A construção dos discursos das políticas de preservação do patrimônio cultural: Transversalidades catarinenses
Por: Christiane Kalb • 5/9/2017 • Artigo • 7.856 Palavras (32 Páginas) • 248 Visualizações
A construção dos discursos das políticas de preservação do patrimônio cultural: Transversalidades catarinenses
Christiane Heloisa Kalb
Resumo
O presente artigo tem o condão de abrir debate sobre o porquê das políticas públicas implantadas no sistema nacional, através do IPHAN particularmente, encontram-se muitas vezes desarticuladas dos anseios dos usuários dos patrimônios. Para tanto, se busca relembrar algumas fases temporal-temáticas da construção dos discursos das políticas de preservação patrimonial. Estas fases da agenda patrimonial do âmbito federal foram tentativas de construir discursos autorizados em proteger, o que se chamou de patrimônio nacional. Primeiro, por meio dos monumentos de pedra e cal. Depois numa fase moderna, há uma noção de patrimônio um pouco mais ampliada, especialmente pelo pós-guerra. Mais tarde, numa obsessão pela memória e pela patrimonialização, chegando à fase atual, em que nos encontramos, o discurso desloca-se para bens intangíveis. Portanto, o interesse pelo passado num determinado momento foi uma forma de marcar o nacionalismo a partir da retomada do período do barroco mineiro por meio dos ideais modernistas. Mas existem outros discursos mais atuais que entendem a preservação dos bens culturais como uma ideia elitista, se pautada nas soluções para as cidades industriais, nas quais a manutenção de certas tradições constitui uma justificativa para a conservação do status quo de determinados setores sociais. O que se percebe, então, é que os discursos do patrimônio se articulam enquanto narrativas, as quais relatam a história de determinada coletividade, seus heróis, os acontecimentos marcantes, os lugares importantes e os objetos que testemunharam esses acontecimentos. Portanto, problematizar estes discursos é a intenção deste estudo. A metodologia aplicada é a qualitativa sob o enfoque bibliográfico. Este estudo é parte integrante de uma pesquisa de doutorado desenvolvido pela autora, junto ao Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas, na UFSC, em que se trabalhou com políticas públicas de preservação de patrimônio da cidade de Joinville, localizada no estado catarinense, tomando como um caso paradigmático, a patrimonialização do Cine Palácio de Joinville. Neste sentido, este estudo levanta problemáticas vislumbradas no campo do patrimônio nos estudos brasileiros, a partir de diferentes tempos históricos, perpassando transversalmente pela realidade vivida em Santa Catarina, especialmente após os anos oitenta. Por ora, conclui-se que as políticas públicas voltadas para a preservação do patrimônio nem sempre se articulam para alcançar a representatividade e a participação popular, valorizando a diversidade cultural, a fim de incluir minorias e os silêncios da história. Esta discrepância mostra que as riquezas do povo brasileiro e a manutenção das culturas locais estão em constante contraponto à homogeneização das cidades.
Palavras-chave: Políticas Públicas, discursos, patrimônio cultural.
Introdução
Quando se pensa em cultura e, por conseguinte, em como preservar bens culturais, não se está adstrito à ideia de sobrevivência das criações humanas. E o século XX foi um período marcado por intensas mudanças em virtude do rápido progresso tecnológico, o que por um lado incrementou as invenções humanas e, por outro, deixou ruir tecnologias defasadas. Nesse contexto, a preservação dos patrimônios, criados ou não pelo homem, pode estar permeada pelo espírito de romantismo e nostalgia, se considerar as correntes urbanistas dos culturalistas, motivadas pelo interesse das pessoas em encontrarem um passado marcado por estabilidade e prosperidade. No caso brasileiro, se verá mais à frente que o interesse pelo passado num determinado momento foi uma forma de marcar o nacionalismo a partir da retomada do período do barroco mineiro por meio dos ideais modernistas. Outros entendem a preservação dos bens culturais como uma ideia elitista, se pautada no que os urbanistas progressistas vão trazer de soluções para as cidades industriais, nas quais a manutenção de certas tradições constitui uma justificativa para a conservação do status quo de determinados setores sociais.
Além dos motivos já citados acima, como o romantismo, a nostalgia e a conservação de certas tradições, os interesses comuns de preservação ainda podem ser motivados pela ideia de sobrevivência, de enriquecimento espiritual, científico e histórico, de fonte de prazer e contemplação (SILVA, 2003, p. 44) e tantas outras razões que se analisarão nos próximos itens.
O patrimônio cultural de uma sociedade, mais que estabelecer limites, coleções e escolhas a partir de discursos, tem sua importância arraigada no sentido de questionar de onde viemos e para onde vamos. O patrimônio é tingido de valores[1] numa dada época, num certo momento histórico e, portanto, é uma construção social, diacrítica, normalmente pensada por uma elite que muitas vezes acaba por excluir certos grupos, geralmente minoritários. Todavia, essas elites, representadas por instituições de preservação, deveriam servir aos cidadãos ao invés de servir a grupos de interesses políticos e econômicos.
Pensar, então, o patrimônio a partir da identidade cultural como o passado de uma etnia (ou grupo social) é uma maneira de demonstrar o reconhecimento à ideia comunitária, isso quando o próprio grupo detentor de determinado patrimônio se reconhece perante ele. Assim, os sistemas de símbolos que cada grupo de pessoas experimenta subjetivamente como sua identidade podem ser chamados de cultura, “uma vez que eles [os patrimônios] materializam uma teia de categorias de pensamento por meio das quais nos percebemos individual e coletivamente” (GONÇALVES, 2007, p. 29). E aceitar que essa teia de significados abrange aquelas
Producciones simbólicas y las experiencias estéticas sustraídas a la urgencia de lo cotidiano, con los lenguajes, los rituales y las conductas gracias a los cuales una comunidad vive y reflexiona su vínculo con el mundo, con los otros y con ella misma (CHARTIER, 2008, p. 23).
Logo, conjugando patrimônio e cultura, temos o enlaço das produções simbólicas e experiências estéticas do cotidiano, tanto as deixadas por antepassados longínquos ou próximos quanto aquelas realizadas a partir de uma instituição ou de certas pessoas. Portanto, a ação do homem no espaço gera bens que podem vir a ser significativos a ponto de constituir uma marca naquele tempo. O patrimônio cultural de um país, estado ou cidade, ou mesmo de um grupo social, é formado por elementos tangíveis e intangíveis num determinado processo histórico que identifica e diferencia as pessoas a partir da reprodução das ideias e dos materiais provenientes desses elementos. O conceito de patrimônio cultural, então, está em constante embate de significados e ressignificados.
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