem características intrinsecamente ligadas às pessoas que a construíram. A cidade regular, por outro lado, seria planejada, e teria sua disposição pensada previamente. No caso de Lisboa, é pensada por pessoas de confiança de D. José I[10], que têm concepções contraditoriamente inovadoras e conservadoras, como seu ministro, Sebastião de Carvalho e Melo[11]. O futuro Marquês de Pombal seria um dos responsáveis pelas reformas.
Uma vez que a reforma se inicia em Lisboa, a cidade carregaria, teoricamente, aspectos decorosos também. Na arquitetura, nas ruas e etc. Na prática as relações são mais complexas. Conforme Andreia Durães pontua
"[…] O decoro se manifesta em diversos âmbitos, sejam com o propósito artístico ou técnico, tais como o teatro, a poesia, ou até mesmo a legislação […] mas sublinhamos que o modelo, como refere Peter Burke, é mais normativo do que descritivo e que o comportamento social não se pode explicar tendo em conta apenas o enquadramento legal." (DURÃES, Andreia. Grupos intermédios em Portugal (1600-1850): uma aproximação ao vocabulário social. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 14, n. 27, p. 318-343, Dec. 2013).
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